segunda-feira, 16 de abril de 2018

SE ME MATAREM, JÁ SABEM QUEM E PORQUÊ! -- Adelino Timóteo autor de “Os Últimos dias de Uria Simango”

Grande Reportagem
SE ME MATAREM, JÁ SABEM QUEM E PORQUÊ!
-- Adelino Timóteo autor de “Os Últimos dias de Uria Simango”
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----- >> “Não sou de posses, nem devo a ninguém, então vocês fiquem sabendo não há outro ajuste de contas” - adverte Adelino Timóteo no acto de lançamento do livro “Os Últimos dias de Uria Simango”, caso sua vida seja acometida de algo anormal porque, afirma, há sanguinários que se julgando donos de Moçambique e de nossas vidas encontram nos “esquadrões da morte” - cuja criação atribui mesmo aos primórdios da luta de libertação nacional - a solução para silenciar as vozes com opinião contrária a do Governo e, porque divulga no livro acontecimentos obscuros da Frelimo a época, que nos dias actuais ainda perseguem como se um fantasma fosse. Adelino Timóteo, que considera Uria Simango de um dos mais visionários pela causa nacional, chegou mesmo a abandonar Moçambique, refugiando-se nos últimos anos em Portugal.
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Beira (Magazine CRV) -- O jornalista, artista e escritor moçambicano Adelino Timóteo lançou no mês passado na cidade da Beira a 15.ª obra da sua carreira intitulada “Os Últimos dias de Uria Simango”.
A “grande reportagem”, como o próprio a classificou, teve na plateia figuras do panorama político-social e académico nacional a par dos irmãos Daviz e Lutero, filhos da personalidade retratada no livro. Números de danças tradicionais e declamação de poesia abriram a sessão.
Depois de navegar pela prosa e poesia, Adelino apresenta um ensaio biográfico que resulta de uma aturada pesquisa que lhe permitiu reconstituir a trajectória de Uria Simango e, ao mesmo tempo, estruturar todo seu perfil. Entretanto, antes de resolver escrever sobre Uria, pretendia retratar a vida do seu pai morto a mais de 40 anos, assim eternizar a sua história.
Da publicação, se diz motivado e apenas preocupado com a verdade. Desafia, caso esteja errado, a dar mão a palmatória. Com propriedade, assume mesmo as consequências: “é da minha responsabilidade. Tudo aqui escrito está documentado, tem fontes directas.”
De seguida, em “Grande Reportagem”, acompanhe as passagens relevantes proferidas pelo autor de “Os Últimos dias de Uria Simango” no acto em que deu a conhecer ao público o seu novo trabalho:
“É um prazer falar deste livro, mas primeiro discorrer sobre Uria Simango porque faz parte um bocadinho da vida e da história de cada um de nós” -iniciou a sua intervenção, afirmando que o ensaio biográfico resulta duma apaixonada pesquisa porque também ele filho de quem teve um fim semelhante -“foi fuzilado como Uria”.
Adelino Timóteo fez uma viagem ao passado para dizer que durante os anos da sua escrita procurou sempre fechar etapas. “Fechar certos períodos que tocam a minha vida e dos outros”. O conseguiu numa primeira fase escrevendo o livro “Nós, os do Macurungo”, no qual retrata, se servindo do imaginário infantil, a primeira fase da sua vida “com um pai ausente, com uma mãe que, ao mesmo tempo, é pai (…)” - de acordo com sua elocução. Estamos no ano 1974, perseguindo o 2014.
Em 1975, tinha ele, Adelino, 5 anos e “na nossa casa aparecera os homens da Frelimo, levaram o meu pai, estávamos na sala e choramos nesse dia. Disseram que o meu pai voltava no dia seguinte” e recorda, tal não aconteceu.
Também traz à memória “o leite que minha mãe preparou, colocou num termo vermelho, fritou ovos e foi até a sede do partido, no Matacuane, entregar o pequeno-almoço a seu marido e de lá voltou sem servir. Isto ficou na minha mente. (…) Muitas vezes falo com minha mãe dos ovos e da sandes, do termo vermelho que muitos anos ficou lá em casa no qual via amargura desse tempo muito difícil”.
