Aos 95 anos, o ex-guarda de Treblinka Jakiv Palij foi deportado para a Alemanha. Vivia em Nova Iorque, numa casa comprada a sobreviventes do Holocausto. Desde 2001 que se conhecia o seu passado.
Os EUA deportaram esta segunda-feira um antigo guarda dos campos de concentração nazi de Treblinka e de Trawniki, ambos na Polónia. Aos 95 anos, Jakiv Palij chegou a Düsseldorf já nesta terça-feira, depois de ter vivido quase sete décadas nos EUA — a maior parte das quais sem que o seu passado no regime nazi fosse conhecido.
Jakiv Palij chegou aos EUA em 1949, conseguindo entrar ao abrigo de um programa de acolhimento de refugiados da Segunda Guerra Mundial. Nessa altura, garantiu que não tinha tido nenhuma ligação ao exército nazi e disse que passou os anos da guerra a trabalhar em vários locais: numa quinta e numa carpintaria na Polónia, noutra quinta na Alemanha e também como estofador em solo germânico.
A entrada foi-lhe garantida nos EUA, onde, de acordo com a Associated Press, trabalhou como projetista na construção civil e onde acabou por se reformar. Em 1957 obteve nacionalidade norte-americana. Viveu uma vida pacata. Casou com uma mulher chamada Maria, nove anos mais nova do que ele, com a qual residia no bairro de Queens, nos subúrbios de Nova Iorque. Ironicamente, compraram a casa onde viviam a um casal de polacos que sobreviveu ao Holocausto.
Porém, a ironia dessa compra imobiliária só se tornou evidente vários anos depois de Jakiv Palij ter entrado nos EUA. Em 1989, instado pelas autoridades canadianas, um antigo guarda nazi identificou Jakiv Palij numa fotografia. No ano seguinte, os EUA pediram à Rússia, Ucrânia e Polónia que partilhassem qualquer informação relativa a Jakiv Palij nos seus registos. Enquanto isso, o próprio foi chamado a depor às autoridades norte-americanas, às quais negou sempre o seu envolvimento no Holocausto.
Palij diz que só guardava “pontes e rios” mas investigadores falam em mais do que isso
Só mais tarde, em 2001, Javik Palij admitiu que tinha sido guarda mas sublinhou que, além de ter sido obrigado a aceitar aquele emprego, não participou em qualquer matança. Numa entrevista ao The New York Times em 2003, contou que a sua função era “guardar pontes e rios”.
“Eles vieram buscar-me quando eu tinha 18 anos”, contou àquele jornal. “Sabíamos que me matavam, e à minha família, se eu recusasse. Fi-lo para salvar as vidas deles e nunca sequer vesti um uniforme nazi.”
No entanto, a conclusão a que chegou o Departamento de Justiça norte-americano era bem diferente da história que o antigo guarda nazi contava. “Ele fez parte da perseguição de prisioneiros judaicos em Treblinka e asseguarava-se de que eles não fugiam. O resultado foi que pelo menos 7 mil pessoas foram massacradas”, disse Eli M. Rosenbaum, diretor da equipa responsável por investigar o caso de Javik Palij, também naquele artigo de 2003 do The New York Times.
“Ele era muito leal e capaz e trabalhou até abril de 1945, nas últimas semanas da guerra [em território europeu], enquanto os outros soldados desertavam a torto e a direito”, acrescentou Eli M. Rosenbaum.
Em 2003, quando foi apurada a responsabilidade de Javik Palij no Holocausto, a nacionalidade norte-americana foi-lhe retirada. Depois, as autoridades norte-americanas iniciaram o longo, e durante muito tempo vão, processo para deportar o ex-guarda de Treblinka.
A publicitação do seu caso levou a que fossem montadas manifestações em frente a sua casa, no bairro de Queens, onde a comunidade judaica tem uma presença forte. Do lado de dentro da casa — para a qual passou a entrar só pela porta de trás e nunca pela da frente — Javik Palij ouvia palavras de ordem como: “O vosso vizinho é um nazi!”.
Alemanha (e outros) não queriam recebê-lo — mas Berlim cedeu agora à pressão
Desde 2003 que o caso de Javik Palij foi colocado num limbo jurídico. Uma vez que os crimes que Javik Palij terá cometido tiveram lugar na Polónia (e sob ordens alemãs, que ocupavam aquele país), os EUA não podiam legalmente julgá-lo pelos seus crimes. Porém, a sua deportação esteve em causa durante os anos que se seguiram à revelação do seu papel no Holocausto, já que nenhum país o aceitava — Alemanha, Polónia e Ucrânia rejeitaram-no ao longo dos anos.
Em outubro de 2017, a delegação do estado de Nova Iorque no Congresso assinou uma carta onde instava o então Secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, a redobrar os esforços para deportar o ex-guarda nazi.
No entanto, este nó acabou por ser desatado após várias semanas de negociações entre os EUA e a Alemanha. De acordo com a Casa Branca, este tema foi tomado como uma prioridade por Donald Trump. “Ao longo de extensas negociações, o Presidente Trump e a sua equipa asseguraram a deportação para a Alemanha de [Javik] Palij e elevaram os esforços de cooperação dos EUA com um aliado essencial na Europa”, referiu a Casa Branca em comunicado.
Até há pouco tempo, explica o Bild, o governo alemão argumentava que Javik Palij nunca tinha sido um cidadão alemão e não pendia nenhum mandado de captura sobre ele.
No entanto, em declarações ao mesmo jornal, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Heiko Maas, defende a deportação do ex-guarda: “A responsabilidade histórica nunca acaba. Manter viva a memória dos horrores dos tempos nazis nos dias de hoje passa por lutar contra o anti-semitismo, a discriminação e o racismo. E significa assumirmos a sério a nossa responsabilidade moral pelas vítimas e pelas gerações vindouras. A culpa daqueles que cometeram crimes terríveis em nome da Alemanha não se esbate. E ainda dói profundamente”.