UMA TAL DE "AULA DE INSAPIÊNCIA" E UM TAL FILÓLOGO.
- Ainda sobre a deliberação da CNE
No dia de ontem, decidi partilhar publicamente um post relativo à questão das polémicas candidaturas de dois cabeças de lista na província e cidade de Maputo. Entendia eu, e na verdade, até agora, apesar das aprovações de tais candidaturas, que as mesmas, dentro no ordenamento jurídico vigente não eram passíveis de proceder, atendendo às regras relativas à incapacidade eleitoral passiva.
A CNE , que é um orgão colegial e soberana nas suas decisões, decidiu trilhar pelo contrario daquilo que alvitrei. Isso não é de espantar à ninguém, pois, é característico dos órgãos colegiais a deliberação por maioria simples de voto. As figuras de voto vencido, de recurso e de repristinação, são prova do reconhecimento do homem da sua falibilidade.
O que é certo ou errado depende do contexto. Esse contexto pode se relacionar com o lugar em que é proferida tal declaração ou o tempo em que a mesma é proferida. Não é fácil um adepto de FC Barcelona convencer a um outro adepto do Real Madrid que o seu ídolo, Leonel Messi, é o melhor do mundo, ou vice-versa. Neste ramo de actuação, muitas vezes a incoerência derivada das paixões pessoais fala mais alto, se comparado com um raciocínio puramente lógico. É humano.
O que se mostra difícil de perceber é a resistência que temos em saber discordar sem vilipendiar. Mas mesmo isso é igualmente humano. Apenas mentes superiormente preparadas é que têm capacidade de filtrar as pessoas da ciência. Dizemos corriqueiramente que as mentes superiores discutem ideias, as mentes básicas discutem apenas assuntos e as mentes inferiores discutem pessoas. Não tenho nada contra o dissídio, penso que é por via dele que chegamos onde chegamos em termos de evolução como espécie.
Voltemos ao tema :
Respeito todas as profissões e ofícios, pois que as mesmas, de cada uma das formas, contribui para uma sociedade sã e esclarecida. Mas, acho por vezes que, como disse alguma vez, eu, como jurista, teria pouca autoridade (senão nenhuma), para contradizer as teorias da física quântica de Max Plank. Não se trata necessariamente de auto-flagelação intelectual, mas sim de um puro exercício de humildade científica. Robert Green já nalgum lugar alvitrou que para que se chegue à mestria em alguma área, são necessários, pelo menos, 10 anos de preparação contínua e faseada.
É desta forma que temos de ter a humildade de deixar o ferro para os ferreiros. Assim, para todos efeitos, não basta intitular-se docente de Psico-linguística e filologia. Acredito que à um filólogo seria aceitável debruçar-se suficientemente sobre as teorias de Ferdinand de Saussure relativas à importância da análise sincrônica. Há ainda muito campo por explorar no que tange à necessidade de explicar cabalmente a vitória dos Sápiens, sobre os demais humanos (como prefere chamar Yuval Noah Harari, que certamente os Filólogos devem estar bastante familiarizados)
APELO: Exmos. senhores Filólogos… e que tal se deixassem os assuntos jurídicos com os juristas?
Olhando concretamente para o que se vai ventilando um pouco por todos os cantos das redes sociais sobre o assunto em crise, permitam-me esclarecer que na academia não devem haver auto-denominações. E não me parece correcto e académico quando a palavra auto é atribuída à uma terceira pessoa, quando o mesmo inicia o seu artigo vangloriando-se ser docente, estudioso etc. Mas isto não é o essencial
“Vamos por pontos” (como disse o tal):
Contrariamente à uma tese académica, seja ela à qualquer nível (licenciatura, mestrado ou doutoramento), um post para consumo público não obedece à qualquer rigor técnico para sua apresentação. A apresentação da tese central no início, meio ou final do artigo caberá ao critério do próprio autor, dependendo da capacidade percepção da mensagem dos destinatários e obedecendo à uma tática (e não técnica predeterminada), com vista a captar a atenção dos respectivos destinatários.