Pese embora histórias diferentes a do seu progenitor com relação ao dos irmãos Simango, Adelino entende que nalgum momento elas coincidem: “um pai que desaparece e que se tem esperança que volta em breve e o tempo vai adiando o momento, vai adiando os anos…” quando, já em 1981, mais uma vez falha a promessa “de irmos a Niassa, num local onde diziam que estava o meu pai…”.
Nesta encruzilhada de vida o escritor foi a Portugal na mesma sede de perceber “este passado e tentar encontrar algum rastilho sobre o envolvimento do meu pai na luta da libertação nacional. Quando lá chego, vi uma foto do meu pai e nada mais havia”, isto no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal.
Contudo, Adelino diz que foi bastante interessante ler sobre o processo de envolvimento de Uria Simango na luta da libertação nacional considerando que “foi muito tortuoso, e para o país estar independente perderam-se muitas vidas e este livro é o retrato dessa época. Com Uria morreram muitos moçambicanos e outros muitos estiveram a descrever a trajectória dele (…).”
Detalhando, “na leitura que faço do arquivo, há o Uria que sai da Beira e é policiado na Rodésia. Tinha a PIDE 24 horas a espiá-lo (…). Tenta sobreviver criando vários nomes (…) para conseguir ludibriar o controlo da PIDE”, o achando bastante ardil. “Está tudo anexo no processo”. Mas “muito cedo é alertado por Joshua Nkhomo, ‘olha Uria, você quer lutar para a independência de Moçambique tens que sair daqui porque se continuares na Rodésia, vais preso’”.
No seguimento da história, Adelino entende que é assim que Uria Simango, Adelino Gwambe e outros companheiros da UDENAMO saem para a Tanzânia… (…) Desta forma inicia o processo da luta de libertação nacional. Ele diz, há medida que avançava na leitura dos documentos, começou a inquietação uma vez que houve bastantes nomes, ou personalidades, arroladas que hoje não aparecem e pergunta:
“Onde é que estão essas pessoas? Aqueles nomes sonantes da primeira hora que estiveram na luta de libertação nacional não surgem no nosso dia-a-dia, nem aparecem depois da independência nacional… Quer dizer, algumas foram expulsas, perseguidas, outras mortas. Por exemplo, encontro o cartão de Samora Machel (…) quem o faz é Silvério Nungo e tem de número 66 186. No entanto, Samora foi presidente de Moçambique, da Frelimo… Os outros anteriores onde é que estavam?” Com isso, deixou claro, não pretendia retirar mérito ou qualidades ao presidente Samora, mas, “a questão que coloco é onde é que estão os outros?”
Seguindo em frente, o escritor confirma que ainda há muito que se diga “da obra, de Uria e seus companheiros que formaram a Frelimo. Questiono porque que é que Uria Simango foi reaccionário porquanto nos registos de informações que leio da PIDE esta tomava-o como um dos mais radicais na Frelimo e o conhecimento que temos, quando estudávamos, é que Uria era contrário à liberdade, mas depois disso não há mais nada que se diga”.
Adelino Timóteo faz saber que o livro procura iluminar essas zonas escuras e fá-lo por estruturar essa trajectória toda de Uria Simango: “as decisões internas, as desavenças que começam com a morte desse senhor Silvério Nungo” e, segundo a fonte, é nessa ausência física “que começa a história, digamos negativa, a parte mais triste de Uria que depois vai procurar da razão de terem matado Nungo”.
Tudo isto “porque quando morre Mondlane, a Nungo atribuíram a missão de ir ao interior de Moçambique de onde escreve 3 cartas muito apaixonadas, que estava muito feliz de estar lá e pedia roupa e comida para oferecer a população nas zonas libertadas visto estarem nuas… mas, de repente… pronto… há essa notícia da morte do Nungo enquanto Uria acreditava com as 3 cartas (segundo as quais) estava muito bem.”
