Morreu João Alfredo Dala. O seu funeral será amanhã. Trata-se de um cidadão comum, com uma história de injustiça comum em Angola. É mais uma vítima de um regime que prega aos quatro ventos a defesa da soberania, mas continua insensível ao sofrimento do cidadão comum, causado pela barbárie das instâncias do seu poder. E, aqui, o poder é um todo, afunilado na sede do MPLA e agora nas mãos de João Lourenço.
João Dala sucumbiu aos ferimentos e às consequências da tortura de 15 horas seguidas que lhe foi pessoalmente administrada por altos responsáveis do Serviço de Investigação Criminal (SIC), a 5 de Dezembro de 2016. Desde então, como me contou quando o entrevistei e sempre que nos encontrámos, só conseguia dormir sentado, com as pernas esticadas, para aliviar as dores. Os médicos cubanos e angolanos que tentaram em vão salvá-lo, na mesa de operações do Hospital Central de Malanje, perguntaram à família se o malogrado tinha sofrido um acidente ou um acto de tortura. A família relatou então aos médicos o sadismo dos homens do SIC (ver aqui).
Ana Dala, irmã do falecido, explicou que o seu irmão teve de ser inicialmente internado no Hospital Josina Machel, sob falsa identidade, “porque os homens do SIC perseguiam-no para matá-lo”. Nesse hospital, foi “abandalhado”. A família optou por levá-lo a Malanje, sua terra natal, onde contavam com a simpatia de alguns médicos, “em vão”.
Vale a pena relembrar o calvário de João Dala às mãos dos oficiais do SIC. Mancomunados com Daniel Cem, líder derrotado nas eleições da Igreja Adventista do Sétimo Dia, os homens do SIC inventaram que João Dala participou num rapto que nunca aconteceu.
João Dala, então líder da Juventude Adventista no Rocha Pinto, foi condenado juntamente com outros pastores da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que apearam Daniel Cem da liderança máxima, num julgamento inacreditável. Como ilustração do que aconteceu, saiba-se que Daniel Cem levou 30 milhões de kwanzas à sala de audiências, para o juiz António Francisco contar, e este levou o saco para a sua viatura particular, sem qualquer pudor. Quando terminou a audiência, na 13.ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, no Kilamba Kiaxi, o juiz foi-se embora com o dinheiro.
Até à sua morte, João Dala esteve proibido de viajar para o exterior, embora desejasse buscar tratamento adequado na Namíbia (ver aqui).
No rol dos condenados de forma vergonhosa pelo juiz António Francisco, encontra-se o pastor Burns Sibanda, do Zimbabué, que foi detido 15 dias depois de ter sido submetido a uma cirurgia a um cancro na próstata, na Califórnia, Estados Unidos da América. O Tribunal Supremo, que tem a responsabilidade de decidir sobre o recurso dos pastores, tem-se manifestado insensível aos apelos do advogado de Burns Sibanda para que lhe seja levantada a interdição de saída e possa, desse modo, fazer a consulta de revisão. Burns Sibanda diz apenas: “Estou confuso com a justiça em Angola, muito confuso.” (ver aqui)
Dá a impressão de que o sistema judicial também anseia pela morte de Burns Sibanda. Morrer em Angola, por falta de humanidade nas instituições do Estado, é tão banal que já ninguém pensa nisso. Só é estranho pensar-se no direito à vida. No direito dos cidadãos, nos direitos humanos.
Em Abril passado, de resto, o presidente João Lourenço teve um gesto extraordinário: promoveu a comissários os principais torturadores, Fernando Manuel Bambi Receado, e Pedro Lufungula. Lourenço Ngola Kina foi promovido a subcomissário. A iniciativa das promoções foi do ministro do Interior, Ângelo de Barros Veiga Tavares, o supervisor do SIC. Fernando Receado foi também promovido ao cargo de director provincial do Serviço de Investigação Criminal de Luanda, enquanto Lourenço Ngola Kina foi designado director provincial do SIC-Uíge.
Republicamos aqui trechos da anterior investigação do Maka Angola.
O assalto
A operação de inventona do rapto teve início a 4 de Dezembro de 2016, por volta das 23h00, quando um grupo de 18 elementos encapuzados invadiu a residência de João Dala, matando o seu cão pastor alemão com um tiro na cabeça.
