Cristiano Matsinhe
8 de agosto às 05:40 ·
Doutor Honoris Paz
Sabe daquele momento em que a euforia está ao rubro e aparece alguém avoado a insinuar que o balão de ar quente está furado ou vai furar? Aquele momento em que, das alturas, no auge da contemplação da floresta alguém te lembra que a casa está a arder? O desmancha prazer? "Espírito de porco"? Não é intencional.
A permear o tão almejado "Olá paz", Cabo Delgado se dilacera nas entranhas, com quilómetros de tripas esticadas, quais cordas raras para estender e secar a nossa miserabilidade para quem quiser comtemplar. Claro, uma coisa de cada vez e Cabo Delgado é outro assunto. Mas qual assunto?
Aí mesmo nas cercanias da tenda corcunda, pódio do eufémico "cessar de hostilidades", pacto da paz, esperada perpétua "homens armados" (antes fossem animais) atacam autocarro e camião. Motorista ferido e um dos veículos imobilizados. Invejosos! Inconformados com o "nosso sucesso". De que sucesso falamos? Deixa esses "nhoguistas" ou então... o "Governo e a Renamo" irão caçá-los sem tréguas. Tipo "aliados naturais" re-definindo a noção de Estado e Governo. Menos mal.
Mas esse roteiro não é demasiado óbvio? Ainda que conte com a prerrogativa da exaustão e duma anti estreia, para os aldeões verem; seguida da tradicional apoteose da chegada à capital, com direito à coroa de flores no pescoço de Ossufo Momade, qual turista havaiano de gorongosa; selado no nem tão badalado encontro em praça de touros... já não vimos isso antes? Déjà-vu? Decalque histórico ou falta de criatividade?
Onda vermelha. Qual avalanche extemporânea de avacalhamento do Estado, aquele mesmo ao qual se promoveu um efusivo escangalhamento para que das entranhas nascessem os frutos da revolução. Até hoje não aprendemos que a falta de consciência de "limites" (escolha você entre emocionais, éticos, morais, programáticos e até maquiavélicos) leva-nos apenas até este mesmo lugar, de onde alguns insistem em convalescer e muitos procuram libertar-se?
Onda azul. A curtir o bónus da semana da "paz perpétua", seguros de que não haverá represálias, que poderiam minar a promoção da "boa vontade" regada a 60Milhões de trocados, dos mesmos (in)suspeitos de sempre que não tem dificuldades de, pleito após pleito, cantarolar das "justiças e liberdades das eleições, ainda que... pouco transparentes"? E como conseguem então ver liberdades e justiças por urnas nada transparentes? Só com super poderes e supra interesses.
Orgulhosamente, FJN lavou parte da sua (a)lama e mostrou aos mais velhos, e a quem quisesse ver, que merecia o seu quinhão no panteão dos pacificadores. Disse até que já havia avisado aos amigos dos reinos além mar, que um dia iria concluir esse curso dito de paz e que também teria o seu diploma: "Doutor Honoris Paz", em tempo regulamentar. Foram todos convidados à cerimónia de graduação, qual debutante ansiosa em cumprir os "ritos de passagem", da adolescência para fase adulta. "Escreve o que te estou a dizer". Só não veio quem não quis. Ou não pôde, pelas suficientemente obscuras... "razões de agenda".
A inominada coreografia da paz é uma dança que preformamos, de tempos em tempos, para atrair espíritos amigos a soltarem algibeiras para alimentar nossos instintos guerreiros, geralmente dormentes entre eleições e que são ativamente despertos em vésperas e/ou após eleições, seja para evidenciar o quão magnânimos e generosos somos, como para demonstrar a possibilidade de viabilidade, como país aderente a preceitos de governação globalmente aceites, ou simplemente para contestar resultdos. Como diz o outro, "Moçambique tem tudo para dar certo". Ora, dar certo, dar à torto ou direito... o importante é dar!
