O antigo primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco, acredita que os conflitos em África poderiam ser resolvidos com uma maior representatividade das diversas etnias e regiões nos governos, o que não acontece devido à herança dos Estados europeus.
Marcolino Moco, que apresenta, este sábado, em Lisboa, um resumo em inglês do seu livro de 2015 “Angola: Estado-nação ou Estado etnia política?” (“Angola in Africa: Nation-state or political-ethnicity”), explicou à Lusa que o seu livro apresenta uma “teoria para explicar a razão dos conflitos nos países africanos, com o exemplo de Angola”.
A sessão, que se realizará pelas 16:00 na Biblioteca dos Coruchéus, consistirá ainda num “relançamento” da edição portuguesa, que não teve sessão de apresentação por razões políticas.
“Naquela altura, como era ‘persona non grata’ do regime de José Eduardo [dos Santos, Presidente angolano entre 1979 e 2017], não podia fazer o lançamento nem em Angola, nem aqui, em Portugal, porque toda a gente tinha medo de estar ligada à minha pessoa”, disse.
Segundo o autor, a razão pelos conflitos deve-se à semelhança com as formas de gestão europeias, herdadas durante os períodos de colonização.
“A principal razão [destes conflitos resulta] de o Estado africano, de uma forma, ter copiado a estrutura das antigas metrópoles, e por isso não corresponder à verdadeira realidade africana, em que os Estados são compostos por populações que ainda não estavam totalmente integradas numa nação”, explicou o antigo primeiro-ministro de Angola, acrescentando que “há uma pluralidade de etnias e de regiões com interesses próprios, mas os Estados são essencialmente centralizados”.
O autor relembra que a divisão dos países em África foi feita de uma forma “artificial” durante a Conferência de Berlim (1884-1885), “juntando vários povos, várias etnias, debaixo das mesmas fronteiras muito rapidamente”.
Para Marcolino Moco, que também foi o primeiro secretário-executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a solução passa por uma representação obrigatória destes grupos nos órgãos de gestão dos Estado, e pela existência de “órgãos muito representativos de todas as etnias e regiões, onde pessoas de todas as etnias e todas as regiões se vejam representadas, independentemente de quem ganhou as eleições”.
O autor acredita ainda que a influência dos Estados europeus nos sistemas de administração africanos leva a que haja “demasiada” centralização e se ignore o problema da diversidade étnico-regional.
“As pessoas não querem que se fale nisso enquanto é uma realidade que nos corrói, cria guerra, golpes de Estado”, referiu, assinalando ainda a “pouca vergonha” que é a alteração das Constituições por chefes de Estado, que o fazem para evitar que “protagonistas de outras etnias os possam incomodar e impedir de ter uma boa vida”.
Sobre a colonização, o antigo primeiro-ministro acredita que os Estados africanos devem seguir em frente.
“A colonização trouxe elementos positivos, como a própria modernização de África (…). Não vamos passar a vida a lamentar-nos em relação àqueles aspetos negativos que conhecemos. Vamos pegar nos aspetos positivos ligados à presença europeia, juntá-los aos valores positivos que também já existiam nas sociedades tradicionais, e vamos tocar para a frente”, sugeriu Marcolino Moco.
Os efeitos da presença chinesa em África também é algo que levanta preocupação ao antigo dirigente angolano.
“Já estamos a senti-los. Primeiro, porque culturalmente temos uma identidade em que o pilar europeu é fundamental, é essencial. Faz parte. Este recurso massivo à presença oriental complica-nos algumas coisas (…) e nós estamos a adormecer sobre algumas coisas, porque da China vêm já pedreiros, carpinteiros, então nós orientamos os nossos netos para todos serem universitários, todos serem intelectuais. Depois saem das universidades e não têm lugar”, referiu Marcolino Moco.
Para o antigo secretário-executivo da CPLP, o pan-africanismo deve ser reforçada.
“África tem de se reencontrar, tem de voltar à ideia do Nkrumah [ganês forte ativista do pan-africanismo]. Não talvez um Estado único, mas mais coordenado nas questões económicas, políticas e culturais. E depois convencermos a Europa que não deve continuar a trabalhar só no sentido de nos retirar o recurso. É preciso que os recursos sejam trabalhados na própria África, e isso é vantajoso até para a Europa, para prevenir a situação da migração massiva”, concluiu o angolano.