quarta-feira, 7 de novembro de 2018

JOÃO LOURENÇO NO LABIRINTO DO CONGO



Quando iniciou o seu mandato presidencial, João Lourenço quis deixar algumas marcas promovendo uma política externa activa. Além da “punição” a Portugal pelo facto de a antiga potência colonial se ter atrevido a acusar o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, de vários crimes, Lourenço embarcou numa aproximação à Europa ocidental e arvorou-se como o mediador da crise eleitoral no Congo.
O Congo, que tem desempenhado um papel fulcral na história de Angola, está de novo perante uma crise. O seu presidente, Joseph Kabila, já devia ter deixado o poder em 2016. Na realidade, só o manteve até essa data devido ao apoio angolano, que por duas vezes teve de enviar as suas Forças Armadas para escorar Kabila.
Mas a verdade é que, ainda no tempo de José Eduardo dos Santos, Angola começou a ver com cepticismo o governo de Kabila, devido às confusões que este arranjava na fronteira comum e que levavam massas de refugiados do Congo a “invadirem” o território angolano, criando instabilidade.
Aliado a este desconforto com as sucessivas violações fronteiriças, alguns sectores acreditavam que José Eduardo dos Santos queria promover o seu genro, Sindika Dokolo, congolês, marido de Isabel dos Santos, a líder do Congo, substituindo Kabila. O próprio Sindika lançou um movimento político e cívico no Congo e dava entrevistas a defender um novo eixo Luanda-Kinshasa.
Quando tomou posse, João Lourenço assumiu que o Congo era uma das suas prioridades. Além dos problemas na fronteira, são sabidas as riquezas imensas e estratégicas existentes no Congo, bem como o facto de este país servir muitas vezes de “santuário” para ataques a Angola. A situação instável que se vivia no Congo, com Kabila a não sair do poder, nem a efectivar eleições e com a população em grande agitação, obrigava a atenção de Lourenço. A isto acrescia que ele poderia desempenhar um papel de prestigiado mediador internacional na crise congolesa.
E se assim o pensou, melhor o fez. Uma das prioridades de João Lourenço foi assegurar que Kabila realizaria eleições e não se recandidataria, uma vez que estava constitucionalmente impedido de o fazer. Com várias iniciativas, Lourenço teve um papel determinante para que se perspectivassem eleições presidenciais no Congo em 23 de Dezembro deste ano, e também para que Kabila anunciasse que não se recandidataria. Tal anúncio aconteceu depois de uma visita de Kabila a Luanda e foi interpretado como o resultado de uma intervenção adequada por parte do presidente angolano, que aí marcou pontos como estadista internacional.
Contudo, desde essa altura o relacionamento entre Angola e o Congo deteriorou-se, e com ele a esperança de que Angola possa ter um efeito moderador nos eventos congoleses, que se afiguram muito sensíveis.
Por um lado, a imprensa afecta a Kabila começou a ser crítica em relação a Lourenço e Angola, acusando-os de se quererem imiscuir nos assuntos internos do Congo. Por outro lado, a operação Transparência realizada na zona do garimpo angolano levou à debandada de milhares de congoleses que trabalhavam em Angola para o Congo. Algumas fontes referem que em poucos dias mais de 500 mil congoleses foram expulsos de Angola para o Congo, outras mencionam números mais reduzidos, mas o facto é que estas expulsões criaram um efectivo mal-estar entre Luanda e Kinshasa, cujos efeitos internacionais só agora começam a fazer-se sentir.
João Lourenço perdeu o capital de esperança e de ser um honest broker na crise congolesa. Terá mesmo dado razões a Kabila para usar as expulsões angolanas como arma de arremesso nas suas disputas internas.
Aparentemente, João Lourenço sobrepôs os problemas internos com que se deparava em relação aos diamantes às necessidades da sua política externa com o Congo, mas com isso poderá ter perdido o capital de prestígio e diálogo que tinha ganho em Agosto passado, quando aparentemente havia convencido Kabila a não se recandidatar.
O problema é que a situação no Congo só tende a piorar, e vai transformar-se num problema para Angola. Aí, o que poderá Lourenço fazer? Provavelmente, terá de usar a força para defender as fronteiras de Angola e assegurar alguma estabilização no Congo.
Perante estes últimos desenvolvimentos, há motivos para recear mais uma intervenção armada de Angola no Congo. Para a evitar, João Lourenço precisa de um forte brainstorming que o ajude a encontrar a desejável solução diplomática. Para bem de angolanos e congoleses.

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