Vi hoje um comentário que resume bem o abismo onde estamos a cair.
Alguém escrevia, com toda a legitimidade:
“Até ao momento, o discurso de VM tem sido desprovido de uma mensagem ideológica que justifique apoiá-lo. O que tenciona fazer sobre a Saúde e a Educação? O que tenciona fazer para minorar a pobreza? O que tenciona fazer pela paz em Cabo Delgado? O que tenciona fazer pela libertação de centenas de apoiantes seus que ainda permanecem presos? As suas respostas a estas questões ficam sempre no vago indefinido.”
A resposta de um seguidor afinco foi esta:
“Essas perguntas não se fazem a quem está a governar, ilustre?”
Está tudo aqui. Numa frase. A ideia de que o segundo candidato mais votado, o homem que se apresentou como alternativa, como esperança, como rosto de mudança, está dispensado de responder sobre saúde, educação, pobreza, Cabo Delgado, presos políticos. Como se a responsabilidade fosse monopólio de quem governa e a oposição tivesse como única função apontar o dedo e produzir espectáculo.
Esta tem sido, de forma assustadoramente sistemática, a retórica de muitos defensores, seguidores e até correligionários de Venâncio Mondlane. Libertam-no de qualquer responsabilidade concreta sobre a resolução dos problemas do país. Tudo o que seja exigir proposta, caminho, prioridade, é imediatamente devolvido com o mesmo refrão: “perguntem à Frelimo”, “isso é com quem governa”, “criticar VM é defender o sistema”. É uma lógica que, para além de intelectualmente pobre, é politicamente perigosa, porque transforma a oposição numa espécie de influencer indignado, mas sem dever de programar, nem coragem de assumir compromissos.
Há ainda um outro dado curioso: são raros os seus seguidores que se comprometem publicamente com a proposta ideológica do engenheiro, aquilo que ele próprio apresentou como visão: um só deus, valores de família apimentados com Ubuntu. Quando se entra nesse terreno, a maioria recua, desvia o assunto, muda de tópico. Não vemos essa ideologia ser assumida e defendida com clareza. Vemos, isso sim, uma base de apoio que prefere o ruído, o conflito permanente, o ataque, a descontextualização.
Junta-se a isto a velha estratégia de quem não quer discutir seriamente nada: o ataque como melhor defesa. Qualquer comentário crítico é imediatamente lido como ataque pessoal ou como defesa da Frelimo. Responde-se A com Z. Fala-se de bandeira, responde-se com neocolonialismo. Fala-se de responsabilidade, responde-se com “vocês onde estavam em 2010?”. Tira-se tudo do contexto, ridiculariza-se a pergunta, agride-se o interlocutor. Não há debate, há trincheiras.
O exemplo da bandeira dos Estados Unidos, puxado para justificar o teatro da “nova bandeira de Moçambique”, é sintomático. Compara-se um processo histórico de guerra civil, luta por direitos civis, séculos de reflexão constitucional, com um concurso de redes sociais apresentado como se fosse um processo histórico, participado e nacional. E, pior do que isso, comunica-se ao país, num cartaz oficial, que “Moçambique tem uma nova bandeira” escolhida pelo “público” – não pelo povo, não pela nação, não pelos mecanismos constitucionais que existem para isso. Público de redes sociais não é povo. E chamar a isso “processo histórico” não é erro inocente, é manipulação.
As respostas são sempre as mesmas: ou porque a Frelimo fez isto, ou porque a Frelimo faz aquilo, ou porque “então você defende a Frelimo?”. Como se o mundo estivesse dividido em dois campos: ou se aplaude Venâncio, ou se é cúmplice do regime. Como se não existisse o lugar de quem, tendo lutado contra os abusos da Frelimo, se recusa, com a mesma firmeza, a aplaudir populismo, mentira e irresponsabilidade política.
É precisamente desse lugar que falo. Votei em Venâncio nas eleições. Digo-o com toda a frontalidade. Tal como milhares de moçambicanos, acreditei que poderia ser um verdadeiro líder da oposição, alguém que assumisse no Parlamento, e no espaço público, a responsabilidade de enfrentar os problemas graves do país com coragem, seriedade e propostas concretas. Não votei na ilusão de que seria Presidente, votei na esperança de que fosse a voz firme e consequente de uma oposição à altura do sofrimento do povo.