Nessa altura, os 18 homens – comandados pelo especialista do Serviço de Investigação Criminal (SIC) Elifaz Simão Sebastião Germano, colocado no Departamento Provincial de Operações, e por Paulino Quizanga Andrade – retiraram os capuzes. Só então a família percebeu que não se tratava de um assalto, mas de uma operação policial. Qual era a diferença?
“Os polícias tiraram a fralda do meu neto de um ano para o revistarem e verem se lá não tínhamos escondido dinheiro, como ele tinha feito cocó, os polícias atiraram-me a fralda à cara. Fiquei com as fezes na cara”, revelou a vítima.
Acto contínuo, os agentes revistaram as mulheres, incluindo as crianças, obrigando-as a ficarem nuas. “A minha esposa até hoje está traumatizada, porque a obrigaram a ficar nua diante de todos os polícias. Puseram-na agachada para verem se não tinha escondido nada nas cavidades. O agente Quizanga disse que a família não devia levar a mal, porque estavam a usar um procedimento legal da polícia”, refere o esposo.
“Eu tinha três mulheres adultas em casa. Até as crianças foram despidas, e obrigadas a ficar agachadas, nuas, com as mãos na nuca. Para serem apalpadas nos sexos e depois voltaram a amarrá-las”, reiterou.
João Alfredo Dala revelou ainda que os agentes lhe ordenaram que entregasse todo o dinheiro que tinha em casa.
“Eu tinha um cofre improvisado por detrás do guarda-fato. Os homens retiraram 15 mil dólares, nove milhões de kwanzas, seis mil euros e dez mil renminbi (dinheiro chinês). Ali mesmo, diante de nós, os 18 dividiram o dinheiro entre si. Um deles ainda me perguntou qual era o câmbio do dinheiro chinês e onde poderia trocar. O outro só queria receber em dólares e em kwanzas”, denunciou Dala, cuja actividade profissional é o comércio.
“Ameaçaram-me que, se eu mencionasse que tinham dividido o dinheiro entre si, regressariam para fuzilar a minha família. O Quizanga e um mulatinho faziam essas ameaças. O que um dizia o outro repetia”, acrescentou.
A tortura
“Na esquadra [48.ª, na Estalagem, município de Viana], encontrei o superintendente Fernando Receado, chefe do Gabinete Central de Operações do SIC a nível nacional, e o Ngola Kina, director-adjunto de operações em Luanda, bem como outros chefes”, disse.
“O agente Quizanga atingiu-me com o cabo da pistola na cabeça. A seguir, o agente Elifaz deu-me uma catanada que me abriu a cabeça, na presença do chefe do gabinete de Operações do SIC, o superintendente Fernando Receado, por ter reclamado o dinheiro que eles dividiram em casa”, contou.
Carlos Cem, irmão do pastor, deu início às hostilidades, tendo esmurrado João Alfredo Dala ao ponto de lhe arrancar um dente, conforme depoimento deste. “O Carlos Cem disse-me que é poderoso em Luanda e controla a polícia.” João Dala caiu no chão com o vigor dos socos. Foi então a vez de o pastor Daniel Cem, diante dos chefes do SIC, prosseguir com a pancadaria, pontapeando o detido na cara repetidas vezes, como este denunciou.
“O pastor Cem ordenou ao superintendente Fernando Receado que me amarrassem no formato de tortura do avião Kadiembe. Mas o chefe de operações do SIC optou antes pela tortura do pénis.”
Segundo o detido, “o Pinto Leite retirou os atacadores dos seus ténis Converse, amarrou-os um ao outro, para o fio ficar comprido. O chefe Fernando Receado foi quem pessoalmente amarrou o fio no meu pénis e foi o primeiro a começar a puxar e a correr comigo à volta da sala, enquanto o pastor Daniel Cem e o irmão diziam que eu falaria rápido e todos se riam”.
Os chefes da investigação e os acusadores revezaram-se então, solidariamente, a torturar o detido. “Depois do chefe Receado, foi o Carlos Cem a pegar no atacador amarrado ao meu pénis e a começar a correr comigo pela sala, a puxar. A seguir foi o Noé (SIC, Cacuaco)”.
Todavia, “o pastor reclamou que não me estavam a puxar bem, e recebeu o atacador e começou a correr na sala e a puxar-me com muita violência. Eu estava a sentir a bexiga como se estivesse a cortar. O tenente-coronel Terça Massaqui pegou na corda e começou a puxar com extrema violência e a perguntar-me se doía. Ele já não correu”.