Ademais, diz, “com as pesquisas que a gente faz hoje vamos entender de que o Nungo não morreu porque fez uma greve de fome e sim porque mataram-no, como ao Filipe Samuel Magaia e outras cem pessoas que deviam participar num dos congressos da Frelimo… (…).”
Uria Simango vivo ou morto era incómodo a muitos, diz Adelino para quem, mesmo que rotulem-no de reaccionário, ninguém vai conseguir encontrar algo nesses arquivos que incuta uma ligação a colonização. “Nas mais de 30 obras que li e que estão arrolados (no livro), não se vai encontrar em nenhuma que se diga que Uria tinha uma relação escondida que visava impedir a independência de Moçambique”.
Na óptica de Adelino Timóteo, Uria Simango foi dos mais visionários lutador e libertador desta terra porque, conforme narra, “em 1974 ele e seus vários amigos daquela época constituíram um partido chamado PCN e a ideia era: eleições em 1975 e ‘um homem, um voto’. O problema que temos em Moçambique, falando abertamente, são os pleitos eleitorais que não os temos limpos, justos, transparentes… depois dumas eleições se volta a guerra. Honestamente, hoje, pensando nas palavras de Uria, o ‘um homem, um voto’, está aqui (no livro).”
Vai mais longe dizendo que “nós em Moçambique se tivéssemos seguido o conselho de Uria seriamos um país mais pleno, justo, de todos e de todas as religiões… mas em 1975 uns partiram… 200 mil pessoas… porque eram mais claras que outras. Outras foram para os campos de reeducação… em 75 havia 5 mil pessoas presas em Moçambique, consideradas como contra-revolucionarias, muitas destas morreram… para aí em 1981 eram cem mil nas prisões…”
O escritor assume-se não pessimista, mas um optimista com esperança. E, uma das razões do livro “Os Últimos dias de Uria Simango” é tentar iluminar as novas gerações para que tenham consciência do que se passou e, aclara, “para que aqueles que fizeram o mal a mim, ao Daviz, ao Uria, ao Lutero e a outras pessoas, tenham consciência do que fizeram, e noção de uma reconciliação”.
Repisa o autor da obra, não pretende de forma alguma com o livro debitar mágoas ou contas. “Não se trata de nenhum ajuste de contas”. Acrescenta tratar-se apenas de “um cidadão moçambicano Adelino, empenhado, preocupado em esclarecer alguns fenómenos e situações escuras da nossa história que até hoje muita gente não as quer claras”.
Adelino Timóteo declara assumir todos os riscos que corre no livro e convida a uma leitura de forma segura, pois, tudo o escrito está baseado em documentos.
“Estejam muito a vontade para ler e criticarem-me e, estou disponível para falar deste livro (…) porque tive um privilégio que muita gente não teve, de estar em Portugal onde há um arquivo da PIDE aberto ao público”.
Para o caso dos arquivos moçambicanos, o escritor mostra-se indignado. Anota: “Em Moçambique estamos a 40 anos e não há aberto ao povo nenhum lugar onde os documentos são guardados (…) Porque não os abrimos se a nossa história, aquilo tudo que aconteceu a 40 anos, era justo? Têm medo porquê?"
"Se tudo é verdade, exponham os papéis oficiais! Deixem-nos ver qual era o envolvimento do meu pai com os portugueses! Larguem esses depósitos documentais e mostrem, por exemplo, qual é o envolvimento do Uria Simango com os portugueses que não queriam a independência…”, desafia Adelino que ainda se socorre do facto dos mais completos arquivos mundiais estarem disponíveis para todos. A exemplo enuncia, “dos da CIA alguns consultei. E, uma das formas necessárias de reconciliação, que eu penso, é disponibilizar esses ‘dossiers’ e falar a verdade…” -assim Adelino Timóteo terminou a apresentação do seu livro “Os Últimos dias de Uria Simango.”
