terça-feira, 13 de novembro de 2018

COMO REPATRIAR OS BENS DO ESTORIL



No Estoril, em Portugal, há um belíssimo edifício de apartamentos de luxo com rasgadas janelas que mergulham no mar, e cujos proprietários são variadas personalidades angolanas. Rafael Marques, em 2012, dava conta de que, no complexo residencial de luxo Estoril Sol Residence, havia apartamentos que pertenciam a figuras como o general “Kopelipa” ou o ex-ministro das Finanças José Pedro Morais. As investigações que decorreram em Portugal a propósito de Manuel Vicente também revelaram que o antigo vice-presidente angolano possuía apartamentos no Estoril. Outro imóvel icónico, o famoso Hotel Albatroz, em Cascais, onde se encontra uma das mais belas salas de jantar da Europa, com vista para a praia e o mar, parece igualmente ser propriedade do general “Kopelipa” e do investidor russo Leonid Ranchinskiy.
A pergunta que qualquer cidadão comum se coloca é a seguinte: algum destes investimentos angolanos já retornou ao país, no âmbito da Lei do Repatriamento de Capitais, lei n.º 9/18, de 26 de Junho?
A resposta é negativa, até porque essa lei não abrangia activos imobiliários, uma das suas muitas falhas. Sempre defendemos que esta lei, que no fundo era uma “cenoura”, pois prometia uma amnistia a quem repatriasse capitais, devia ser complementada por um “pau”, de modo a ter alguma eficácia.
Aparentemente, é o que está a acontecer com a discussão da proposta de lei do repatriamento coactivo, cujo texto desconhecemos e, por isso, de momento não comentamos. O único comentário a fazer para já é que essa lei devia ter sido aprovada em simultâneo com a lei n.º 9/18. Assim, pode ser que tudo seja, como dizem os ingleses, “too little, too late” (muito pouco e muito tarde).
A verdade é que, face aos dados conhecidos, até ao momento muito pouco ou nada aconteceu em termos de repatriamento de capitais. E é por isso mesmo que a máquina da justiça tem de se mover e utilizar os instrumentos que já tem ao dispor, sem esperar por mais legislação.
Neste contexto, tem lugar a referência ao Hotel Albatroz, em Cascais, e aos apartamentos do Estoril. Se porventura as autoridades judiciárias angolanas suspeitam de que alguns desses imóveis foram comprados com fundos de proveniência ilícita, então podem actuar já. Não têm de esperar pelos seis meses da lei n.º 9/18 (Lei do Repatriamento de Recursos Financeiros), que constitui o prazo de repatriamento voluntário, uma vez que, como vimos, essa lei não abrange imóveis ou participações sociais, mas apenas recursos financeiros.
O instrumento que as autoridades angolanas podem utilizar em relação a Portugal é muito simples. Trata-se da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005. Esta convenção vigora para a República de Angola desde 1 de Janeiro de 2011, e para Portugal desde 1 de Fevereiro de 2010. Por consequência, está em pleno vigor, quer na ordem jurídica angolana, quer na ordem jurídica portuguesa. E neste tratado encontram-se os mecanismos suficientes para Angola agir.
De facto, dispõe o seu artigo 16.º que um Estado pode pedir ao outro que diligencie, se quaisquer objectos ou produtos do crime se encontrem no seu território, e informe o Estado requerente dos resultados dessas diligências.
Assim, Angola pode pedir a Portugal uma averiguação sobre determinados bens se em relação a eles suspeitar de que a sua aquisição foi feita com o produto de um crime (artigo 16, n.º 1). Depois disso, caso se confirme a existência desses bens, Portugal adoptará, em conformidade com a sua legislação, os procedimentos adequados a prevenir a sua alienação ou qualquer outra transacção a eles respeitantes, ou concederá todo o auxílio no que concerne a esses procedimentos, até que uma decisão final seja tomada por um tribunal em Angola (artigo 16.º, n.º 2).
O que resulta deste artigo é muito claro. Imaginemos que em Angola existe a suspeita de que os apartamentos do Estoril foram comprados com dinheiro desviado do tesouro público e que é instaurado um processo-crime. De imediato, o Estado angolano pode pedir a Portugal o arresto preventivo (congelamento) desses bens, e se um tribunal angolano decidir que esses apartamentos foram comprados com fundos ilegais, Portugal executa a sentença desse tribunal angolano, e os bens são devolvidos.
Isto quer dizer que, num primeiro passo, Angola pode já começar a pedir o congelamento de bens portugueses dos dirigentes angolanos. E Portugal, nos termos da convenção, tem de aceder a esses pedidos.
Esta exposição pretende demonstrar que existem muitos mecanismos de congelamento e recuperação de bens a nível internacional, que permitem às autoridades angolanas, se assim o quiserem, agir com rapidez e recuperar património desviado ao longo dos últimos anos. É preciso querer, claro, e seguir o devido processo legal.

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