Já houve guardas prisionais punidos disciplinarmente por recusarem participar em formação de tiro alegando falta de segurança. Exercícios com munições reais não obrigam a ter meios de socorro no local
Entre os guardas prisionais ainda reina a incredulidade e a tristeza. A morte de Carla Amorim, 32 anos, atingida a tiro quando participava, terça-feira, numa ação de formação no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira "está a afetar muito o corpo da guarda prisional", contou ao DN um elemento desta força de segurança. "O sentimento é geral, de dor e grande tristeza." Como é possível ter acontecido? É a pergunta que ainda hoje colocam, lamentando a perda de uma vida mas também a delicada situação em que o colega, formador de tiro, está a viver após ter causado, inadvertidamente, a morte de Carla Amorim. O disparo, efetuado pelo formador que é do Grupo de Intervenção e Segurança Prisional, está a ser investigado pela Polícia Judiciária e, a nível interno, pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
A hora é de dor mas entre os guardas prisionais há alguma revolta. Há quem considere que esta formação de tiro, obrigatória duas vezes por ano, não é efetuada em condições de segurança, com guardas prisionais a relatarem terem sido alvo de processos disciplinares por se recusarem a participar. "Já houve colegas punidos disciplinarmente por se recusarem a fazer tiro sem estar presente uma ambulância com equipa médica. Nunca está presente. Entendem que é uma ação em que são manuseadas armas de fogo e pode sempre acontecer um acidente, como se viu agora. Com uma arma de fogo, qualquer lesão é grave e tem de ser atendida de imediato", disse ao DN Júlio Rebelo, presidente do Sindicato do Corpo da Guarda Prisional.
Em Paços de Ferreira, o socorro foi prestado por uma equipa médica do INEM do Hospital Padre Américo, em Penafiel, apoiada por uma ambulância dos Bombeiros de Paços de Ferreira, que foram acionadas após o disparo. Apesar das tentativas de reanimação, o óbito acabou por ser declarado no local. "O problema é que isso não está definido na lei e a direção-geral argumenta que não há verba para ter sempre uma ambulância em cada formação de tiro", acrescenta o dirigente sindical. Júlio Rebelo considera, no entanto, que este é um caso "raríssimo, muito anómalo, cujos contornos ainda têm de ser bem apurados". O momento é de luto e dor e, por isso, Júlio Rebelo deixa para os próximos dias a intenção de pedir uma reunião com a DGRSP para rever os procedimentos de segurança a adotar nas carreiras de tiro.
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Tiro a curta distância
O acidente surpreende pelas circunstâncias em que ocorreu. O disparo que atingiu a guarda prisional que prestava serviço na prisão de Santa Cruz do Bispo, foi efetuado a uma distância muito curta, cerca de quatro metros, e de forma frontal, com a vítima a ser atingida no peito. Agora, a PJ irá ouvir o formador, que ficou em choque e até meio da tarde de hoje ainda não tinha sido ouvido devido ao seu estado psicológico, para perceber como aconteceu a fatalidade. A existência de erro humano é um cenário provável. A arma, uma pistola calibre 9mm usada pelos serviços prisionais, irá ser alvo de perícias para se perceber se houve algum defeito que tenha contribuído para o desfecho.
De acordo com uma fonte conhecedora do caso, o formador de treino é um elemento do Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GIPS) com experiência militar antes de ingressar na guarda prisional. É um homem considerado muito experiente no manuseamento de armas.
Carla Amorim era guarda prisional desde 2002 e estava na cadeia feminina de Santa Cruz do Bispo desde 2012, depois de ter estado colocada no Alentejo. Vivia em Baião com os pais e três irmãos mais novos na União de Freguesias de Campelo e Ovil, onde a notícia da morte deixou a população chocada. O funeral realiza-se hoje às 16.00, em Mesão Frio, de onde é natural.
A DGRSP informou após o acidente que, de acordo com os trâmites legais, a GNR deslocou-se ao local e comunicou a ocorrência à Polícia Judiciária que investiga e já ouviu elementos que participavam na formação de tiro na carreira existente no espaço da cadeia da Paços de Ferreira. A nível interno, estão igualmente em curso diligências para apurar as causas do acidente, tendo sido ordenada a abertura de um inquérito a cargo do inspetor coordenador do Serviço de Auditoria e Inspeção (Norte) da DGRSP e que é magistrado do Ministério Público.
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