Posto isto, foi colocado há disposição da assistência espaço para interroga-lo. Dos presentes a cerimónia perguntou-se-lhe se por ventura mantinha vivo o interesse em escrever sobre a trajectória do seu pai na medida que não encontrou fontes suficientes para tal?
Em resposta, Adelino Timóteo começou por contar que no ano de 2014, estando em Portugal (…) fora abordado por um moçambicano que, mostrando-se conhecedor da sua família, o assustou.
“Consegui perceber que ele tinha relação com Francisco Timóteo Zuca (seu pai), mas vocês sabem, não é muito fácil para uma pessoa que passou uma ditadura, que viveu momentos muito amargos, uma vez num determinado lugar surge alguém e diz que nos conhece. Fiquei assustado (…).”
Num outro episódio, também em Lisboa, explica, na casa em que vivia bateu-lhe a porta uma senhora africana “e eu não abro a porta. Começo a pensar que se está perante uma teoria de conspiração, isto acontece às vezes, todos temos nossas paranoias”.
Para dizer que, “regressado há 7 dias mais ou menos da Europa, venho encontrar a (mesma) pessoa no “Café para Mulheres”, aqui na Beira. Já imaginaram, aquele individuo sobre o qual se esteve com aquelas paranoias em Portugal, vir encontra-lo na Beira!?”
Desse encontro, expõe, o dito senhor afirmara que seu pai não fora morto em Metelela e sim na Base Aérea, na Manga, nesta cidade. Então, Adelino pedira que o acompanhasse a esse lugar “para pelo menos eu saber onde está a vala comum ou a fossa. Ele disse, ‘eu não posso agora. O que acontece é que na altura em que tiraram a vida a seu pai, alguém veio ter comigo e disse olha mataram o Francisco Timóteo Zuca…’ e isto foi no ano de 1977…”.
Desta forma, a fonte argumenta que “é bastante interessante porque foi em 1977 que meu pai desapareceu. Lembro-me, minha mãe foi há Base Aérea visitar o marido e disseram-lhe que foi para Maputo e esta ida a Maputo foi para todo o sempre. Ele (o pai) nunca mais voltou. Então, há sempre coincidências…”.
Indo adiante, o autor do livro “Os Últimos dias de Uria Simango” relata que estando ainda em Lisboa, depois de anunciada a obra, alguém o escrevera afirmando que um primo, dessa pessoa, estivera no mesmo carro que o Uria que saíra do Malawi para Milange.
“Não foi possível conhecer essa pessoa, mas ele escreveu com detalhes e procuro nas minhas fontes se aquilo corresponde a verdade. Disseram-me que realmente num determinado dia depois da prisão de Uria no Malawi, levaram-no de carro até Milange. E, é em Milange que ele tomou o avião e foi para Nachingwea (…) onde depois aparece nos famosos julgamentos de Nachingwea. Então, é assim que as histórias vão aparecendo (…) e há medida que estamos longe da verdade é algo que dói e é preciso ir ao encontro da ausência da mentira. A minha luta é essa, e prometo, não sei quando, mas um dia haverá esse livro que é sobre a memória do meu pai”.
Outro participante ao solene acto indagou: “Às pessoas que estiveram à frente desses processos revolucionários, bem identificadas, inclusive ainda nos governam, Adelino pensa um dia enfrentá-los, perguntando-os num contraditório cara-cara, da razão de terem matado o Uria Simango?” Respondeu:
“Na medida em que me meti nessa ‘empreitada’, eu nunca tive medo! Penso que minha existência está devotada a essas causas. Podia fazer outra coisa na vida, mas concentrei todas minhas energias nesses aspectos que dizem respeito a Moçambique. Vou chegar lá, posso levar um tempo, mas vou chegar lá, com calma chego lá. Agora já estou a pensar em escrever outros livros porque o que vi na Torre de Tombo é tanta coisa, tanta, e alguém tem de fazer algo…”
Outro questionamento vindo da plateia procurou sobre o porquê de “Os Últimos dias…”? Barnabé Lucas Nkomo, autor do livro “Uria Simango: um homem, uma causa”, já na terceira edição surpreende a cada leitura. Este novo escrito do Adelino sobre Uria quererá ‘fechar a porta’, encerrar o tema?”
