O governo atolou-se no lamaçal do combate à corrupção e não consegue avançar. Zenú e Jean-Claude Bastos de Morais averbam vitórias nos tribunais londrinos contra o Estado angolano e as acusações de corrupção. Isabel dos Santos furta-se a ser notificada para uma inquirição judicial, refugiando-se por “motivos de doença” em Portugal. Portanto, a retórica de João Lourenço, ao embater no terreno, enfrenta sérias dificuldades de concretização.
Enquanto isto se passa, os esquemas de corrupção, em maior ou menor escala, continuam a vingar sem controlo.
Um exemplo? O que continua a acontecer na Sonangol ao nível das estruturas intermédias de chefia. São inúmeros os casos de funcionários que fazem negócio consigo mesmos e abundam os conflitos de interesses que deitam por terra qualquer pretensão de iniciativa anticorrupção.
Vejamos alguns casos:
Fernandes Fontoura Martins Gaspar é director de Transportes Rodoviários na Sonangol Distribuidora. No âmbito das suas funções, gere os contratos de transporte da companhia. Em simultâneo, Fernandes Gaspar é sócio da Rodoatlantic, Lda., uma empresa que se dedica ao transporte de combustíveis. Ora, com toda a naturalidade, Fernandes Gaspar, usando o chapéu de director dos Transportes Rodoviários da Sonangol Distribuidora, firmou um contrato para transporte de combustíveis com Fernandes Gaspar, desta vez usando o chapéu de sócio da Rodoatlantic. Ou seja, o director dos Transportes da Sonangol contrata consigo mesmo a operação dos transportes da Sonangol… Melhor é impossível.
Obviamente que todos os contratos que Fernandes Gaspar realizou consigo mesmo estão sob suspeita, e devem ser passados em revista de forma detalhada, nomeadamente para verificar se os seus preços estão ou não inflacionados, e se os serviços foram efectivamente prestados. São estas as duas técnicas mais comuns de enriquecimento ilícito nestas situações: sobrefacturação, i.e., preços mais elevados do que os reais, e facturação de serviços não prestados.
Outro caso gritante é o de Eugénio de Jesus Wilson de Carvalho, mais uma figura de topo: é o coordenador da Assessoria Jurídica da Sonangol Logística. Uma das suas funções é a participação nos processos de contratação da empresa, o que faz com que esteja naturalmente investido de uma considerável influência.
Ora, Eugénio Carvalho é também dono de uma empresa chamada Civitas, Prestação de Serviços, Lda, em sociedade com o seu filho Eugénio. Essa empresa está encarregada da prestação de serviços de limpeza de escritórios, pátios e manutenção dos jardins em Malanje. Neste caso, o representante da empresa contratada pela Sonangol é Benjamim de Carvalho: Eugénio de Carvalho teve pelo menos a preocupação de não aparecer directamente nos dois lados. Mas, no fim da linha, lá está ele.
Daqui resulta que na Sonangol há claramente um esquema nos transportes rodoviários, e um esquema nas limpezas e nos jardins.
Basta uma análise aos inúmeros serviços contratados pela Sonangol para se constatar que os negócios de altos funcionários consigo próprios, e consequentes conflitos de interesse, são a regra de gestão em vigor na empresa. Descortinámos este tipo de situações em áreas como a prestação de serviços de estafeta, a cedência temporária de trabalhadores, o transporte de pessoal, o fornecimento de materiais, os serviços de atendimento, os serviços de hospedagem, de vigilância e de segurança.
Há vários quadros superiores do grupo Sonangol envolvidos nestas actividades. Rosa Maria Delgado Martins, chefe do Departamento de Documentação e Informação da SEP/DAI, surge associada à empresa UP Solutions, que tem um contrato de prestação de serviços de estafeta. Abileno Luzizila Ernesto Bamba, assistente de contabilidade na Sonangol Distribuidora, é sócio da Comassica, Lda., que realiza a cedência temporária de trabalhadores. Marcelo Pereira Ginga, superintendente do Parque do Kwanza Norte, ligado à Sonangol Logística, é sócio da Sociedade Marvic, que tem um contrato de transporte de pessoal de Malanje e do Kwanza Norte.
A enumeração de casos poderia continuar. Mas esse não é o ponto essencial. O ponto essencial é perceber que na Sonangol, como em muitas outras grandes instituições do Estado, foi criada e fomentada uma cultura de corrupção e pilhagem. Essa prática começou no topo e, pelo efeito de exemplo, foi-se estendendo a todos os degraus da hierarquia, dando origem a uma rede de clientelismo corrupto muito difícil de combater, a não ser que do topo comece a vir um exemplo de boas práticas e de honestidade.
Por outro lado, a liderança de João Lourenço acaba por protagonizar um problema sério: é que os discursos e as entrevistas em que o presidente designa a corrupção como o grande mal a combater em Angola não têm desincentivado a criação de novos esquemas ou a manutenção de antigos. Maka Angola expôs recentemente vários mecanismos corruptos que assolam o sector da saúde.
Os mecanismos que persistem na Sonangol são de natureza diferente: foi criada uma estrutura paralela agregada ao Estado, que se alimenta de falcatruas aplicadas ao Estado e aos dinheiros públicos. Essa estrutura paralela corrupta perdura, e nalguns casos está a desenvolver-se ou a ganhar novos protagonistas.
Na realidade, perdeu-se um ano com muitos discursos e pouca acção.
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