sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Desculpa, Presidente. Mas isto sugere falta de inteligência política do seu Governo. Não quer olhar para soluções que se impõem para os problemas can­dentes do povo moçambicano.

"Presidente. O que isto vai gerar é um efeito multiplicador de descontentes, passando, provavelmente, a haver desestabilização à escala nacional"

Cartas ao Presidente da República(163)
EUREKA por Laurindos Macuácua
Bom dia. Presidente. Não. Não me censure. Bem que me curvei na habitual escrivaninha, na sexta-feira passada, para lhe escrever. Todavia, quando me recordei que o senhor estava na Rús­sia, a convite de Putin, desisti. Esperei para que o senhor regressasse a casa. E qual é o meu espanto: logo que chegou- mal recomposto da garoa russa-, mandou o senhor Adriano Maleiane, o seu ministro de Economia e Finanças, para renegociar a dívida da Ematum com os credores.
Presidente, quero acreditar que esta nossa correspondência não é violada. Não é lida por ter­ceiros. Por isso posso colocar o meu coração nestas palavras. Leia-as como se fossem pronunciadas pelos 28 milhões de moçambicanos- exceptuando o punhado que nos empurrou à falência.
Por que o Presidente até ignora o acórdão do Conselho Constitucional para pagar a dívida? Qual é o seu interesse nisto? Está mais do que claro que os dois biliões de dólares não entraram em Moçam­bique. Não foi para o bem de Moçambique. Isto, desde o princípio, foi um esquema fraudulento, pensado para extorquir dinheiro a investidores na finança internacional. Internamente foi sempre um processo ilegal, inconstitucional.
Os bancos que emprestaram dinheiro fizeram-no sem considerar as regras existentes. Não foi auferido se os indivíduos que submeteram os pedidos de financiamento eram ou não idóneos. E isto não foi por descuido. Foi porque isto era um es­quema fraudulento e os responsáveis desses bancos sabiam-no. É por isso que os banqueiros do Credit Suisse enricaram com essa fraude e hoje respondem pelos seus crimes à Justiça norte-americana.
Mas deixa que lhe pergunte. Presidente, por que o senhor insiste em reestruturar essa dívida? Parece que alguém lhe segredou que essaé a única solução existente. Não é verdade. Por que o seu Governo não usa os instrumentos existentes e as fartas evidências para provar que esse dinheiro não foi para o bem dos moçambicanos? Aqui o caminho é único: não pagar.
Os mais de dois biliões de dólares não vieram a Moçambique. O dinheiro foi directamente para o Dubai, para a Privinvest. Os senhores da Privinvest, Jean Boustani e Iskandar Safa, distribuíram o din­heiro aos seus amigos estrangeiros e moçambicanos envolvidos no calote. Não distribuíram esse dinheiro ao povo moçambicano. Este povo não sabe de nada. Não participou em nenhum esquema fraudulento. Não tem nada que pagar. Que paguem os que comeram o dinheiro do calote!
A acção do seu Governo, Presidente (o de empurrar o povo para pagar a dívida), configura uma autêntica declaração de guerra contra esse mesmo povo que o senhor diz, amiudamente, que está ao seu serviço. E isto é caricato porque ocorre numa altura em que o Presidente precisa do apoio desse mesmo espezinhado povo para se eleger.
Custa-me imenso descortinar o real significado do discurso político- de que o povo é seu patrão- quando no terreno as acções desenvolvidas provam o contrário. Aqui o empregado é o povo. O Presidente manda no povo. Faz dele o seu desprezível brinquedo. Digo isso porque ninguém que estima realmente o seu brinquedo há-de deixa-lo molhar à chuva!
Creia, Presidente. A estabilidade política de Moçambique dependerá do desfecho que há-de ter este processo. O senhor lida a seu bel-prazer com questões tão sensíveis como a estabilidade política, como se possuísse uma garantia secreta e invisível de que sempre conseguirá amassar povo. Está redon­damente enganado. Presidente. O que isto vai gerar é um efeito multiplicador de descontentes, passando, provavelmente, a haver desestabilização à escala nacional.
Desculpa, Presidente. Mas isto sugere falta de inteligência política do seu Governo. Não quer olhar para soluções que se impõem para os problemas can­dentes do povo moçambicano. O Presidente pode-me dizer que elemento novo surgiu que aconselha o seu Governo a querer reestruturar a dívida até fazendo questão de pontapear as leis?
Aguardo impacientemente a sua resposta!
DN – 30.08.2019

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