Não vi e nem vejo razão para que neste tipo de publicações se deva seguir a linha “orientada” pelos Filólogos de ocasião. O uso da expressão “salvo melhor opinião” é meramente estilística e facultativa quando se debruça sobre qualquer assunto. É lógico que, pela falibilidade do raciocínio lógico humano, todas ideias expendidas são, necessariamente, em regime de “salvo melhor opinião” ou “sem embargo de” ou ainda “inobstantemente opiniões potencialmente diversas”, etc. A precaução e humildade intelectual são, para todos efeitos, termos subjectivos dependendo a sua apreciação, do receptor da mensagem.
Não se diga por isso que não existam padrões para tal, mas, de todo modo, a subjectividade é inerente aos próprios conceitos. Assim entendemos que a colocação da tese central logo no início do artigo (post), apenas se revela como uma estratégia de comunicação. Caso contrário, a imprensa escrita (os jornais), depois de colocarem os respectivos títulos, nada mais diriam, senão manter-se no mutismo, como algum ilustríssimo Filólogo advoga. Sic.
Uma lei é fragmentada por normas.
Uma lei é fragmentada por normas.
A interpretação histórica, sistemática, axiológica das normas é necessária em Direito. Mas nunca deverá o intérprete ignorar a letra da lei e partir para devaneios pessoais, alegadamente porque a letra da lei não o agrada. dura lex sed lex. As regras interpretativas prescritas no Código Civil em vigor em Moçambique, nos obrigam a iniciar toda e qualquer interpretação com base na letra da lei. Não me venham os filólogos inventar novas formas de interpretação de normas jurídicas desfasadas do que consta no comando legal. Já não estamos na Era dos Descobrimentos senhor Filólogo, onde esta ciência atingiu o seu expoente máximo.
Em matéria de concurso de normas (casos em que é aparentemente aplicável mais de uma norma), o legislador tem a missão de orientar claramente qual a norma mais adaptável ao caso concreto. O facto de dizer-se normas aplicáveis, não se quer, necessariamente dizer, normas à aplicar ao caso concreto. Esta é uma forma de mostrar ao leitor as várias hipóteses que se podem aplicar ao caso e das quais caberá ao autor do texto, optar pelo “melhor caminho” e fundamentar. É como, quando estamos perante a escolha de formação de um dos cursos disponíveis nas nossas universidades. Uns escolhem direito, outros escolhem economia, e outros engenharia, cabendo à cada um justificar aos encarregados de educação a sua opção (no caso de estudantes dependentes dos encarregados).
Neste caso em concreto, trata-se de uma mescla de dois regimes diversos, sendo um relativo à aplicação da lei no tempo e outro relativo à conflito aparente de normas. Neste caso as normas aplicam-se para os casos em que as mesmas vigoram. O advento de uma nova lei revoga às normas anteriores, mas não a exonera da responsabilidade civil, administrativa, etc. do infractor ou, neste caso, do impedido. Não se confunda revogação da lei como exoneração de responsabilidade ou amnistia.
No último ponto, o respeitado senhor Filólogo, alega inconstitucionalidade da mesma com base nalguns artigos da Constituição da República. À meu ver, parece-me que todos artigos se mantém em vigor, até declaração expressa da sua inconstitucionalidade pelo Conselho Constitucional. E deverá o nosso Filólogo saber que em todo ordenamento jurídico pátrio, apenas aos juízes cabe a prerrogativa de não aplicar uma lei por pretensa inconstitucionalidade (arts. 214 e al. a, n.º 1, art.º 247, todos da CRM). De outro modo, por maior que seja o nosso arrepio em relação à aplicação concreta de uma norma supostamente inconstitucional, ele deverá mesmo assim ser aplicada. Mais uma vez, dura lex sed lex.
CONCLUSÃO
É sempre aconselhável deixar o ferro para os ferreiros.
Sem comentários:
Enviar um comentário