rancor do pobre
Estou zangado e muito zangado mesmo, Refinaldo.
Há muito tempo que não tinha contacto físico com Moçambique libertado do jugo colonial português em 1975 pelos moçambicanos liderados pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).
Não sou da Frelimo e nem contra ela. Mas a minha simpatia com o partido libertador perdeu alguns quilos nos últimos anos por causa de escândalos de gestão da coisa pública envolvendo dirigentes do topo até à base.
Sou fanático de Samora Moisés Machel, digam o que disserem sobre ele ou seu governo. O homem era muito sério contra a corrupção. Não tinha contemplações com o mal, mesmo com os camaradas corrompidos mais próximos.
Morreu pobre, apesar de ter governado o país durante 11 anos e quatro meses.
Apoiou sem reservas a luta de libertação da vizinha e poderosa África do Sul do regime racista do apartheid.
Dizia que depois da derrota do apartheid, Moçambique e África do Sul teriam relações de amizade e de cooperação mútua como estados soberanos, sem dominação nem chantagem de um contra outro, independentemente do poderio económico-industrial do vizinho.
Samora era homem com H e mostrou isso na Casa Branca em Washington DC, perante o seu homólogo Ronald Reagan, mesmo sabendo que Moçambique era mil vezes mais pobre que os Estados Unidos da América.
Mostrou a Peter Willem Botha em 1984 durante a assinatura do Acordo de Inkomati.
Eu estive em Maputo de férias quando o arrogante Presidente da Turquia efectuou uma visita de pouco mais de 24 horas.
Acompanhei os discursos em directo na televisão e mais tarde nos noticiários locais. Erdogan falou de terroristas turcos que podem estar algures em Moçambique, alguns no ensino privado.
Um amigo disse-me que na cidade da Matola, perto da capital do país, há uma escola privada de capitais turcos.
De certeza que os seus gestores devem ter ouvido a voz do seu Presidente falando a partir do Palácio na JuliusNyerere.
Erdogan tem problemas com os seus pares na Europa e com os Estados Unidos da América.
Depois da fracassada tentativa de golpe de estado em 2016, o Presidente turco vomitou cobras venenosas e lagartos sobre os Estados Unidos da América, acusando-os de acomodarem um líder rebelde turco e pedindo a sua cabeça para julgamento em casa.
Veio a Moçambique e fez mais ou menos a mesma coisa.
Em Joanesburgo, um jornalista turco, correspondente da agência de notícias da Turquia na África do Sul, que costumava visitar Maputo, desapontado com o seu Presidente, disse-me o seguinte: “my friend, this is bad. The daughter of President Nyusi is doing Master degreein Turkey. Is she a terrorist too..? ” – “meu amigo, isto é mau. A filha do Presidente Nyusi está a fazer Mestrado na Turquia. Ela também é terrorista...?”
Confesso que nem sabia que a filha do Chefe do Estado moçambicano está na Turquia. A última vez que estivemos juntos foi há mais de dois anos em Carletonville, região mineira ocidental de Joanesburgo. Ela estava a terminar a sua Licenciatura na África do Sul.
A minha mãe, Alcina João Machava, havia dito que o pobre não tem rancor.
Agora posso acreditar, porque o Presidente Nyusi podia tirar a sua filha da Turquia para casa ou para outro país em protesto e rancor contra a arrogância de Erdogan.
THANGANI WA TIYANI
CORREIO DA MANHÃ – 01.02.2017
Extradição de “terroristas” é moeda de troca da Turquia para investimento em Moçambique
Com a entrada de fundos do FMI e da comunidade de doadores em queda, o investimento estrangeiro é vital para Moçambique em 2017. Neste contexto, e com promessas de investimento no país, desembarcou em Maputo, a 23 de Janeiro, Recep Tayyip Erdogan, primeiro presidente da Turquia a visitar o país. Mas o desenvolvimento de relações económicas tem uma contrapartida – a extradição de supostos “terroristas” turcos baseados em território moçambicano.
Erdogan, que sobreviveu a uma tentativa de golpe de Estado em 2016, em que morreram 265 pessoas, pediu ao seu homólogo moçambicano, Filipe Nyusi, que o ajudasse a “capturar” os seus adversários políticos que acredita estarem em território moçambicano. O chefe de Estado turco chegou mesmo a acusar alguns destes exilados de estarem por detrás da recente tentativa de golpe de Estado.
O pedido foi feito num encontro a sós com Nyusi, a quem Erdogan solicitou apoio para neutralizar alegadas células terroristas turcas que estarão infiltradas em Moçambique, vincando que estão envolvidas no sector do ensino e outras actividades sociais ligadas ao desenvolvimento. Os seus planos, alertou, também podem afectar Moçambique.
Segundo jornalista moçambicano Marcelo Mosse, a extradição destes indivíduos para a Turquia já foi formalmente pedida, mas o assunto não é prioritário para as autoridades moçambicanas. “Quando zarpou para o ataque à rede de escolas Willow [uma escola privada sediada em Maputo detida e gerida por cidadão de origem turca, e um dos alvos de Erdogan] e à acusação de que Moçambique albergava terroristas ligados à intentona de Julho passado na Turquia, fê-lo com contundência desmedida, fora dos cânones diplomáticos, numa interlocução que carregava todos os ingredientes da chantagem ou de quem esperava uma retribuição por dívida passada. Chantagem porque a Turquia tem dinheiro para investir em Moçambique; dívida de gratidão porque a Turquia ajudou na campanha presidencial de Filipe Nyusi”, afirma Mosse.
Mosse adianta que dinheiros turcos foram usados para pagar parte das despesas de transporte do candidato da Frelimo na última campanha eleitoral: 8 milhões de dólares. “Erdogan sabe que a contrapartida seria a oferta, por Moçambique, de um projecto de energia em Nacala, que depois não se concretizou. Ele quer que a promessa seja cumprida”.
Moçambique e a Turquia têm relações diplomáticas e de âmbito comercial desde a independência moçambicana, em 1975. A Turquia figura na lista dos dez maiores investidores no país (entre os quais se encontra Portugal), com um volume de trocas comerciais que ascendeu, em 2015, aos 120 milhões de dólares, contra os anteriores cinco milhões no ano de 2003.
Durante a visita, Erdogan traçou como objectivo elevar para 500 milhões de dólares o valor das trocas comerciais anuais entre os dois países, quintuplicando o nível actual: “A Turquia tem muitas possibilidades nas áreas tecnológicas e técnicas, pode dar o seu contributo para que a cooperação resulte em vantagens mútuas”. Foram assinados acordos bilaterais nas áreas económica e comercial, promoção e proteção de investimentos, turismo, cultura, supressão de vistos para pessoal diplomático e consultas políticas.
A Turquia é um dos seis observadores associados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O aumento da presença turca entra em concorrência directa com os interesses económicos de Portugal no país, dada a similitude dos perfis empresariais dos dois países, de acordo com o Briefing Africa Monitor. O sector industrial, do turismo, construção e téxtil são exemplos disto, no entanto o maior risco poderá advir da concorrência no sector agro-alimentar e retalho, onde as marcas turcas continuam a ganhar espaço vital às marcas portuguesas, com preços altamente concorrenciais.
Por Emmanuel de Oliveira Cortês
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