sábado, 17 de novembro de 2018

“Um juiz não devia ir para ministro”

17.11.2018 às 14h00

RUI DUARTE SILVA

Manuel Soares Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses

Os juízes só admitem suspender a greve que se vai prolongar por um ano se houver um compromisso “claro” do Governo. Querem receber o que foi acordado há décadas, não aceitam receber instruções do Conselho e defendem que para ir para a política um juiz tem de suspender a carreira.
Há alguma hipótese de não fazerem greve?
Há, como sempre houve. Estamos disponíveis para dialogar.
Houve contactos com o Governo?
Na sexta-feira anterior à assembleia em que decidimos fazer greve, o Governo apresentou uma proposta. Na segunda-feira seguinte, respondemos que era um bom sinal porque era a primeira tentativa de diálogo em dois anos. Mas era insuficiente. E desde aí não houve quaisquer contactos formais. Só algumas conversas exploratórias. Se até ao dia 20 houver um princípio de acordo satisfatório suspendemos a greve.
Na proposta que vos fez o Governo não previa um aumento remuneratório. É essa a questão?
Isto pode parecer uma nuance, mas nós não estamos a pedir nenhum aumento. O teto salarial que o Governo propôs extinguir foi imposto por uma lei excecional em 1990 e boicotou um aumento que tinha sido decidido em 1989. Portanto, não consideramos isso um aumento. Noutro aspeto, o Ministério comprometeu-se em 2003 a aumentar o subsídio que nós recebíamos de uma forma anual. Em 2005 deixou de cumprir esse acordo. Fomos para tribunal, ganhámos na primeira instância e estamos à espera da decisão do Supremo.
Mas isso significa que o Governo gaste mais dinheiro e não há.
Nós temos maleabilidade. Não queremos tudo ao mesmo tempo, hoje.
O presidente do Supremo disse que esta greve dá uma imagem de crispação indesejável.
Estamos de acordo. A greve é indesejável. Por isso é que em 44 anos fizemos greve três vezes. Mas qual é a alternativa? Se não nos respeitam, se não dialogam connosco, o que podemos fazer além desta medida extrema?
O que há de assim tão grave para avançar com uma greve?
É terem dito há seis anos aos juízes que era preciso rever os estatutos. E nós concordámos desde que se resolvessem os problemas que se arrastam desde 1990 e 2003. O estatuto não foi revisto. E este Governo começou a falar outra vez da revisão, que nós nem pedimos, e o problema repete-se. Se não querem mexer no estatuto, tudo bem. Se querem, então tem de se fazer uma revisão completa que elimine os problemas que persistem. Senão daqui a dez anos estamos a falar das mesmas coisas.
Aumento que não é aumento. É essa a vossa grande exigência?
O estatuto que já foi aprovado é funcionalizante. Há uma norma que já foi aprovada pelo Conselho de Ministros que diz: o Conselho Superior da Magistratura pode emitir instruções necessárias à boa execução e uniformização do serviço judicial. Nós não aceitamos que nenhum juiz se sujeite a instruções do CSM sobre como deve executar o seu trabalho.
Porquê?
Porque é o que acontece na Polónia e na Hungria. O juiz é titular de um órgão de soberania para julgar de acordo com a sua consciência e a lei e não seguir instruções do CSM. É uma norma inaceitável que seria suficiente para fazermos greve.
Mas essa norma dita como deviam fazer sentenças?
A maneira como a norma está formulada faz com que num contexto mais autoritário, um CSM menos respeitador possa emitir ordens que colidem com a independência dos juízes. Vou dar mais um exemplo: nos processos disciplinares os juízes têm menos direitos do que qualquer pessoa. O juiz não pode ser ouvido pelo CSM e se recorrer ao Supremo, este não reaprecia os factos. Na semana passada o Estado português foi condenado por violar a convenção europeia dos direitos humanos por não reconhecer aos juízes estes direitos.
Está a falar do caso de uma juíza que foi condenada pelo CSM?
Exatamente. Não lhe concederam uma audiência no conselho e o supremo não a deixou apresentar prova. Outro exemplo: se amanhã eu for ministro da Justiça isso passa a ser uma comissão de serviço judicial, como se fosse inspetor ou estivesse a dar aulas na escola dos juízes. Isto é completamente estapafúrdio. Para já, um juiz não devia ir para ministro, ou para secretário de Estado ou para outro cargo de confiança política. Mas mesmo que queira ir, não faz sentido que seja considerado uma comissão equiparada a serviço judicial.
A atual ministra foi procuradora e é juíza do Supremo.
Devia ter metido licença sem vencimento. Não estou a falar desta ministra, ela é um exemplo, mas estou a falar em abstrato. Todos os cargos que envolvam confiança política deviam ser declarados incompatíveis. Suspendiam a função e metiam licença.
Para quê marcar uma greve para durar um ano inteiro?
Eu disse ao Presidente da República, à ministra e aos líderes dos partidos: nós, depois de tantos anos a andar com isto para a frente e para trás, vamos reagir de maneira inédita. Mas estou convencido e até esperançoso de que não vamos chegar lá.

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