Adelino Timóteo: “O que fiz foi leitura sobre o escrito por outros e cruzar as várias biografias no sentido de trazer ao de cima aspectos que iluminassem essas zonas cinzentas, escuras".
“Os Últimos dias de Uria Simango” porquê? Porque há algo que as pessoas hoje não percebem. Uria Simango morreu porquê? Para mim, foi aniquilado por uma coisa… na minha tese, na minha teoria sobre aquilo que escrevo nestas folhas impressas… (folheia o livro) … Aquela carta, o embaraço triste na Frelimo, a situação sombria na Frelimo, que ainda hoje quando olho meus cabe-los arrepiam, é de uma actualidade tão impressionante, tão impressionante… Não houve uma carta ainda hoje em Moçambique (…) uma missiva de denúncia, de frontalidade, que espevitasse e mexe-se com as hienas, com as quizumbas, com os sanguinários, como aquela participação."
"Uria Simango com aquela carta tocou no osso e cavou muito fundo… se vocês forem a ler a comunicação vão ver que Uria denuncia os “esquadrões da morte”. Ele aponta (…) sobre quem são os “esquadrões da morte” … passando, transcorrendo pelo tempo, assim de uma forma transcendental, vamos ver que algumas pessoas que foram “esquadrões da morte” no passado são as mesmas que há dois três anos fizeram muita confusão, muitos problemas”.
Acto contínuo, Adelino disse: “São as mesmas que forçaram a mim a sair de Moçambique. Nos últimos 3, 4 anos eu quase não estou no país porque há um problema sério. (…) Sou um individuo bastante livre… todas as manhãs fazia caminhadas na praia. Um dia alguém veio ter comigo e disse ‘olha tu estás a marchar na praia? Tu não podes caminhar na praia!’ Perguntei porquê? (Ele respondeu) ‘Tu pensas que aquilo que tu fazes, escreves no jornal, não é nada, mas há pessoas que estão muito incomodadas e fui militar da Força Aérea e sei como se mata, se rapta, sei tudo. Sairá alguém lá de cima da duna para te dar um abraço e, ao mesmo tempo, crava-te um punhal e ficas estatelado lá!’”
Assim, prossegue Adelino, “durante dias escrevia e ficava em casa. Passei a fazer a caminhada na escadaria (do prédio) e não me sentia um homem livre. Tive que me ir embora. É uma parte que nunca partilhei com ninguém, mas hoje o faço. Se não me sinto livre neste país 40 anos depois, provavelmente há muita mais gente que não se sente livre… e, nesse tempo em que estava lá (Portugal), há medida que ia recebendo informação sobre Moçambique, as pessoas diziam ‘olha Adelino não volte’, …mas quero voltar! Não nasci na Europa, que não me diz tanto. Gosto de Moçambique, do seu clima, das pessoas, do calor humano. Por que é que tenho que viver na Europa? (…) Mas há um problema sério em Moçambique de resolver as coisas com a morte. Há pessoas que se intitulam donas de Moçambique e da vida de cada um de nós… que fazem o bilhete… e não sei se estou nesse mapa… há bilhetes que circulam lá que dizem que olha provavelmente no dia 10 alguém tem que desaparecer e a gente não sabe (…) a vida está a andar… só ouvimos, por exemplo, que morreu… Quando morre o Gilles Cistac estava a uns dias de voltar a Moçambique. Quando ligo, a minha mãe diz ‘olha, faz favor meu filho, o bom é que eu ainda posso ouvir a tua voz’…”.