A seguir foi o superintendente-chefe Pedro Lufungula a puxar o pénis do detido pela corda. “Então, pediram ao Pinto Leite para ir buscar um bloco de cimento que estava na porta. Amarraram o atador ao bloco de cimento e obrigaram-me a correr na sala, com o bloco amarrado ao pénis. Eu já não aguentava. Não conseguia sequer dar um passo. Então batiam com força nas orelhas, por detrás, e eu caía e rebolava com o bloco”, afirmou.
“Nessa altura, eu, que tenho 1,75 cm, tinha o meu pénis já esticado até ao joelho”, acrescentou, mostrando-nos as fotos chocantes.
“Foi então que vi o próprio Ngola Kina a chorar e a pedir ao superintendente Fernando Receado, o chefe do Gabinete de Operações do SIC, que me desamarrassem os atacadores e parassem com a tortura do pénis, porque eu poderia morrer”, explicou.
Já eram sete horas. O pastor saiu com os seus acompanhantes, disse que iria pregar nesse dia e deixou ordens para que a tortura continuasse até haver uma confissão em vídeo, envolvendo os outros pastores. “Referiu que eu bem poderia morrer, ele assumiria”, disse.
A tortura da catana
“Então, o Ngola Kina propôs um outro método de tortura. Puseram-me um pedaço de cobertor preto, que usavam como pano de chão, nas costas. Despejaram-me água fria e começaram a torturar-me com o lado da catana”, denunciou.
João Alfredo Dala referiu que todos os presentes se revezaram a espancá-lo com a catana, excepto o proponente Ngola Kina. “O superintendente Fernando Receado foi o que mais me espancou, o Noé a seguir”, afirmou.
Como o torturado não confessava, os seus algozes retiraram-lhe o pano de cima e passaram a bater-lhe directamente sobre a pele com a catana e porretes. Fotos tiradas pelos próprios agentes mostram o estado chocante em que lhe deixaram as costas.
“Deixei de sentir dores. Batiam até ficarem cansados. Até o escrivão saiu do computador e veio espancar-me também.”
A tortura do “avião”
“O Noé ordenou então aos seus homens que me aplicassem a tortura do avião. Passaram-me primeiro fita-cola nos braços, e depois amarraram-me, para não deixar marcas”, explicou.
A tortura do avião consiste em amarrar os braços da vítima pelos cotovelos e juntá-los aos tornozelos, pelas costas. Puxa-se então a corda, para vergar o corpo numa bola com a nuca a ser pressionada de encontro aos calcanhares da vítima.
Para estancar o sangramento, os agentes despejavam álcool puro nas feridas da vítima, de acordo com o seu depoimento.
A tortura prosseguiu até às 19h00.
Nessa altura, a vítima já se manifestava disponível para denunciar até Jesus Cristo, se os torturadores assim o entendessem. “Queriam que eu assumisse o rapto e que eu tinha recebido o dinheiro. Eu já não sentia dores nem forças no corpo e não conseguia repetir o que me diziam para gravar. Falava desalinhadamente.”
A tortura do afogamento simulado
Para garantir total cooperação, o superintendente-chefe Pedro Lufungula, que assina sempre os documentos como doutor, tinha mais um método de tortura na manga: o afogamento simulado.
“Mandou trazer um balde de água. Punham-me um pano na boca, abriam-na e despejavam água, para me obrigarem a dizer o que eles queriam”, contou João Alfredo Dala.
Nessa altura veio o maquilhador, que tornou o torturado apresentável para o vídeo. Contou o deponente que um dos agentes lhe puxava as unhas dos dedos grandes dos pés, com alicate, para o “estimular” a repetir de forma satisfatória a confissão que os chefes do SIC lhe ditavam. Depois de oito repetições, o chefe do Departamento do Crime Organizado, superintendente-chefe Pedro Lufungula, deu-se por satisfeito com o resultado da gravação, mas prosseguiu com a tortura da água.
Conclusão
O SIC tem no seu seio um antro de bandidos, energúmenos e assassinos, que se dedicam às piores atrocidades em nome da lei e da ordem, com o total apoio do governo. Até quando? Será que o presidente João Lourenço vai continuar a priorizar apenas o discurso contra a corrupção, ignorando a protecção dos direitos humanos?
Será que o Tribunal Supremo vai deixar morrer também o pastor zimbabueano Burns Sibanda, incompreensivelmente impedido pelo sistema judicial de retomar o seu tratamento contra o cancro?
João Dala será enterrado na próxima quarta-feira, no Cemitério do Benfica, às 11h00.
