Documento de trabalho para o Sínodo da Amazónia dá preferência a homens indígenas, mas esta abertura já é vista como uma mudança para a Igreja universal. "Jesus não impôs o celibato", lembra o padre Anselmo Borges
É a partir da Amazónia que se poderá operar uma das maiores revoluções na Igreja Católica: a possibilidade de homens casados serem ordenados. No documento de trabalho para o Sínodo Especial dos Bispos para a Amazónia, divulgado esta segunda-feira, o Vaticano refere-se a homens "preferencialmente indígenas", mas esta abertura já é vista como algo que se estenderá a toda a Igreja e que poderá levar, posteriormente, ao fim do celibato.
"Afirmando que o celibato é um dom para a Igreja, solicita-se que, para as áreas mais remotas da região seja estudada a possibilidade de ordenação sacerdotal para anciãos, preferencialmente indígenas, respeitados e aceites pela sua comunidade, mesmo que já tenham família constituída e estável, a fim de garantir os sacramentos que acompanham e sustentam a vida cristã", pode ler-se no texto que vai orientar os trabalhos, que terão lugar na Santa Sé de 6 a 27 de outubro, no capítulo em que se aborda o tema dos novo ministérios, para responder às necessidades dos povos amazónicos.
"O celibato não é um dogma, não é uma prática inalterável."
Para o padre Anselmo Borges é "absolutamente claro" que vai ser decidido neste sínodo a possibilidade de a Igreja universal ordenar homens casados. E argumenta com as palavras "muito significativas" proferidas recentemente pelo cardeal Walter Kasper, um teólogo de relevância que o Papa escuta com muita atenção. "Se os bispos concordassem em ordenar homens casados, o Papa, na minha opinião, aceitaria essa posição. O celibato não é um dogma, não é uma prática inalterável", disse numa entrevista ao jornal alemão Frankfurter Rundschau.
Se o documento preparatório do Sínodo da Amazónia dá preferência à ordenação de homens indígenas, atribuindo à decisão um caráter regional, a verdade é que as declarações de Walter Kasper são de caráter universal. E bastante claras quando afirma a lei do celibato não imutável.
Anselmo Borges lembra a propósito que só se começou a falar em celibato no século XI, quando o Papa Gregório VII quis impô-lo, só tendo sido imposto no Concílio de Trento, no século XVI.
"A questão do celibato só aparece no segundo milénio do cristianismo. Jesus não impôs essa lei, não se pode impor aquilo que Jesus entregou como opção", afirma o também professor de filosofia, que acrescenta outro "dado essencial": "Hoje sabemos que o celibato não é cumprido por quantos?"
Será a ordenação de homens casados uma decisão que trará mais gente e aproximará os católicos à Igreja? Sobre isso Anselmo Borges é perentório: "A Igreja não tem que viver em função de trazer mais gente ou não, tem de viver em função do Evangelho. Jesus instituiu a eucaristia, mas há muitas comunidades onde não há padres, portanto não há celebração."
Ordenação de mulheres? "A Igreja é machista e misógina"
Se Anselmo Borges não tem dúvidas que está aberta a porta a padres casados, quanto à ordenação de mulheres entende que há ainda um grande caminho a percorrer. "A Igreja é machista e misógina e é das últimas monarquias absolutas." Assim, considera que neste Concílio haverá grande pressão para ordenar diaconisas, mas que a Igreja ficará por aqui. E defende que devia ser dada às mulheres uma oportunidade quanto ao sacerdócio, tanto mais que "Jesus queria que fossem constituídas comunidades de discípulos e discípulas".
"Se quisermos estar de acordo com a vontade de Jesus - Jesus foi feminista - as mulheres podem dar-se mal com a Igreja oficial. Porque as discrimina, não reconhece a igualdade de direitos", afirma.
O papel que as mulheres podem vir a ter na Amazónia, de forma a que a região possa ter uma presença da Igreja "em todas as suas expressões - desde ministérios, liturgia, sacramentos, teologia aos serviços sociais - é igualmente abordado no documento de trabalho.
"Acolher cada vez mais o estilo feminino"
E embora não faça referência ao diaconado feminino, diz que é necessário identificar que tipo de ministério pode ser conferido à mulher, "tendo em consideração o papel central" que desempenha na Igreja amazónica.
Assim, o documento de trabalho reconhece que, no campo eclesial, a presença feminina nas comunidades nem sempre é valorizada e reclama-se que sejam reconhecidas a partir de seus carismas e talentos. "Elas pedem para recuperar o espaço que Jesus reservou às mulheres, 'onde todos/todas cabemos'".
Por outro lado, é proposto que seja garantida às mulheres a sua liderança, assim como espaços cada vez mais abrangentes e relevantes na área da formação: teologia, catequese, liturgia e escolas de fé e de política. Também se pede que a voz das mulheres seja ouvida, que sejam consultadas e participem nas tomadas de decisões. E que "a Igreja acolha cada vez mais o estilo feminino de atuar e de compreender os acontecimentos".
Esta assembleia especial dos bispos com o tema "Amazónia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral" - convocada pelo Papa Francisco em outubro do ano passado - vai reunir representantes católicos do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname.
Trata-se de uma espécie de assembleia consultiva de representantes dos episcopados católicos de todo o mundo, a que se juntam peritos e outros convidados, com a tarefa ajudar o Papa no governo da Igreja.
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