Hoje, não me revejo em nada, absolutamente nada, desta forma de fazer política. Nem na ideologia que se foi clarificando, nem no estilo, nem na pobreza intelectual de muitos dos seus defensores. Venâncio tem responsabilidades perante o país, tal como as tem a Frelimo. O facto de o partido no poder estar há décadas a arruinar o país não desresponsabiliza quem se apresenta como alternativa. Pelo contrário: aumenta o grau de exigência. A oposição que recebe votos do povo é parte da solução, não é comentadora residente das desgraças nacionais.
Quando olhei para ele, olhei a partir de uma lista concreta de problemas, que estão aí, todos os dias, à nossa frente: corrupção estrutural, desigualdade social absurda, instituições democráticas frágeis, captura do Estado por elites políticas e económicas, um sistema de justiça lento e vulnerável, uma educação em colapso, um sistema de saúde subfinanciado ao ponto da crueldade, desemprego juvenil massivo, insegurança alimentar, exploração de recursos naturais sem benefício para o povo, conflitos armados e instabilidade em Cabo Delgado e noutras zonas, urbanização caótica, cultura de medo e repressão.
Votei acreditando que veria um empenho obstinado em atacar estas feridas. O que tenho visto, em vez disso, é teatro. É uma ideologia ambígua, afinada com uma extrema-direita global à qual nunca, em consciência, posso entregar o meu voto. É simpatia pública ou tácita por figuras e movimentos cuja marca é o ódio, a intolerância e o autoritarismo. É um episódio da bandeira que não passa de encenação, ruído, marketing e vaidade política.
E aqui chegamos ao ponto que mais doeu nestes dias: depois de anunciar ao país, em cartaz, que Moçambique “tem uma nova bandeira”, supostamente escolhida por um “público” de redes sociais, o mesmo projecto é agora entregue como anteprojecto à Assembleia da República. Ou seja: primeiro criou-se o espectáculo, a ilusão, o “já ganhámos”, a sensação de consumação de algo que nunca aconteceu; só depois se recua à legalidade, como se o Parlamento fosse palco para legitimar a peça que já estreou no Facebook.
Como eleitor, sinto-me traído. Eu já tenho uma bandeira. O país já tem uma bandeira, com história, sangue, erros, dores e glórias. Podemos discuti-la, podemos questionar o lugar da arma, podemos desejar evoluções. Mas fazer disso um concurso de entretenimento, num país com os problemas que temos, é uma falta de respeito para com o povo e para com a própria ideia de política. O que se está a fazer com a bandeira não é justiça histórica. É barulho.
E aqui entra o décimo quarto problema, aquele que guardo para o fim porque, em vez de o resolver, esta forma de liderança o agrava: o populismo crescente e a manipulação da juventude.
O populismo não é só um estilo. É uma forma de manipulação emocional que encontra terreno fértil num país onde a juventude está desempregada, se sente abandonada, perdeu confiança nas instituições e procura desesperadamente alguém que fale a sua linguagem. É exactamente nesse vazio que o populismo cresce. Cresce rápido, cresce fácil e cresce sem escrutínio.
O populismo não oferece soluções, oferece espectáculos. Promete muito, concretiza pouco. Enche o espaço público de slogans, vídeos virais, frases fortes, polémicas diárias. Transforma a política em entretenimento. Enquanto a juventude está ocupada com lives, danças, “novas bandeiras” e “novas repúblicas”, as perguntas difíceis ficam sem resposta: o que se vai fazer pela saúde? Pela educação? Pela pobreza? Por Cabo Delgado? Pelos presos? Pelas mulheres vítimas de violência? Pelos jovens sem trabalho?
O populismo não trata a juventude como cidadania, trata-a como plateia. Precisa de aplauso, não de pensamento crítico. Em vez de formar cidadãos, fabrica fãs. Em vez de descentralizar o poder, concentra-o na figura do líder carismático. Em vez de fortalecer instituições, alimenta a lógica do “só ele nos representa”. E quando uma classe política descobre que pode controlar um país através de conteúdos virais, a democracia começa a ajoelhar.
