sábado, 4 de agosto de 2018

O melhor e o pior das eleições internas na Frelimo

O melhor e o pior das eleições internas na Frelimo
O conjunto dos candidatos a cabeças-de-lista da Frelimo que ontem passou no crivo de um processo eleitoral sui generis é o espelho fracturado de um partido que tem do melhor e do pior do que há na sociedade. Eneas Comiche representa o resgate da competência e da integridade, mas também um sinal de desespero em face da possibilidade de o partido sucumbir em Maputo, entregando a capital à oposição. Calisto Cossa na Matola é o compromisso com uma gestão autárquica que busca desesperadamente a excelência em contexto adverso. Augusta Maíta, na Beira, a almejada aposta na juventude competente e arrojada.
Há sobre Joāo Ferreira, em Chimoio, e Carlos Carneiro, em Quelimane, caracterizações simpáticas de suas personalidades. Rui Chong, em Nacala, é o exemplo do jovem populista na interseçāo obscura entre política e negócios. Amisse Cololo, em Nampula, a persistência num aparelhista cinzento e a complacência com a derrota. Cesar Carvalho, em Tete, o abraço na improbidade e um pontapé na ética e Carlos Portimão, em Moatize, o triunfo do gangsterismo. Portimão é o exemplo do Polícia-de-Trânsito-tornado-ladrāo-de-combustível-da-Vale, circulando impune nas passadeiras vermelhas da Frelimo profunda.
O perfil colectivo dos cabeças-de-lista da Frelimo é uma mistura heterogênea de aspirações e vontades encaixando como uma luva na actual imagem caraterística do partido: uma força buscando o equilíbrio entre suas correntes mais jovens, que tentam, com sucesso limitado, se assumir na dianteira da transição de gerações, e um modelo dirigista central em conflito permanente com as elites locais.
Este conflito, entre as vontades do aparelho central (através da Comissão Política) e as vontades das bases, tem vindo a ser gerido ao longo da história do Partido, diluindo-se paulatinamente o modelo dirigista. Cada vez mais, as elites locais estão ganhado peso na escolha dos seus representantes. Nos últimos anos, a maior cedência do poder central foi a outorga às bases do controlo da escolha dos secretários dos comités provinciais e distritais. O aparelho central se contentou com sua prerrogativa de escolha dos governadores provinciais.
Esperava-se também que, no quadro desta devolução do poder às bases, a Comissão Política interferisse de forma limitada. Mas a tentação do modelo dirigista esteve sempre presente. No entanto, sua eficácia nunca foi provada. Dois episodios podiam inspirar uma melhor avaliaçāo sobre a efectividade dessa interferência. Quando o consulado de Armando Guebuza impôs o seu candidato para Nampula nas autárquicas de 2013, o malogrado Mahamud Amurane, que concorria pela primeira vez pelo MDM, venceu folgadamente. Os militantes das bases frelimistas ficaram em casa. A CNE registou uma abstenção na ordem dos 85%. Em 2011, quando a Comissão Política removeu Pio Matos da gestão de Quelimane, desencadeando eleições intercalares e impondo o nome de Abubacar Bico, a Frelimo perdeu o controlo da autarquia para o MDM, com Manuel de Araújo ascendendo à edilidade. Nampula e Quelimane parece terem sido perdidas de vez.
Mas esses exemplos derrotistas nunca demoveram essa tentação dirigista. É o que se viu agora em Maputo. A única razāo aparante para a imposição de Comiche é um terrífico receio de perda da capital. Esta imposição foi tomada contra a exclusāo de uma candidatura, a de Samora Machel Junior, que representava, tal como a de Razaque Manhique, uma verdadeira transição de gerações e a devolução do poder de uma escolha isenta às bases. Esta opção tem um risco. Se a Frelimo perder Maputo, a culpa e a responsabilidade pela derrota deverão ser imputadas à Comissão Política e ao seu chefe.
Mas a interferência central em Maputo mostrou uma lacuna grave da sua directiva eleitoral relevante. Ela não é transparente quanto à selecção dos candidatos que os comités provinciais e distritais enviam para a homologaçāo pela Comissão Política. Quando Samora Junior foi afastado, esperava-se que ele recebesse uma explicação plausível por esse afastamento. A directiva omite esse preceito de transparência e prestaçāo de contas.
Esta omissão golpeia a devolução do poder às bases. Em Outubro, e em função do nível de interferência da Comissão Política na imposiçāo de suas preferências um pouco por todo o pais, quem estará também a ser escrutinado é o PR Filipe Nyusi. Mas, para já, os afastados e os jovens que não passaram ante a veterania não se podem considerar por derrotados. Em Maputo, Samora Machel Junior não perdeu. Nem Razaque Manrique. Quem perdeu foi a democracia interna, que é limitada, num processo que cavou fissuras de lealdade e mostrou que a transiçāo de gerações na Frelimo nāo obedece a uma clara estratégia. Segue ao sabor do vento.
Comentários
Edmundo Galiza Matos Análise competentíssima meu caro. Aliás, como teem sido quase todas as que tive a oportunidade de ler. Uma questão apenas, para a qual acredito que darás uma resposta que me satisfará: porque o enfoque apenas no partido Frelimo? As questiúnculas, as trafulhices internas, os cabeças de lista impostos sem o aval das bases, as incongruências, o saltimbanquismo de certas figuras mediáticas, etc, etc, não teem passado pelo teu aguçado crivo analítico. Ou estou enganado? Bom fim de semana.
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Jr Chauque Este Outubro promete muita notícia e mtas cabeças para o poder e para rolarem... Até já MM
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Gitandra Valoyi Leitura excelente!
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Rui Helder Guilaze Eu gosto muito quando, depois de muita turbulência na opinião publica, trazes lufadas de ar fresco, com leituras coerentes e acima de tudo esclarecedoras.
Well done, Marcelo Mosse
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Responder57 min
Vasquinho King Valeu a persistencia e a renovacao. Jamais sairia tudo em branco o importante que a nódoa nao seja maior que o pano.
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Responder44 min
Antonio Pereira A frase: "Eneas Comiche representa o resgate da competência e da integridade..." mostra bem que estes valores (competência e integridade) nunca foram uma prioridade no reinado do anterior PR... 
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Responder34 min
Naine Mondlane Excelente Reflexão e Profunda. MM! 👌👌👌👌👌👌👌
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Responder24 min
Victor Mambo Na verdade, precisamos de lideres que estejam cientes e comprometidos com a transação de gerações. Acho que este assunto está sendo sempre adiado. Pena para nós.
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Responder19 min
Ismael C. Gocaldas Vão apostar logo em #comiche na cidade de Maputo,esse já é um perdedor antecipado,as clivagens internas contribuíram sobre maneira na derrota da frelimo na cidade de Maputo.
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