O que disse, como disse
1-Primeiro o estilo. A comunicação de Pedro Passos Coelho é a primeira da
nova fase, no qual as palavras "consenso" e "diálogo" assumem o peso que sempre
deveriam ter tido nas relações do Governo com os partidos da oposição e, até,
nesta última fase, com os parceiros sociais.
É uma pena que se tenha tido de esperar tanto tempo - o que coincidiu com a
entrada de Poiares Maduro no Governo - para que o primeiro-ministro tenha
percebido o valor europeu daquilo que agora designa de "bom senso" interno.
Ainda assim, é uma evolução positiva. Em democracia, a humildade deveria ser
uma qualidade indissociável do exercício do poder. Vale a pena admiti-lo. E
praticá-lo seria ainda mais generoso.
O problema está em que Pedro Passos Coelho não lida ainda bem com o seu novo
papel ou não teria enviado remoques às "ilusões" dirigidas "àqueles" que têm "a
ideia de que a Europa lá estará para nos socorrer". Teria ganho em ser
substantivo, porque aquilo que está em causa é demasiado importante para que se
perca tempo em remoques.
2-Depois, o rigor. O primeiro-ministro apresentou um conjunto de medidas que
somam 4,8 mil milhões de euros até 2015 - e diz que está disponível para as
substituir por outras que tenham o mesmo significado em termos de cortes
permanentes na despesa. Com isto quer fechar o dossiê da sétima avaliação da
troika que, ao contrário do que foi dito, não reabriu por causa da decisão do
Tribunal Constitucional (TC). Essa é uma imprecisão grave. A sétima avaliação
nunca foi fechada porque faltava apresentar os cortes na despesa para os
próximos anos de quatro mil milhões, tal como o Governo se tinha comprometido
quando da quinta avaliação. As consequências do TC só se somaram a esse
atraso.
E, com certeza com bastante pesar de uma parte significativa da sociedade
portuguesa, estes cortes antecederam a discussão sobre a reforma global do
Estado - que é, tem de ser, muito mais do que uns cortes avulsos para
corresponder a necessidades momentâneas (mesmo que urgentes e imprescindíveis na
relação de confiança com os credores).
3-Finalmente,a substância. As medidas, como se esperava, carregaram nos
funcionários públicos e nos pensionistas (três mil milhões!), onde, somando as
prestações sociais, se concentram cerca de 70% da despesa do Estado. Têm uma
folga de 800 milhões para discussão. Visam, sobretudo, "racionalizar a
administração pública". Trazem um potencial de polémica com a taxa de
solidariedade, que esperemos que seja constitucional, sobre as pensões. Encerram
mais um enorme sacrifício para muita gente em Portugal - e não se percebe também
porque é que, sendo imperioso reestruturar o Estado, o Governo demorou dois anos
a avançar, e ainda agora sem uma discussão de fundo, só com medidas a granel,
discutidas com enormes tensões no Conselho de Ministros, e que podem ser
substituídas através das maravilhosas virtudes do "consenso" e do ""diálogo".
Não faz qualquer sentido. As interpretações que a este respeito se pode fazer
são muitas, e nenhuma resulta boa para Passos Coelho e o seu Governo.
4-E ainda os objetivos. O primeiro-ministro falou no assunto mais sensível e
pela segunda vez em menos de um mês: "Está nas nossas mãos evitar o segundo
resgate", disse. A ameaça paira, de facto, e muita gente evita falar nela no
terreno público. Mas convém acrescentar que se tal acontecer, além das
dificuldades acrescidas para o País e os seus habitantes, de que Passos Coelho
falou, isso também significaria um falhanço total do Governo, da sua estratégia,
das políticas seguidas - o que não poderia deixar de ter consequências
políticas. A queda do Governo, claro.
Não se sabe ainda como a economia reagirá a mais estes cortes, mas não será
seguramente a crescer. Manuela Ferreira Leite fala em "desastre". Esperemos que
não tenha razão.
António José Seguro, em entrevista à TVI, reafirmou que o PS não fará
qualquer acordo global em torno de mais medidas de austeridade. O Governo está,
pois, entregue a si próprio, às suas convicções e a mais um estranho silêncio do
CDS, até amanhã...
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