sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Direitos humanos não se aplicam para os residentes de Namanhumbiri?


Namanhumbiri__rubisNamanhumbiri__agentesUIRUma maldição chamada “Ruby” 
A violação dos direitos humanos por agentes das forças de defesa e segurança na localidade de Namanhumbiri, distrito de Montepuez, norte de Moçambique, continua sendo praticada contra os residentes locais, mesmo diante de constantes denúncias nacionais e internacionais a este respeito. Na localidade de Namanhumbiri está instalada a empresa Montepuez Ruby Mining, que é um consórcio entre a multinacional Gemfields Company e generais moçambicanos. Esta empresa dedica-se a exploração de um valioso minério, que é o ruby que os seus leilões tem estado a colectar valores monetários altíssimos no mundo. 
Depois de uma aparente calmia, a situação voltou a ribalta nestes últimos dez dias, com o envolvimento de unidades especiais da Polícia da República de Moçambique (PRM) para forçarem a retirada da população das suas terras, onde desde há tempos passados sempre cultivaram os seus alimentos e habitaram. As comunidades reclamam pelo acesso a terra. Uma terra que pertenceu, sempre, a várias gerações dos residentes locais. Perante a insistência das comunidades locais, os “donos” do dinheiro e do ruby de Namanhumbiri chamaram a PRM que tratou de enviar duas unidades com cerca de uma centena de seus agentes para ir forçar a retirada da população. 
Um “comboio” de doze carros, transportando, em cada um dos carros, cerca de oito agentes das forças de segurança da Unidade de Intervenção de Rápida (UIR), Polícia de Protecção (PP) e Serviços Provinciais de Migração deixou Pemba, capital de Cabo Delgado, por volta das nove horas da última terça-feira (31 de Julho), com destino para os distritos de Montepuez e Ancuabe.

Em Ancuabe há muito que a população vem reclamando a usurpação de suas terras pelos exploradores de grafite, na sua maioria chineses. No passado, uma operação igual levada a cabo pelas mesmas unidades especiais da PRM teria resultado em mortes, violações, torturas, estupro de mulheres e crianças, bem como a deportação de cidadãos estrangeiros que estavam estacionados em Namanhumbiri. Garimpeiros ilegais locais foram enterrados vivos por máquinas da empresa Montepuez Ruby Mining (MRM) com a protecção de agentes da UIR.
O comboio de viaturas transportando agentes da PRM era constituído por veículos pick-up e mini-bus com vidros escuros para que não sejam reconhecidos os rostos das pessoas que transportavam. De acordo com as nossas fontes, as forças de segurança serão distribuídas em quatro locais diferentes, começando com Namanhumbiri e Balama distrito de Montepuez, enquanto outros esquadrões serão responsáveis por perseguir os mineiros ilegais em Namuno e Meluco em uma grande operação patrocinada pela Gemfields MRM. “Esta operação visa forçar a remoção de garimpeiros ilegais nestas áreas de mineração, onde são, principalmente, extraídos o ruby, depois ouro e outros minerais”, conta-nos um agente da UIR que seguiu nesta operação do dia 31 de Julho. 
Os campos de ruby de Montepuez, em Moçambique, já são conhecidos como um terreno de terror nas mãos das forças de segurança que guarnecem a riqueza à qual a gigante gemstone MRM-Gemfields, sedeada no Reino Unido, tem os direitos. Em Fevereiro de 2017, centenas de moçambicanos, estrangeiros, mineiros artesanais e aldeões aleatórios foi lhes dito que a sua presença na área era “ilegal”, por isso, foram removidos à força, com estupros, roubos e até mesmo assassinatos por forças de segurança como parte do processo. E desta vez o resultado é quase certo, a história se repete. 
A empresa de mineração MRM Gemfields, agora propriedade da Pallinghurst, agradece ao General Raimundo Pachinuapa por sua licença de mineração. Pachinuapa, poderoso “general do norte”, é um proeminente membro do partido governista, FRELIMO, possui um quarto da MRM. Ele também possui um quarto de dois outros empreendimentos na região e vinte outras licenças de mineração. 
Foi em Montepuez, onde pelas cinco horas de uma manhã, há quatro quilómetros da vila sede, que a nossa reportagem deparou-se com oito militares munidos das suas AK-47, que protegiam uma empresa madeireira chinesa. A posterior, por volta das seis, todos subiram numa carinha cor branca conduzida por um chinês e seguiram em direcção ao quartel.
Uma farsa de reassentamento
Em Ntoro, durante o simulado o processo de reassentamento, a empresa MRM tratou de categorizar e separar os membros das comunidades locais, entre nativos e não nativos. Esse exercício discriminatório tinha em vista garantir que a empresa gastasse menos com as pessoas não nativas, segundo apurou a nossa reportagem naquele ponto de Cabo Delgado. Enquanto aguardam pelo reassentamento condigno, a população foi proibida de cultivar nas suas próprias terras pela empresa e, como consequência, passam a fome. As crianças não podem ir as escolas porque o acesso está vedado.
As promessas de um reassentamento para as comunidades de Namanhumbiri são de encher páginas, se não muita tinta já foi gasta. 
“Desde 2014 que estamos a assinar documentos com a mina e não vemos nada. Vamos acabar saindo um por um. Nas nossas machambas, capinamos, semeamos, mas os garimpeiros vem comer nossa comida, roubar os produtos na machamba. A empresa não faz nada, só fala pela boca”, disse uma das nossas fontes em Ntoro. 
Um cidadão, proprietário legal de uma extensão de 40 hectares de terra, também, aguarda por um reassentamento. A área deste cidadão foi capturada pela empresa, mesmo dispondo de documentação desde muito antes da chegada da MRM naquela região. Já tentou ver repostos os seus direitos violados mas, em vão, ninguém lhe dá ouvidos. (Estácio Valoi e Aunício da Silva)
Jornal IKWELI 03.08.2018

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