Sem pestanejar, o escritor também jornalista no “Canal de Moçambique”, continua: “Talvez esteja indo muito a fundo, mas essas inquietações são boas de ser partilhadas. Então vocês fiquem a saber, se me acontecer alguma coisa… eu não levei dinheiro de ninguém, não sou devedor, eu vivo com muito pouco. Se acontecer algo comigo na rua, se me encontrarem estatelado… Não tenho medo da morte, mas fiquem a saber não há outro ajuste de contas. Provavelmente o ajuste de contas pode ser porque o autor do livro disse que Uria Simango escreveu a situação sombria na Frelimo e essa situação sombria da Frelimo que é como se fosse um fantasma que até hoje persegue e mata pessoas, criam “esquadrões da morte”… Os últimos dias de Uria começam ali, que se chateia (…) com o desaparecimento do Silvério Nungo e procura saber onde está. Há medida que faz isso, vão acontecendo outras mortes e quando ele vai procurar saber sobre essas mortes, isolam-no”.
Desenvolvendo a história, Adelino vai consolidando: “Uria Simango (…) vivo, teria sido presidente da Frelimo se não tivesse ido muito ao de cima. E como é que é recebida essa carta? Vocês vão encontrar no livro que a própria PIDE está preocupada com esta carta. Diz que nos movimentos da libertação nacional nunca, nunca, nunca um nacionalista fez uma crítica tão aberta, tão descomprometida como aquela carta (…). Uns dias depois de matarem o Nungo, convidaram o Uria para ir ao interior e, a todos os convites desses, naquela altura, já se sabia você vai para o interior de Moçambique e não volta mais. Uria, depois da carta, fica em casa, é vigiado pela polícia tanzaniana. Procura da protecção do Comité de Libertação da organização da Unidade Africana. Consegue certo apoio, mas já não consegue da Tanzânia. Houve detractores e há outros que o acolheram. (…) Provavelmente quando foi a Cairo, depois de escrever essa carta, (…) pensou que teria tempo pela frente, mas vocês vão encontrar no livro aspectos muito difíceis que ele começa a viver a partir dai (…).”
“Os últimos dias de Uria Simango podiam limitar-se àqueles da prisão, mas não estão só ali. Os retrato também no livro, tem várias fases… há a situação em que depois de a expulsão consegue com muita força aparecer no movimento chamado COREMO que operava em Tete… mas os seus detractores não estão satisfeitos, vão falar com o presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, para expulsa-lo, proibi-lo de entrar na Zâmbia… O drama do Uria foi esse, não só foi a prisão, os últimos dias antecipam todas as situações que vão culminar com o ajuste de contas (…).”
“O Marcelino dos Santos diz numa entrevista, que cito neste livro, ‘olha, nós decidimos matar o Uria por uma questão de recalcamento e de ódio muito antigo’… Estas afirmações contextualizam com a teoria que estou a defender, que os últimos dias de Uria são questões que ainda vêm de trás. Não é o facto de ele ter participado na revolta de 7 de Setembro em Maputo porque quando esta ocorre ele está na Beira. Dia seguinte é que vai para Maputo… e, se essa revolta fosse efectivamente a razão de ajuste de contas, Uria em Maputo (Lourenço Marques naquela altura) não queria outra coisa senão eleições em Moçambique, não queria outra coisa…”
“E, Uria Simango conseguiu fazer uma coisa interessante que foi uma coligação com vários partidos para concorrer às eleições… e sabe o que é que ia acontecer? Em 1975, tenho certeza, que a Frelimo ganharia as eleições… (…) Então, o medo das eleições fez com que a Frelimo em 1975 não quisesse eleições. Até hoje tem medo, até hoje!” — finalizou assim Adelino Timóteo que falava na cerimónia de lançamento do seu último livro “Os Últimos dias de Uria Siamango”, no passado dia 15 de Março, no Auditório Municipal (ex-cinema Novocine), na cidade da Beira.
Na obra, que retrata a vida e obra de Uria Simango em 200 páginas escritas entre os anos 2012 e 2014 em Portugal, o autor gostava que o leitor encontrasse uma certa pulsação de sentimentos que o tornou bastante sensível, relacionada com a justiça de um homem contra o outro homem porque nenhum ser humano tem o direito de tirar a vida de outro. (A ler na versão impressa próximo dia 15 - M. Hanif Mussa)
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