Paz à sua alma.
UM JUIZ ANORMAL: A INSANIDADE DA JUSTIÇA ANGOLANA
Enquanto o poder político mostra sinais de mudança, o poder judicial em Angola manifesta-se cada vez mais alheio ao respeito pela lei e pelos direitos humanos, promovendo as suas violações.
Tal é a prestação infame do juiz António Francisco, da 13.ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, no Kilamba Kiaxi, no caso do rapto simulado de um pastor da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
A 29 de Dezembro passado, este juiz, ao arrepio das normas elementares do direito, condenou seis dirigentes e membros da igreja por um crime que nunca aconteceu. O juiz fez a leitura da sentença sem ter dado resposta aos quesitos, como é de lei, para dar como provadas ou não as acusações. O Ministério Público pediu a absolvição dos arguidos por falta de provas.
António Francisco condenou o secretário executivo da União Nordeste (a segunda figura da hierarquia da igreja), pastor Teixeira Vinte, a cinco anos e um mês de prisão.
O director de departamento das Missões, Adão Hebo, e os membros da igreja Garcia Dala e João Alfredo Dala (não há qualquer relação de parentesco entre ambos) foram condenados a penas de quatro anos e três meses de prisão. Por sua vez, os missionários africanos, Burns Musa Sibanda (Zâmbia) e Passmore Hachalinga (Zimbabué) receberam penas de três anos e seis meses.
Para se ter noção do comportamento anormal do juiz António Francisco, sobretudo depois da leitura da sentença – à qual não permitiu o acesso pelos advogados dos arguidos –, convém revisitar a simulação do rapto.
A simulação do rapto
O então presidente da região norte (coordenação de sete províncias), pastor Daniel Cem, congeminou o seu próprio, rapto conforme revelado pelo Maka Angola. Como o enredo não tinha pés nem cabeça, socorreu-se do chefe do Departamento de Operações e do director provincial adjunto do Serviço de Investigação Criminal, respectivamente Fernando Receado e Ngola Kina.
De forma selvática e cúmplice, estes três homens, juntamente com outros assistentes, torturaram o membro da igreja João Dala, na 48.ª Esquadra em Viana, para lhe imputar a autoria do rapto – que nunca aconteceu –, obrigando-o a confessar e a implicar os restantes pastores visados.
Os mesmos homens, em conluio, também torturaram Garcia Dala, “para eu confessar que conhecia o João Dala e que lhe tinha entregado dois milhões e quinhentos kwanzas para sequestrar o pastor [Daniel Cem]. Nessa altura, eu nem sequer conhecia o João Dala, não sabia quem ele era”. Mais grave ainda, João Dala encontrava-se na fronteira do Luvo, na província do Zaire, a fazer negócios no dia do suposto rapto.
Garcia Dala foi submetido à tortura do “avião”: “Eu disse aos meus torturadores que me podia fazer tudo e matar-me, mas eu não conhecia o João Dala. Perguntaram-me se eu não conhecia um músico famoso da igreja (o João). Respondi que Luanda tem mais de 150 igrejas e cada uma delas tem os seus músicos. Era normal não conhecer um músico.”
Como o Maka Angola já reportou, o ardil de Daniel Cem foi de tal modo tosco, que a participação sobre o seu sequestro foi comunicada à polícia às 7h00, 12 horas antes de o mesmo ter supostamente acontecido, às 19h00 de 29 de Outubro de 2015.
Garcia Dala denuncia que só dois dias depois de terem sido detidos e torturados é que lhes emitiram os necessários mandados de captura, os quais foram forçados a assinar. Tendo enfrentado este infortúnio em comum, os dois Dalas acabaram por forjar uma relação fraterna: Garcia tornou-se “enfermeiro” e tratou dos ferimentos de João, quando foram colocados na mesma cela, na Comarca de Viana.
Guarda-roupa igual a casa de banho
O caso demonstra o estado de insanidade do sistema judicial em Angola. Inicialmente, em tribunal, Daniel Cem reiterou que passou os três dias de “sequestro” numa casa de banho imunda muito apertada e sem ventilação, na casa de João Dala. Durante a reconstituição dos factos realizada pelo juiz na referida casa, não foi encontrada nenhuma casa de banho como a descrita pelo ofendido. Daniel Cem, sempre criativo, mudou então a sua declaração e afirmou que passou os três dias de “sequestro” encafuado num guarda-roupa sem fechadura, com as bonecas das meninas de 6 e 7 anos que ali moram. Na leitura do acórdão, o juiz destacou que Daniel Cem ouvia as vozes das crianças.
