Tem sido anunciado com fanfarra que o FMI (Fundo Monetário Internacional) vai emprestar a Angola um montante de cerca de 4,5 mil milhões de dólares. Tal facto é apresentado como uma vitória do presidente João Lourenço, fruto dos seus périplos internacionais e de acertadas políticas domésticas. Jornalistas conceituados e críticos aplaudem a iniciativa. Este suposto empréstimo é visto como uma certificação da qualidade da política económica de João Lourenço.
É um facto que a gestão financeira e macroeconómica de José Eduardo dos Santos terminou em descalabro. Angola ficou sem dinheiro, sem divisas e sem economia.
É também um facto que esta situação tem de ser enfrentada e vencida.
A dúvida que se coloca tem que ver com a efectiva capacidade ou não que as políticas propostas pelo FMI, que mereceram destaque no jornal português Expresso de 25 de Agosto de 2018 (Caderno de Economia, p. 9), têm para resolver a situação.
Recorde-se que, este ano, o FMI já começou a errar nas suas previsões sobre a economia de Angola. No início de 2018, anunciou uma perspectiva em alta, antecipando os efeitos das políticas de João Lourenço. Agora já teve de dizer que esse crescimento vai ser mais moderado do que o esperado.
É evidente que Angola vive uma crise económica e financeira profunda, que obriga a uma reestruturação da economia, e que já não será salva pela subida do preço do petróleo. Aparentemente, este ano a subida do petróleo terá coincidido com uma quebra da produção, e por isso os ganhos não são tão avultados como se esperava. Por exemplo, em termos homólogos do PIB (Produto Interno Bruto), isto é, comparando os primeiros trimestres de 2017 e de 2018, o sector da extracção e refinação de petróleo sofreu uma queda de 7,3%. Portanto, a economia arrasta-se e o sector petrolífero perde pujança.
O problema é que as “receitas” do FMI dificilmente resolvem estas questões. Geralmente, estes empréstimos têm efeitos recessivos e muitas vezes, por razões de ortodoxia financeira, deixam as economias devastadas. Além disso, envolvem questões metodológicas que não são adaptadas quando transferidas para as políticas concretas aplicadas aos países.
Comecemos pelas questões metodológicas. O universo estatístico em Angola não é fiável. Ninguém pode afirmar com absoluta certeza que os números apresentados são certos e constituem uma base segura para construir modelos econométricos de análise da economia. Quer isto dizer que não há uma base de confiança em termos numéricos. Por consequência, criar um modelo da economia de Angola assente nos índices oficiais pode estar completamente desfasado da realidade e transmitir sinais errados aos decisores do FMI e de Angola. Podem julgar que a realidade é uma, e afinal esta pode ser bem diferente.
Este é um primeiro problema com que se defronta qualquer intervenção do FMI.
Se o primeiro problema é de números, o segundo tem que ver com o tipo de economia. Geralmente, os manuais de economia e as políticas de intervenção macroeconómica estão pensados para países desenvolvidos do hemisfério norte. A economia angolana tem, obviamente, características de uma economia moderna, mas contém demasiadas especificidades, sejam institucionais, políticas, geográficas ou culturais, que não permitem a aplicação de regras estudadas para outros.
As recentes intervenções do FMI na Grécia, em Portugal, em Espanha e na Irlanda demonstraram as grandes limitações desta instituição na adaptação às condições locais de cada país. Maior será a dificuldade de adaptação à realidade em Angola. Até que ponto estereótipos pós-coloniais estarão na base das decisões do FMI? É uma pergunta que tem de ser colocada.
Estes são aspectos metodológicos que condicionam o sucesso de uma intervenção do FMI em Angola: o problema das estatísticas e a realidade própria da economia angolana.
Contudo, os principais óbices centram-se nas políticas que o FMI parece vir propor, nos termos da informação veiculada pelo semanário acima mencionado.
Segundo escreve o jornalista Gustavo Costa, “o governo adotará um conjunto de medidas cirúrgicas que visam estancar o despesismo, através de uma rigorosa política de austeridade”.
Isto é um disparate.
Sejamos claros: Angola não precisa de austeridade; pelo contrário, necessita de investimento em infraestruturas, estradas, comunicações, portos, educação e saúde. Em termos de despesa, o que é imperioso é racionalizar a despesa e acabar com a corrupção. O Maka Angola tem denunciado em vários artigos a corrupção na saúde e em outras áreas da economia: batas pagas e não existentes, contratos de portos leoninos, e muitos outros casos.
Ao nível da despesa pública, a necessidade não é de austeridade, é de combate à corrupção e de eficiência na despesa.
Aplicar os quadros mentais da austeridade formados nas escolas do ordoliberalismo germânico não faz qualquer sentido numa Angola pobre e corrupta.
A prioridade na despesa não são os cortes, mas sim conter a corrupção e gastar com eficiência.
Outro aspecto controverso, que costuma ser do agrado do FMI e já está a ser testado na opinião pública angolana, é o da eliminação dos subsídios ao preço do litro da gasolina e do gasóleo à Sonangol. Ora, eliminar esse subsídios e nada fazer no mercado dos combustíveis implica que seja a população quem passa a pagar o subsídio, uma vez que os preços vão subir.
Antes pagava o Estado, agora pagará a população.
A solução não é o corte dos subsídios, mas sim a criação de um mercado de combustíveis verdadeiramente competitivo e sem barreiras à entrada, que permita retirar os subsídios mas manter os preços devido à concorrência.
Mudar o subsidiador, deixando de ser o Orçamento Geral do Estado e passando a ser o povo, não muda nada.
Primeiro, tem de criar-se o mercado de combustíveis verdadeiramente liberal, e só depois podem retirar-se os subsídios.
Há um aspecto, no entanto, que deve ser aplaudido e é significativo do ponto de vista simbólico: os cortes nas viagens e despesas de governantes e deputados. Aqui temos um exemplo fundamental que tem de ser seguido, depois do escândalo dos Lexus para os deputados (https://www.makaangola.org/2017/05/nando-os-lexus-e-os-palhacos-da-assembleia-nacional/). Isto é necessário enquanto manifestação de que o poder político é realista e quer estar estabelecer um elo de ligação com as populações.
O tempo em que o poder podia dispensar a população, porque vivia dos rendimentos do petróleo, acabou. Hoje não há poder sem população.
É por isto que as políticas do FMI têm de ser ponderadas e adaptadas à circunstância angolana, e não ser fruto de uma receita burocrática que muitas vezes devasta os países. Isto não quer dizer que não defendamos uma economia liberal de mercado. Mas, para a defender, temos acima de tudo que a implementar, e só depois aplicar as suas políticas típicas.
Em resumo: para que esta intervenção do FMI não seja um fiasco, tem de ser preparada no quadro de uma perspectiva de criação de uma economia livre e em concorrência, que assuma o combate à corrupção como essencial para uma adequada despesa pública.
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