Pena que os próprios coreógrafos e maestros da paz exibam limitada consciência do palco em que actuam, não fossem encantar-se somente por pactos obscuros, em que somente eles sabem dos termos da dança, camuflada em inconfessáveis "questões militares" que transcendem a qualquer juízo. Aos demais participantes, digo coadjuvantes da coreografia da paz, cabe-lhes apenas a felicidade de aceitarem ser arrastados para reedições e reproduções miméticas de espetáculos já vistos, tendo como bilhete de ingresso a obrigação moral de apoiar e aplaudir qualquer iniciativa que concorra para o apaziguamento de ânimos e poupança de sangue de inocentes que aspiram apenas por um equilibrado nivelamento de terreno onde duramente labutam. Assim se arrastam os conformismos e a aceitação de discursos medíocres de e sobre paz, na esperança de que um dia, fenomenologicamente falando, por algum engano que seja, a "paz efectiva" se torne realidade.
Em tal cenário, a reconciliação e o alimentar da paz é um imperativo de sobrevivência e não necessariamente de cultivo de valores, quaisquer que sejam, entre pertença, direitos e deveres, e muito menos a expressão duma fundação ética e moralmente partilhada.
Vergonhosamente, a cada tantos anos, somos arrastados para esta feira da paz que já vai na sua terceira edição, qual FACIM alimentada a sangue. No mercado da paz, para não destoar, saem os italianos, entram os suíços como expositores da "boa vontade" e da amizade. Como se não bastasse, nesta edição, corremos o risco de receber a bênção papal, no que se suspeita que venha a ser um verdadeiro encontro de titãs: Entre o quase deificado Presidente FJN (agora "Doutor Honoris Paz", especialista na criação e resolução de conflitos) e o Papa Francisco, ambos "representantes de Deus na terra", como reivindicam cartilhas político bajulatórias e escolásticas teológicas. Assim seja.
Meu único receio é esvaziarmos a noção de paz, em nome do espetáculo e de gestos grandiloquentes de consagração de si.
73Joseph Alexius Faya, Dioclécio Ricardo David e 71 outras pessoas
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Comentários
Reginaldo Mutemba Paz dos grandes, que pode não se reflectir em todas esferas da sociedade. Paz negociada pelos dois... sem intermediários. Mas uma paz a ser celebrada cegamente por não sabermos que conteúdos os acordos trazem. Tudo segredo do Estado. Que garantias há de que haverá concessão de ambas partes, sacrifício de quem goza de benefício. E, como ficamos imune da ocultação processos inerentes a exploração de recursos faunisticos, florestais, minerais, aquáticos... que de repente ficamos nós exploradores de nós mesmo?
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Cristiano Matsinhe Pois, é nesses secretismos que acabam cedendo a pátria. Um dia destes acordas e percebes que os mediadores não eram só isso, como também cúmplices. Pior ainda quando nos lembramos que tal fórmula foi antes experimentada com trágicos resultados.
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Benedito Mamidji É obvia a instrumentalização política desta dita paz e os propósitos que ela serve. A pompa serviu mesmo para selar esse propósito que é cimentar o único ponto que se quer que tenha sido o maior feito desta governação resilientemente poeirenta. O timing não é fortuito. Faz tudo parte de uma orchestra a que agora dá se o nome de onda rumo a outubro. E na sua sempre característica ingenuidade (ou despreparo) a Renamo dançou ao ritmo. Resta saber se ela está ciente quem é o maestro da orchestra. O momento do cair dos panos esse até as pedras sabem como é. A dúvida é o tamanho da cenoura que receberá para calar assim que aquilo que tiver que acontecer tiver acontecido. É já no virar da esquina e saberemos.
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Cristiano Matsinhe Inexoravelmente!
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Kedy Antonio um homem inteligente disse uma vez alguns reclamam que o Estado esta partidarizado, mas na verdade nao porque estao interessado na despartidarizacao do mesmo o facto eh que sempre quiseram a "partidarizacao a dois" eh que "aquele Estado" parece um desses bufes dos nossos casamentos la da zona onde quando a comida chega tenho que correr para ir servir o maximo que puder, pois nunca se sabe quando quiser voltar "binar" pode nao haver mais nada sobrando.
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Helder Pires Pelos vistos teremos infelizmente um longo caminho de infindáveis coreografias da paz até que os coreógrafos e maestros tenham consciência do palco no qual atuam!Haja paciência!
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Boa Monjane O teu escrito é uma humilhação. Quando, oh universo, poderei rabiscar com tamanha proeza?
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Carla Braga Nao me parece uma questao temporal... escrever assim, e privilegio so de alguns...
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