A detenção dos pastores estrangeiros
Chega-se, então, à última sessão de julgamento do caso, na manhã do dia 29 de Dezembro de 2017, o dia da leitura da sentença, depois de mais de 15 sessões.
Nesse dia, os missionários africanos Burns Musa Sibanda (Zâmbia) e Passmore Hachalinga (Zimbabué), foram inopinadamente confrontados com mandados de captura à porta do tribunal, quando se dirigiam à sala de audiências para ouvirem a leitura da sentença, como arguidos no caso. O juiz decretou a prisão preventiva de ambos, e estes acabaram por entrar na sala de audiências algemados.
Aí, depois de interpelado e face à surpresa do Ministério Público, que aparentemente desconhecia aquelas detenções, o juiz António Francisco justificou a prisão preventiva destes dois pastores estrangeiros, referindo que os dois tinham violado duas medidas coactivas, designadamente a caução a que estavam sujeitos e a interdição
Ora, segundo alega o advogado dos arguidos Burns Sibanda e Passmore Hachalinga, Vicente Pongolola, estes não estavam sujeitos a qualquer medida de coacção gravosa.
Os missionários africanos só vinham acusados e pronunciados por crime de difamação e calúnia (apesar de ambos necessitarem de tradutores para comunicarem com os outros membros da igreja), como co-autores de uma carta anónima, em português, que circulou entre os membros da igreja. A carta anónima em referência, que circulou no seio da hierarquia da igreja, denunciava Daniel Cem como tendo simulado o seu próprio rapto.
Consequentemente, o advogado requereu junto do Tribunal Supremo um habeas corpus a favor dos arguidos. Espera-se que tal iniciativa clarifique a situação, embora a experiência também tenha vindo a demonstrar que o Tribunal Supremo costuma ser demasiado lento e ambíguo na resposta a estas providências, que deveriam ser decididas muito rapidamente.
A anormalidade do juiz
Como é de lei, o juiz tinha de ler antes os quesitos, as perguntas e respostas que dão como provado ou não o rol de acusações.
Parente a insistência dos advogados para a leitura dos quesitos ou a consignação sobre a sua recusa, o juiz não se fez rogado: “Os quesitos não se publicam. Faça isso nas suas alegações. Por favor, não me ensine a lei processual. Não insista, senão vou retirar o vosso recurso e os vossos réus irão para a cadeia. Se não assinam, não admito o recurso e os réus vão para a cadeia.”
O juiz acusou os advogados de defesa de estarem a fomentar intrigas e acabou a ralhar-lhes. Insistiu no seu poder de mandar os réus para a cadeia e de recusar o recurso, porque estes exigem o cumprimento da lei. “Quem muito se perfuma cheira mal”, asseverou António Francisco.
“Teve de haver gritaria na sala de audiências para o juiz aceitar o recurso. Não queria fazê-lo”, diz o arguido Garcia Dala. Mesmo assim, o juiz continua a reter o processo, relutante em mandá-lo para o Tribunal Supremo.
Ademais, o juiz decidiu “engavetar o processo no seu gabinete, para que os advogados de defesa não tivessem acesso ao acórdão e, com essa artimanha, julgar o recurso como deserto. Não tivemos acesso ao processo. Isso é inqualificável”, lamenta um dos advogados que prefere não ser identificado. Como alternativa, os advogados tiveram de preparar as alegações de recurso com base nas notas que tiraram durante a leitura do acórdão.
De forma expedita, os advogados fizeram uma participação ao Conselho Superior da Magistratura, “pela forma parcial como o juiz actuou e por ter feito de advogado da acusação”.
Conclusão
O problema de qualquer cidadão quando cai nas malhas da justiça angolana não é o de temer a aplicação da lei. O que os cidadãos temem é que não seja aplicada a lei, mas sim a vontade do juiz. Diariamente, somos confrontados com decisões dos juízes “porque sim”, sem qualquer fundamentação constitucional ou legal. Os juízes têm de perceber que enquanto não respeitarem a lei nem a aplicarem devida e criteriosamente, o país não anda para frente. Não passa de uma República das Bananas.
Temos um juiz, António Francisco, que é um perigo para a sociedade e um atentado ao Estado de Direito Democrático.
É tempo de exigir aos juízes a correcta aplicação da justiça.
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