A imprensa moçambicana anunciou na semana passada que, dos dois últimos réus do caso “Ataques em Cabo Delgado” ouvidos no Tribunal em Pemba no passado 12 de Dezembro, um já foi membro da Polícia da República de Moçambique (PRM). O perfil de alegados integrantes capturados e a quem se atribui posições de liderança dentro dos grupos de atacantes tem uma característica que se repete: ou foi militar das FADM ou foi agente da PRM.
O acusado, Benjamim Luís, negou perante a audiência todas as alegações de que já tinha sido instrutor dos atacantes. Disse que não conhece o grupo nem nunca esteve num campo de treinos de uso de armas de fogo. “Carta” tenta fazer um retrato dos antecedentes imediatos ao dia D, o dia 5 de Outubro de 2017, quando Mocímboa foi atacada. Os preparativos para esse ataque inaugural tinham começado no mês anterior.
Muitos dos que se juntaram ao grupo rebelde eram comerciantes informais. Nos princípios de Setembro de 2017, eles começaram a vender seus bens a preços baixos. Venderam inclusive suas casas. O grupo trocava conversas por telefone. Em finais de Setembro, a vila de Mocímboa da Praia estava pejada de “vientes” doutros distritos. Havia indícios de que a mobilização estava a ter lugar. De acordo com os vários testemunhos das audiências de julgamento, os insurgentes estudaram o ambiente, o terreno, os pontos fracos e fortes das Forças de Defesa e Segurança.
Os homens concentravam-se em lugares não muito afastados da vila de Mocímboa, mas ninguém desconfiava. Eram pessoas unidas, com ideias comuns. Provavelmente por essas alturas já estavam a treinar na manipulação de armas e catanas. Os treinos aconteciam algures perto da vila de Mocímboa, na zona do Bairro 30 de Junho, onde juntavam. Consta que dias antes do ataque a 5 de Outubro populares tinham avisado às autoridades de que havia um grupo de pessoas que rezava num descampado próximo e levavam facas para suas preces. Os mesmos treinavam logo depois das orações da manhã, informaram fontes naquela vila. A maior parte dos integrantes dos grupos de insurgentes, nomeadamente provenientes dos distritos de Macomia, Mocímboa, Palma e Nangade, não sabia manipular armas.
Mas quem lhes orientou na carreira de tiro? E donde vieram as poucas armas usadas para assaltar o Comando Distrital da PRM de Mocímboa da Praia, onde roubaram mais armas, algumas utilizadas depois nesse mesmo dia e em ataques subsequentes? “Carta” deu com o nome de Benjamim, muito citado no Tribunal como sendo um dos instrutores dos insurgentes. Benjamim é um antigo membro da PRM. Ele viria a ser capturado dias depois do ataque a Mocímboa, numa noite na casa do seu sogro no bairro Napulubo, na vila de Macomia.
Benjamim vivia normalmente, como outras pessoas. Seus vizinhos apenas sabiam que ele tinha sido expulso da corporação. Hoje é considerado um dos arguidos mais importantes para o esclarecimento dos ataques em Cabo delgado. Recaem sobre si acusações segundo as qual ele foi um dos instrutores do uso de armas de fogo pelos insurgentes. Ele deverá explicar em Tribunal suas conexões.
Benjamim Luís é natural de Mocímboa da Praia, mas seus pais são originários da Aldeia de Mbau. Concluiu a Décima Classe na Escola Secundária de Pemba, em 2004. Foi ao Serviço Militar Obrigatório. Depois ingressou nas fileiras da PRM desde 2007, tendo começado a trabalhar no Comando Distrital de Macomia. Ele é pai de três filhos, duas meninas e um menino.
Como agente da PRM, Benjamim teve uma trajetória instável, com problemas de má atuação. Uma vez foi acusado de excesso de zelo, ao ter violentado um suposto ladrão até à morte. Na altura, ele era Oficial Dia no Posto Policial de Nanga, em Macomia. Por ordens de serviço, foi transferido para o Ibo, e depois para o Posto Policial de Miangalewa, no distrito de Muidumbe.
Sempre por motivos disciplinares ele era transferido de um lugar para o outro. De Muidumbe foi escalado para Mocímboa mas mais tarde foi devolvido ao distrito de Macomia, onde também foi detido, acusado de facilitar a entrada ilegal de cidadãos somalis, os quais teriam sido escondidos na sua casa no bairro Nanga, para na noite seguinte rumarem à cidade de Nampula. Pessoas que o conhecem dizem que, como agente da Polícia, Benjamim esteve conectado a várias redes criminosas, sobretudo nos distritos de Macomia e Mocímboa. Na casa onde vivia, na zona de Kuliwayamba, no bairro Nanduadua, em Mocímboa da praia, era notável a presença de pessoas estranhas.
O retrato de Benjamim e de outros homens capturados, e de uma ou doutra forma relacionados com a insurgência, mostra uma coisa interessante: a presença de antigos agentes da Policia ou das Forças Armadas nos grupos de insurgentes alguns deles com instrução escolar média. Mas quem lhes financia?Esse é o elo que ainda precisa de ser desvendado. (Saide Abibo)
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