domingo, 18 de novembro de 2018

"António Carlos do Rosário sempre escudou-se na teoria de que constitui segredo do Estado o destino para que foram usados os 500 milhões de dólares. Balela! "


EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (120)
Bom dia, Presidente. Dentre certas coisas que o senhor abordou à recente visita a Noruega, eu, na minha ignorância assumida, acho que não devia ter falado dessa coisa de Fundo Soberano.
“Queremos entender o que é isso de Fundo Soberano. Explorem no máximo as oportunidades. A Noruega tem experiência na gestão transparente de recursos naturais através do sector privado”, estas palavras são suas, Presidente. 
Ora bem: o Presidente ainda não nos disse como é possível a gente se inspirar em fundos soberanos se já batemos fundo nesta desastrosa sina que afundou a possibilidade de termos um Fundo Soberano. 
Até onde sei, os fundos soberanos administram recursos provenientes, em sua maioria, da venda de recursos minerais e petróleo. 
Os 500 milhões de dólares da dívida oculta que sumiram sem deixar rastos, vão ser retirados das receitas do gás para pagar os credores. O acordo anunciado recentemente entre o Governo e credores de 60 por cento da dívida é claro ao referir que os dinheiros que Moçambique terá de pagar são resultantes das receitas do gás.
Não seria esse dinheiro para o nosso sonhado Fundo Soberano? 
Por outro lado, até aqui o Governo ainda não anunciou os detalhes desse sonhado Fundo Soberano, mas, assevero, o plano de investir em projectos domésticos é que nos preocupa visto que há poucos projectos em Moçambique que possam gerar taxas de lucro decentes. 
O que é feito da Ematum, MAM e Proindicus? 
Tendo como ponto de referência as sistemáticas trapalhadas que os sucessivos Governos da Frelimo nos habituaram, receio que, a concretizar-se, o tal Fundo Soberano seja, unicamente, um instrumento político. E nesse caso, se o financiamento for direccionado para projectos nacionais, há um risco aumentado de os projectos politicamente atractivos serem escolhidos sobre aqueles que teriam um maior ganho económico- a súcia dos camaradas. 
As lições dos outros países remetem-nos à importância de desenvolver um fundo em Moçambique que seja independente de interesses políticos, governado por um critério rigoroso de investimentos e focado em retornos a longo prazo. Mas será isso possível? 
Tenho muitos receios e razões são abundantes: para já, os 500 milhões de dólares do gás que os moçambicanos vão entregar de juros aos credores (para além do capital), equivalem exactamente aos 500 milhões de dólares cujo destino a auditoria da Kroll não conseguiu apurar. E por que não conseguiu apurar? Porque a Frelimo- essa mesma que fala agora de um Fundo Soberano- bloqueou o acesso à informação relevante. Eu, pelo menos, não sou tão ingénuo a ponto de aceitar que o senhor António Carlos do Rosário (ex-SISE) agiu sozinho nessa empreitada de não facilitar a vida à Kroll. Se assim foi, por que ainda não foi responsabilizado?

Quer dizer, como País, afinal, não era do nosso interesse que este assunto fosse resolvido como mandam as normas e os prevaricadores fossem punidos? António Carlos do Rosário sempre escudou-se na teoria de que constitui segredo do Estado o destino para que foram usados os 500 milhões de dólares. Balela! 
O Ministério das Finanças jamais conseguiu confirmar à Kroll qualquer detalhe sobre equipamento de segurança marítima que foi efectivamente incluído na alocação dos 500 milhões dólares, apesar de o ex-SISE ter dito que o montante foi utilizado para aquisição de equipamento militar. 
E bem vistas as coisas, o recente acordo entre o Governo e os credores fez com que os ladrões que deixaram o País de rastos insuflassem mais oxigénio. Depois de orquestrarem o calote da dívida, viram Moçambique a entregar parte considerável dos rendimentos do gás que ainda nem começou a jorrar. 
Até aqui não sei como é que os noruegueses interpretaram as suas palavras, Presidente. O senhor é chefe de um Estado onde os autores de um calotes memorável continuam impunes e à frente das três empresas públicas que não rendem nada, mas, sim, criadas para justificar esse endividamento. 
E ainda sonha em Fundo Soberano. Teatro de mau gosto. É uma peça rasca. Talvez, o mais relevante e há que redobrarmos a vigilância, seja encenação de um novo golpe. Moçambique não é um País normal. É um sítio!
Laurindos Macuácua
DN – 16.11.2018

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