18.08.2018 às 10h00
Ex-Presidente refugia-se no estatuto de parlamentar para não ser presa no maior sistema de corrupção da história
Os Cadernos da Corrupção encurralam a ex-Presidente e atual senadora Cristina Kirchner enquanto fazem uma série de delatores e de presos. Em apenas duas semanas, há 14 presos, 13 delatores e um fugitivo implicados numa trama sistémica que, só em obra pública, pode ter roubado até €32 mil milhões em 12 anos.
Intimada a depor esta semana, Kirchner não aceitou perguntas do juiz limitando-se a entregar uma declaração escrita na qual se diz vítima de uma perseguição do Governo, da imprensa e da Justiça. Não dedicou uma só palavra ao conteúdo da acusação, a de liderar uma quadrilha, aqui denominada “associação ilícita”.
O juiz Claudio Bonadio deve processar e pedir a prisão da ex-PR nos próximos dias e ela só não será presa devido à imunidade parlamentar que o cargo de senadora lhe confere e contra a qual seria necessária uma decisão de senadores também questionados pela Justiça. A semelhança com o processo ‘Lava Jato’ no Brasil não é coincidência.
“É uma associação ilícita clássica, de manual. Nunca vi uma prova com estas características que já permite saltar muitos passos de uma investigação deixando-nos muito mais perto de um julgamento. Temos a radiografia completa do delito”, diz o procurador Carlos Stornelli.
Enquanto Cristina Kirchner se calava, ex-aliados rompiam o pacto de silêncio. O ex-presidente da Câmara Argentina da Construção, Carlos Wagner, um aliado do kirchnerismo, confessou o esquema que ele mesmo ajudou a montar a pedido do ex-Presidente Néstor Kirchner (2003/07) e que continuou no Governo de Cristina (2007-15). As licitações de todas obras públicas eram decididas pelos empresários que devolviam aos Kirchners entre 10% e 20% do custo.
Um cálculo preliminar aponta um montante de €10 milhões (10%) ou €20 milhões (20%) em subornos apenas sobre a obra pública. O valor representa até 6% do PIB em 12 anos de gestão kirchnerista. Investigadores do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) apontam para uma quantia superior a €32 mil milhões.
Wagner confessou como se pagavam os subornos milionários e Claudio Uberti, ex-braço-direito do ministro Julio de Vido e do próprio Néstor Kirchner, confessou como se cobravam. O diretor do órgão de controlo das concessões sobre autoestradas entre 2003 e 2007 e “embaixador paralelo” nos negócios ilegais relacionados com Venezuela e Angola deixou o país perplexo. Confessou ser um arrecadador dos Kirchners, confessou que o dinheiro pertencia aos empresários, que o ato era ordenado pelo casal Kirchner, que a rede de corrupção era muito mais profunda e extensa do que se imaginava, que o dinheiro era levado em dezenas de malas aos cofres que os Kirchners instalaram na sua própria residência na Patagónia e que usavam o avião presidencial como transporte.
Quando as malas de dinheiro eram pequenas, eram entregues no próprio gabinete de Néstor Kirchner na Casa Rosada. Quando o volume era maior, a entrega acontecia na residência particular dos Kirchners ou mesmo na residência oficial. Cristina Kirchner presenciou várias entregas. “Certa vez, quando entreguei as malas, vi que havia outras 20 malas no apartamento”, contou. “No dia em que Néstor Kirchner morreu (27 de outubro de 2010), havia €53 milhões no apartamento”, revelou.
A confissão coincide com o relato minucioso que o motorista Oscar Centeno revelou nos Cadernos da Corrupção, entretanto já superado pelas delações. Centeno disse que a entrega das malas arrecadadas pelo Ministério do Planeamento era feita todas as quintas-feiras. Nos demais dias, vinham os arrecadadores de outros ministérios.
O ex-piloto do avião presidencial Tango 01, Sergio Velázquez, confirma ter transportado regularmente dezenas de malas para o Sul. As malas iam cheias e voltavam vazias numa repetição constante da operação.
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