O populismo manipula frustrações reais. O jovem moçambicano tem todas as razões do mundo para estar indignado: pobreza, falta de oportunidades, exclusão social, violência policial, um futuro à vista curta. Mas em vez de transformar essa revolta em programa, o populismo transforma-a em combustível. Usa a dor como energia, sem qualquer responsabilidade sobre o destino dessa energia. Alimenta a raiva, mas não constrói caminhos.
E, no limite, abre espaço para extremismos. Quando um líder fala como se só ele fosse o povo, como se quem o critica fosse inimigo, quando mistura religião com programa político, quando propõe “um só deus” e “valores de família apimentados com Ubuntu” como base da vida pública, quando sugere que discordar dele é automaticamente ser Frelimo, não está a fazer política: está a fazer doutrinação emocional. E a história do mundo já nos mostrou demasiadas vezes onde este guião costuma terminar: intolerância, culto da personalidade, experiências autoritárias.
No meio disto, a capacidade crítica da juventude é corroída. Um jovem manipulado torna-se incapaz de distinguir verdade de propaganda, cego perante os erros do seu líder, agressivo com quem pensa diferente, vulnerável às mentiras que lhe atiram. Passa a confundir barulho com mudança, viralidade com vitória, seguidor com poder. E um país onde a juventude deixa de pensar é um país sem futuro.
É por isso que digo, com tristeza e com revolta: aquilo que se apresentou como solução corre o risco de se tornar mais um problema para Moçambique. Já não bastava termos um Estado capturado, uma corrupção sistémica, uma desigualdade obscena, uma justiça fraca, serviços públicos em colapso, conflitos armados e uma cultura de medo. Agora somamos a isto um populismo ruidoso, irresponsável e sedutor, que promete tudo e, no fim, acrescenta apenas ruído à dor.
Pergunto, então, com toda a simplicidade: algum destes problemas – corrupção, pobreza, saúde, educação, Cabo Delgado, justiça, emprego – fica resolvido com uma nova bandeira? O pano muda o quê na vida da mulher que madruga na fila do hospital, dos jovens que estudam debaixo de árvores, dos trabalhadores que apanham três chapas por dia para ganhar um salário que não chega ao fim do mês?
O povo moçambicano – esse sim o verdadeiro herói desta história – merece respeito. E respeito, em política, começa por isto: quem recebe votos assume responsabilidades. Não se esconde atrás dos erros da Frelimo. Não transforma tudo em espectáculo. Não trata a juventude como claque. Não chama “estratégia” àquilo que é, no fim, pura manipulação.
Eu votei em Venâncio. Hoje digo, com a mesma clareza com que depositei o voto: não me revejo nesta forma de fazer política. E, como eleitor, não lhe retiro a responsabilidade que tem. Pelo contrário: exijo-a. Não preciso de bandeiras novas. Preciso de respostas novas. E de coragem para enfrentar, de frente, os problemas que realmente estão a matar este país.
Luciano Mapanga
Há perguntas que só são feitas por pessoas que não se deram o trabalho de ler o manifesto político do VM. VM foi candidato presidencial e trazia um manifesto eleitoral consigo... Procuremos pelo manisfesto. Não se pode resumir a actividade política daquele homem somente a assuntos ligados a mudança da bandeira.
- Responder
- Editado
Rui Pinto Martins
Barulho só....a isto que resume. Barulho. Eu votei nele.
- Responder
Reginaldo Ernesto Massango
Palhaçada. Apenas palhaçada e entretenimento. O espaço público virou um picadeiro onde são exibidos espectáculos circenses. A luta é angariar espectadores. Até porque pagam pelo espectáculo ( imposto voluntário).
- Responder
- Editado
Reginaldo Ernesto Massango
Por favor, Rui! Não toque ou fale mal do ungido de Deus. Não é relevante apresentar nenhum programa sólido ou ter coerência no que prega e diz. No final, será operado um milagre. Se não acontecer assim, será por causa da força das trevas ( frelimistas).
- Responder
Jim Nhambau
Quem pode dizer o quê á FRELIMO?
- Responder
Serito Ossemane
Dércio Alfazema arranjou um bom parceiro
- Responder
Rui Pinto Martins
Serito Ossemane O seu comentário é exatamente o tipo de intervenção que está a transformar o debate político moçambicano numa extensão da farra, da chacota e do sensacionalismo — um estilo mais próximo do show do Fred Jossias do que da cidadania responsável.
