07.08.2018 às 22h09
Em 2017, as trocas comerciais entre os dois países ultrapassaram os 4 mil milhões de dólares (cerca de 3,4 mil milhões de euros) e há mais de 15 mil estudantes sauditas a estudar no Canadá. Por causa de uma crítica à prisão de uma ativista, todas as relações entre os dois países foram postas em causa. Agora, tanto os negócios como a vida destes alunos e das suas famílias podem vir a ser afetados
Primeiro expulsaram o embaixador, depois anunciaram o congelamento de todas as trocas comerciais e agora decidiram a suspensão dos voos entre os dois países a partir da próxima segunda-feira, dia 13. A Arábia Saudita não está contente com as críticas feitas pela ministra dos Negócios Estrangeiros canadiana à forma como o reino trata quem luta pelos direitos humanos e o que parecia não passar de uma escaramuça diplomática passageira está a tornar-se um assunto com repercussões impossíveis de prever.
A Arábia Saudita anunciou que quer recolocar os estudantes sauditas que estão a estudar em universidades canadianas, um número que pode atingir os 15 mil segundo a Business Insider, que falou com um responsável do governo saudita. Todas estes estudantes devem ser transferidos para outras universidades nos Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália, segundo um repórter do Financial Times, Ahmed Al Omran, que teve acesso a informação fornecida por pessoas que conhecem o processo.
Todo este tumulto é uma resposta às palavras de ministra Chrystia Freeland que condenou a prisão de ativistas pelos direitos das mulheres, incluindo Samar Badawi, irmã de um outro defensor dos direitos humanos e blogger, Raif Badawi, que está preso e foi condenado a receber 1000 chibatadas por “insultos ao Islão”. A mulher de Raif vive no Quebec e ela e os seus três filhos tornaram-se cidadãos canadianos este ano.
Na sexta-feira, Freeland socorreu-se da rede social Twitter para criticar a prisão de Samar e exigir a libertação desta e de outros ativistas. A página geral da diplomacia canadiana publicou o tweet de Freeland e, logo a seguir, a missão diplomática em Riade também. Foi aí que tudo pegou fogo.
Na segunda-feira, através da mesma rede social, a Arábia Saudita expressou “surpresa quanto a este comentário sem qualquer fundamento” e o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita acusou o Canadá de “clara interferência nos assuntos internos do Reino”, apelidando as críticas de Freeland como “uma afronta inaceitável” e uma “violação” da soberania. Em 24 horas, o embaixador do Canadá saiu do país e a Arábia Saudita chamou de regresso a Riade o seu representante em Otava.
Em resposta às decisões do reino saudita de cortar a maioria das relações bilaterais com o Canadá, Marie-Pier Baril, porta-voz da ministra dos Negócios Estrangeiros, disse que o país está “seriamente preocupado” com as notícias que têm sido publicadas mas “continuará a defender a proteção dos direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres e a liberdade de expressão pelo mundo inteiro”.
Já em novembro de 2017, os sauditas tinham chamado o embaixador na Alemanha de volta depois de a diplomacia alemã ter acusado o reino de orquestrar a resignação de Saad al-Hariri, primeiro-ministro do Líbano, que os sauditas negam. Alguns analistas vêem estas ações como uma tentativa do jovem príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (ou MBS como é conhecido) de mostrar, primeiro, aos poderes estrangeiros que também consegue impor-se na diplomacia mundial e, depois, aos poderes internos, que consideram a sua abordagem à gestão do reino pouco conservadora, precisamente a mesma coisa.
Mas, apesar de ter deixado as mulheres tirar a carta de condução (2018) e votar (2015), o reino saudita continua a ser um dos mais restritivos e fundamentalistas regimes do mundo, prendendo e executando pessoas, por exemplo, por tráfico de droga ou roubo, muitas vezes sem acesso a advogados ou a um julgamento justo.
“Estas decisões parecem ter a intenção de transmitir que o governo da Arábia Saudita não sofrerá pressões, nem sobre a forma como o governo decide limitar as liberdades de ativistas”, disse, citada pela Bloomberg, a professora de Estudos do Norte de África e do Médio Oriente Emily Hawthorne.
O mais recente relatório comercial emitido pelo Canadá indica que os negócios entre os dois países ultrapassam os 4 mil milhões de dólares. O Canadá importa quase exclusivamente crude (98% das importações), enquanto a Arábia Saudita importa armamento, veículos e respetivos componentes, bem como maquinaria industrial.
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