SOBRE A RENÚNCIA QUE NÃO SE CHAMA RENÚNCIA
Comentando Ericino de Salema
A administração pública deve ser vista num todo. A máquina estatal representa um corpo jurídico, cujas funções se encontram escrupulosamente definidas nas leis. Porque o Estado é uma abstração, as funções à ele incumbidas exercidas por pessoas concretas (funcionários e agentes do Estado).
São funcionários públicos todos aqueles que tenham ingressado no mesmo por via de provimento e são agentes os demais. No entanto, devido às funções estabelecidas para cada uma das responsabilidades atribuídas pelo mesmo Estado, algumas podem se mostrar incompatíveis umas às outras.
A incompatibilidade, verifica-se nos casos em que a própria lei assim o determina, ou quando, por imperativos de probidade se o deva considerar.
O regime de incompatibilidades justifica-se nos casos em que um mesmo órgão, seja ele singular ou colectivo, não possa deter, simultaneamente duas ou mais atribuições que por natureza retirariam a imparcialidade, a objectividade ou então a lisura da administração pública.
O regime de incompatibilidades justifica-se nos casos em que um mesmo órgão, seja ele singular ou colectivo, não possa deter, simultaneamente duas ou mais atribuições que por natureza retirariam a imparcialidade, a objectividade ou então a lisura da administração pública.
Ex 1: Por exemplo, um juiz não pode ser simultaneamente um advogado no mesmo processo; Ex 2 Um Ministro não pode ser, ao mesmo tempo, deputado da AR e assim como (Ex 3), um Governador não pode ser, ao mesmo tempo Cabeça-de-Lista de um partido ou organização. Há ainda milhares de cargos e funções incompatíveis entre si.
Um outro exemplo de incompatibilidade, verificou-se aquando da vigência da Constituição de 1990, no que se referia a nacionalidade: Nenhum moçambicano poderia ser simultaneamente nacional de outro país (Proibição da dupla nacionalidade). Assim, aquele que estivesse na situação de potencialmente abraçar mais de uma nacionalidade (de acordo com a Constituição de 90), o mesmo era obrigado à RENUNCIAR as outras, se ainda quisesse continuar a ser considerado Moçambicano. Em suma, o Estado não obrigava as pessoas à RENUNCIAR à nacionalidade moçambicana, apenas dava opções fechadas, do tipo, “ou és nosso, ou és deles.”.
A RENÚNCIA neste caso é um acto voluntário. Depende inteiramente das minhas opções pessoais. Se eu achasse que ser moçambicano me traria mais vantagens, optaria pena nacionalidade moçambicana e renunciaria às demais, e no caso contrário, se eu entendesse que não ganharia muito em ter nacionalidade moçambicana em detrimento das outras, ope legis, perderia a nacionalidade moçambicana. É uma mera questão de escolha.
A RENÚNCIA É VOLUNTÁRIA. Até mesmo no regime de constituição de famílias sucede o mesmo. O nosso sistema jurídico-familiar (com laivos de D. Criminal), determina a incompatibilidade entre dois casamentos com as mesmas pessoas (Proibição da Bigamia). Assim, por mais apaixonado que o homem esteja por duas mulheres diferentes, a lei obriga à que o mesmo somente possa contrair matrimónio com uma delas. Sendo este homem já casado, querendo se unir por casamento com uma terceira mulher, o homem, por lei, deverá RENUNCIAR ao primeiro casamento por via do divórcio. O pedido de divórcio aparece como um acto RENÚNCIA. É um acto voluntário e pessoal.
Nos casos de incompatibilidade na Administração Pública, a filosofia é a mesma. A RENÚNCIA é um acto pessoal por imperativos legais. A RENÚNCIA significa ter de optar entre casar com a “A” ou casar com a “B”, A RENÚNCIA também significa entre manter as funções de Deputado da Assembleia Municipal ou abraçar o mandato de Deputado da AR. É tudo subjectivo e opcional. A única cousa que a lei nos manda fazer é escolher de entre uma das responsabilidades que queiramos trilhar.
A lei pede que nós optemos por uma das funções e consequentemente à renunciar toda e aquela que não se mostra compatível. Ex Se o PR me nomeia um Deputado da AR para Ministro, esse deputado tem a faculdade de recusar a nomeação de Ministro. Para essa recusa, apenas uma carta de escusa resolve o problema. Mas no caso deste Deputado aceitar a nova nomeação, por entender que ser Ministro dá mais dinheiro, ou dá mais dignidade ou ainda por entender que ser Ministro é um desafio estimulante este, para que aceite a nova nomeação, será obrigado à renunciar ou suspender o seu mandato como Deputado da AR.
Ninguém é obrigado à concorrer e acumular cargos no Estado. E, ninguém ainda, deverá ser impedido ou poderá ser refreado o seu desejo de ascensão na Administração Pública ou na vida política. O que a lei faz, é apenas colocar certos limites na acumulação de cargos ou de responsabilidades, em prol da probidade e da boa administração pública. Não há-de ser a lei a RENUNCIAR. As pessoas é que RENUNCIAM aos cargos atendendo aos seus interesses “pessoalíssimos”.
Por estes motivos, considero falacioso todo e qualquer argumento que determine que uma RENÚNCIA operada por um deputado da Assembleia Municipal para abraçar o mandato de Deputado da AR, não deva ser considerada voluntária, e por isso, não entre na categoria das Renúncias. Considero igualmente falacioso o argumento de que a disposição voluntária do mandato na Assembleia Municipal não se deva chamar de Renúncia mas se deva designar uma mera incompatibilidade passível de “execução oficiosa”.
O grande problema deste argumento pouco claro é que defende que as pessoas em situação de incompatibilidade devam optar pela passividade e exercício das novas atribuições, se esquecendo que por trás da RENÚNCIA de qualquer cargo, move-se uma máquina administrativa bastante pesada, para que se recoloque os lugares deixados vagos pelos que renunciaram.
A renúncia, por definição, é o abandono de um direito sem, no entanto, transferi-lo para outrem. Tendo sido eleitos deputados da Assembleia Municipal os visados no assunto em crise adquiriram um direito. Tendo estes, ulteriormente concorrido e confirmados para outro cargo manifestamente incompatível com o primeiro (deputados da AR), implica que os mesmos adquiriram novos direitos e obrigações que os obrigam à escolha de um deles. Ou renunciariam primeiro ou renunciariam o segundo, como obriga a nossa Lei da probidade.
Sobre o tratamento dos casos de renúncia na lei em vigor já me pronunciei no primeiro post, pelo que me escuso de fazê-lo novamente sob pena de tornar fastidioso o dissídio.
CONCLUINDO,
A opção pela RENÚNCIA é pessoal e intransmissível !
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