O melhor e o pior das eleições internas na Frelimo
O conjunto dos candidatos a cabeças-de-lista da Frelimo que ontem passou no crivo de um processo eleitoral sui generis é o espelho fracturado de um partido que tem do melhor e do pior do que há na sociedade. Eneas Comiche representa o resgate da competência e da integridade, mas também um sinal de desespero em face da possibilidade de o partido sucumbir em Maputo, entregando a capital à oposição. Calisto Cossa na Matola é o compromisso com uma gestão autárquica que busca desesperadamente a excelência em contexto adverso. Augusta Maíta, na Beira, a almejada aposta na juventude competente e arrojada.
O conjunto dos candidatos a cabeças-de-lista da Frelimo que ontem passou no crivo de um processo eleitoral sui generis é o espelho fracturado de um partido que tem do melhor e do pior do que há na sociedade. Eneas Comiche representa o resgate da competência e da integridade, mas também um sinal de desespero em face da possibilidade de o partido sucumbir em Maputo, entregando a capital à oposição. Calisto Cossa na Matola é o compromisso com uma gestão autárquica que busca desesperadamente a excelência em contexto adverso. Augusta Maíta, na Beira, a almejada aposta na juventude competente e arrojada.
Há sobre Joāo Ferreira, em Chimoio, e Carlos Carneiro, em Quelimane, caracterizações simpáticas de suas personalidades. Rui Chong, em Nacala, é o exemplo do jovem populista na interseçāo obscura entre política e negócios. Amisse Cololo, em Nampula, a persistência num aparelhista cinzento e a complacência com a derrota. Cesar Carvalho, em Tete, o abraço na improbidade e um pontapé na ética e Carlos Portimão, em Moatize, o triunfo do gangsterismo. Portimão é o exemplo do Polícia-de-Trânsito-tornado-ladrāo-de-combustível-da-Vale, circulando impune nas passadeiras vermelhas da Frelimo profunda.
O perfil colectivo dos cabeças-de-lista da Frelimo é uma mistura heterogênea de aspirações e vontades encaixando como uma luva na actual imagem caraterística do partido: uma força buscando o equilíbrio entre suas correntes mais jovens, que tentam, com sucesso limitado, se assumir na dianteira da transição de gerações, e um modelo dirigista central em conflito permanente com as elites locais.
Este conflito, entre as vontades do aparelho central (através da Comissão Política) e as vontades das bases, tem vindo a ser gerido ao longo da história do Partido, diluindo-se paulatinamente o modelo dirigista. Cada vez mais, as elites locais estão ganhado peso na escolha dos seus representantes. Nos últimos anos, a maior cedência do poder central foi a outorga às bases do controlo da escolha dos secretários dos comités provinciais e distritais. O aparelho central se contentou com sua prerrogativa de escolha dos governadores provinciais.
Esperava-se também que, no quadro desta devolução do poder às bases, a Comissão Política interferisse de forma limitada. Mas a tentação do modelo dirigista esteve sempre presente. No entanto, sua eficácia nunca foi provada. Dois episodios podiam inspirar uma melhor avaliaçāo sobre a efectividade dessa interferência. Quando o consulado de Armando Guebuza impôs o seu candidato para Nampula nas autárquicas de 2013, o malogrado Mahamud Amurane, que concorria pela primeira vez pelo MDM, venceu folgadamente. Os militantes das bases frelimistas ficaram em casa. A CNE registou uma abstenção na ordem dos 85%. Em 2011, quando a Comissão Política removeu Pio Matos da gestão de Quelimane, desencadeando eleições intercalares e impondo o nome de Abubacar Bico, a Frelimo perdeu o controlo da autarquia para o MDM, com Manuel de Araújo ascendendo à edilidade. Nampula e Quelimane parece terem sido perdidas de vez.
Mas esses exemplos derrotistas nunca demoveram essa tentação dirigista. É o que se viu agora em Maputo. A única razāo aparante para a imposição de Comiche é um terrífico receio de perda da capital. Esta imposição foi tomada contra a exclusāo de uma candidatura, a de Samora Machel Junior, que representava, tal como a de Razaque Manhique, uma verdadeira transição de gerações e a devolução do poder de uma escolha isenta às bases. Esta opção tem um risco. Se a Frelimo perder Maputo, a culpa e a responsabilidade pela derrota deverão ser imputadas à Comissão Política e ao seu chefe.
Mas a interferência central em Maputo mostrou uma lacuna grave da sua directiva eleitoral relevante. Ela não é transparente quanto à selecção dos candidatos que os comités provinciais e distritais enviam para a homologaçāo pela Comissão Política. Quando Samora Junior foi afastado, esperava-se que ele recebesse uma explicação plausível por esse afastamento. A directiva omite esse preceito de transparência e prestaçāo de contas.
Esta omissão golpeia a devolução do poder às bases. Em Outubro, e em função do nível de interferência da Comissão Política na imposiçāo de suas preferências um pouco por todo o pais, quem estará também a ser escrutinado é o PR Filipe Nyusi. Mas, para já, os afastados e os jovens que não passaram ante a veterania não se podem considerar por derrotados. Em Maputo, Samora Machel Junior não perdeu. Nem Razaque Manrique. Quem perdeu foi a democracia interna, que é limitada, num processo que cavou fissuras de lealdade e mostrou que a transiçāo de gerações na Frelimo nāo obedece a uma clara estratégia. Segue ao sabor do vento.
Sem comentários:
Enviar um comentário