Estudantes descrevem como vivem internados na escola para se prepararem para os exames de admissão. "Foi como estar na prisão", recorda uma antiga aluna
A chinesa Lin Min recorda o secundário como um período "horrível", marcado por uma rotina "uniformizadora", num testemunho sobre o ensino no país mais populoso do mundo, onde milhões competem esta semana por ascensão social.
Em entrevista à Lusa, Lin fala dos três anos que passou na Escola Secundária de Hengshui, cujo sistema é um sucesso a preparar alunos para o 'Gaokao' - o exame de acesso ao ensino superior na China -, mas também controverso pelo seu regime militar.
"Foi como estar na prisão", descreve.
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Autorizada a visitar a família apenas uma vez por mês, Lin descreve uma rotina que arrancava às 05:30 da manhã, com um alarme seguido da mensagem "A competição começa a partir do segundo em que despertam".
Após exercício físico obrigatório, seguiam-se 14 horas de aulas e trabalhos de casa, com apenas 15 minutos para cada refeição e um máximo de três minutos para ir à casa de banho. A rotina repetia-se sete dias por semana.
"Não podíamos comer nada de fora da cantina. Punições físicas eram comuns", conta.
À noite, nos dormitórios, Lin partilhava o quarto com dez colegas. "As portas, de vidro, eram trancadas, enquanto nos corredores funcionários asseguravam vigilância permanente", lembra. Aquela rede de escolas é frequentemente notícia na China.
Grades nas varandas e textos redigidos como máquinas
No ano passado, composições em língua inglesa, escritas por alunos da Hengshui, tornaram-se virais na Internet: os estudantes eram obrigados a redigir com espaçamento e carateres itálicos uniformizados, indistinguíveis de um texto escrito num computador.
Em 2015, foram colocadas grades nas varandas e corredores dos vários pisos das escolas, depois de dois suicídios no espaço de seis meses.
"Chorava o tempo todo", recorda Lin Min sobre os anos que lá passou: "Ligava aos meus pais a dizer que queria voltar para casa, mas eles diziam que os estudos são o mais importante".
Apesar de controverso, o sistema da Hengshui, conhecido como "fábrica para o 'Gaokao'", produz resultados.
No ano passado, 139 alunos daquela rede foram admitidos na Universidades de Pequim e na Universidade Tsinghua, as duas melhores instituições de ensino superior da China - o número mais elevado, entre todas as escolas secundárias chinesas.
A rede, que conta com 18 filiais em áreas subdesenvolvidas da China, é também importante para a mobilidade social no país, permitindo a famílias pobres colocar os filhos nas melhores universidades, numa tradição que remonta à China Antiga, onde a aristocracia, intelectual, era definida pelos resultados nos Exames Imperiais, e não por títulos hereditários.
Províncias ricas não aceitam bem este modelo de ensino
Esta semana, quase dez milhões de adolescentes vão-se submeter ao 'Gaokao', mas apenas 3,25 milhões conseguirão entrar na universidade. E, entre aqueles, só alguns milhares obterão vaga numa universidade chinesa de topo, garantia de um bom futuro profissional ou académico.
Lin Min, por exemplo, é natural do interior de Shandong, província do norte da China, mas formou-se em medicina tradicional chinesa numa das melhores universidades de Pequim. Nas províncias ricas, no entanto, o modelo da Hengshui não é bem aceite.
Quando a escola abriu uma filial em Zhejiang, uma das mais prósperas províncias chinesas, situada no leste do país, o departamento local para a Educação fez questão de notar que não era bem-vinda.
"O modelo de ensino da Hengshui é tão orientado para os testes que, aos seus olhos, existem apenas notas e não seres humanos", escreveu, em comunicado.
Lim Min lamenta ter sido submetida a um processo de "uniformização". "Este tipo de sistema destrói a tua criatividade, anula o teu individualismo e caráter", aponta. "Prefiro ser livre", conclui.
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