Quero deixar isto cristalino:
repudio totalmente a forma como muitos têm reduzido Venâncio Mondlane a insultos como “Boss dos Naparamas”.
Discordo profundamente das suas posições ideológicas, mas atacar assim o segundo candidato mais votado não só empobrece o debate como revela uma preocupante falta de ética.
Esse tipo de linguagem não me representa, não me interessa e não me verá a reproduzi-la.
Mas o mais curioso — e até revelador — é que, perante um debate sério sobre política, responsabilidade e ideias, o seu contributo seja apenas lançar piadinhas sobre “bons parceiros”.
Isso não é pensamento político.
Isso é fuga ao debate.
Se quer discutir Moçambique, então diga o que pensa:
– que país quer?
– que políticas defende?
– que soluções propõe?
– como avalia a ideologia do ANAMOLA?
– como interpreta o estilo populista que tem marcado a oposição?
Ironias e indirectas não acrescentam nada.
O país precisa de argumentos, não de soundbites.
Precisa de consciência crítica, não de malabarismos de Facebook.
Por isso, deixo-lhe o desafio:
suba o nível.
Porque reduzir divergências políticas a brincadeiras não é coragem — é falta de seriedade.
E Moçambique já tem problemas suficientes para ainda lidarmos com quem transforma a política num espetáculo.
- Responder
Serito Ossemane
Rui Pinto Martins saiba aceitar as diferenças mesmo que não concorde
- Responder
Rui Pinto Martins
Não percebi onde está implícito no meu comentário que não sei respeitar as diferenças? Você começou por mandar uma piada alegando que eu poderia ser parceiro de alguém. Eu respondi de forma clara. Agora o que diz agora veio de onde?
- Responder
Harishankar Ibraimo
VM7 não tem poder político algum, vamos lá nos focar nos decisores actuais-antigos que deveriam trazer mudanças...
- Responder
Hérido Miranda
Este papá. Ehhhhh.
- Responder
- Responder
Carolina Menezes Matos
Palhaçada. Em Moçambique e para muitos moçambicanos, como bem dizes Rui Pinto Martins , arrumar o que está errado, é fazer barulho e desmantelar o que está feito. Oposição é para trabalhar e trazer soluções para os problemas, consertar o que está errado e não substituir aqueles que eles criticam. Dantes o mote era o colonialismo culpado de tudo e agora são os 50 anos e, muitos dos que enchem a boca a falar nisso encheram a barriga e arrumaram a sua vida durante esses 50 anos e outros nem nascidos eram. Oposição não é só falar, é agir, é atitude e mostrar trabalho que contrarie o que de mal existe.
- Responder
Jose Tique
Isto xta a animar
- Responder
Jose Tique
E assim o Rui acaba de fazer as pazes com os seus pares.
- Responder
Jose Tique
E agora xtamos todos bem identificados, somos todos barulhentos
- Responder
- Responder
Bruno Florencio
Brada... honestamente nao li tudo... até porque basta um paragrafo dos extensos 29 para perceber a ideia, o resto é redundancia... mas mais importante que isso... não entendo como é que alguem teoricamente nao alinhado com o sistema, alguém que pode e deve ter uma visão mais alargada, especialmente com responsabilidades sociais, apresenta um texto destes... nenhum lider, nunca estará isento de falhas, ou de acções que agradem a todos! Mas sinceramente... como diria um filosofo que treinou o Benfica... isto sao "peanurs" ...
- Responder
Elisio Macamo
é isso.
- Responder
Gito Katawala
Em retrospectiva dá para advinhar (entender) onde aconteceu a ruptura com VM. Eu arrisco a dizer que foi quando ele aceitou o aperto de mão com o tuga do CHEGA.
HEHEHEHEHE
- Responder
- Editado
Kuyengany Produções
Eu sou o "alguém " só para tirar dúvidas
- Responder
Francisco Máximo
Meu querido amigo, tens toda a razão no teu discurso. Não achas que está na hora de subires o nível? Ires para um patamar mais publico, fora do FB?
Terias o meu apoio e de muito mais gente!
- Responder
Mudungaze Dinguiraye
A luta continua.....

Sem comentários:
Enviar um comentário