sábado, 8 de dezembro de 2018

Confiar ou não confiar? 6 respostas para perceber a desconfiança política em torno da Huawei


Confiar ou não confiar? 6 respostas para perceber a desconfiança política em torno da Huawei /premium

08 Dezembro 2018
A comissão europeia diz “cautela”. A Altice reitera protocolos. O governo não se pronuncia. Os EUA dizem "não". A China pede a libertação de Wanzhou. Em 6 perguntas, explicamos o novo caso Huawei.
Na fotografia de capa, o presidente executivo da Altice, Alexandre Fonseca, e o presidente da Huawei Portugal, Chris Lu, celebram a assinatura de um acordo para desenvolvimento da tecnologia 5G em Portugal, aplaudido pelos líderes da China e Portugal.
A Huawei tem o melhor smartphone do ano e, em Portugal, além de ter começado a vender computadores, celebrou uma parceria com a Altice para o desenvolvimento de infraestruturas para a rede 5G (o próximo passo para as telecomunicações). Na cerimónia, estiveram presentes o primeiro-ministro António Costa e o presidente chinês Xi Jinping. Contudo, esta semana, a empresa chinesa teve destaque mediático por outro motivo: a detenção de Meng Wanzhou, diretora financeira e filha do fundador da Huawei, e o sentimento de desconfiança que surgiu nalguns países face à empresa.
Meng Wanzhou foi detida a 1 de dezembro em Vancouver, no Canadá, enquanto fazia transbordo de um avião vindo de Hong Kong em direção ao México. O motivo foi um mandato de captura dos Estados Unidos da América, emitido a 22 de agosto deste ano, por violação das sanções comerciais que os EUA impuseram ao Irão. A Huawei andava a negociar com o país islâmico através de uma empresa financeira de fachada em solo americano, a SkyCom. Apesar de os americanos afirmarem que há ingerência do governo chinês na Huawei, empresa com a qual têm evitado negociar, o motivo apresentado para a detenção de Meng é a ligação à SkyCom e, por sua vez, ao Irão.
Para já, ainda não se sabe qual será o futuro de Meng Wanzhou, mas a filha do presidente já está a ser apelidada como uma vítima da guerra comercial que se vive entre duas das maiores potências mundiais: EUA e China. Países como a Austrália e a Nova Zelândia também têm levantado dúvidas em relação à empresa e a detenção levou mais países a fazê-lo publicamente. Contudo, o caso que pôs em cheque um cessar fogo de uma guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, não é fácil de entender.
Como disseram esta quinta-feira os comediantes Trevor Noah e Desi Lydic, no programa Daily Show, “vamos ser sinceros, uma guerra comercial é o tipo de guerra mais aborrecido que há… até agora”. Ao prenderem a filha de uma das mais poderosas famílias chinesas, os Estados Unidos e o Canadá estão “a fazer como na série Guerra dos Tronos”, brincam os humoristas. No passado, o único caso semelhante aconteceu em 2016, quando os EUA acusaram a ZTE, outra empresa de telecomunicações chinesa, de violar as sanções com o Irão. Aí não houve detenções de filhos da elite chinesa, mas houve uma coima de mais de 800 millhões de euros e um embargo que quase levou a ZTE à falência.

Esta detenção trouxe novamente para cima da mesa a ‘questão Huawei’. É uma empresa chinesa especializada em telecomunicações que tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos. Foi criada em 1987, por um antigo dirigente militar chinês, Ren Zhengfei, e atualmente tem presença e parcerias em vários países ocidentais, como Portugal, e um grande poder na Ásia. Desde agosto de 2018, que é a maior empresaprivada da China. Mesmo sendo a segunda maior fabricante de telemóveis e a maior fabricante de componentes para redes de telecomunicações do mundo, continua impedida de vender muitos dos seus produtos nos EUA, na Austrália e na Nova Zelândia por “motivos de segurança nacional”. A dúvida em relação à empresa começa a ser levantada noutros países.
Europeus como Andrus Ansip, comissário europeu para o mercado único digital, e a eurodeputada socialista e membro da subcomissão da segurança e da defesa Ana Gomes, avisaram, no seguimento da detenção, que é preciso ter cautela com a relação com a empresa. Já empresas como a Altice, reiteram os protocolos assinados. O governo português não se pronuncia e a China apenas exige a libertação da executiva. Em seis perguntas, resumimos os pontos de vista neste novo Huwaeigate (mas sem viagens pagas à China a políticos portugueses no poder).

Por que é que os europeus dizem que não têm confiança na Huawei?

“A desatenção às empresas tecnológicas chinesas é um escândalo”, afirmou ao Observador a eurodeputada Ana Gomes, na sequência de uma publicação que fez no Twitter que dizia “Então? Alguém já  atentar identificar todos os gabinetes ministeriais e organismos do Estado que têm a Huwaei dentro? Convinha”, escreveu. A eurodeputada portuguesa aponta o dedo aos governos que têm permitido que empresas chinesas tenham um grande controlo sobre “infraestruturas críticas para o país”, caso do “controlo na REN e na EDP”, e agora em mais um setor, com a parceria da Huawei e da Altice para o desenvolvimento da rede 5G. “Foi numa visita à Huawei na China que dei conta de como passa ao lado dos cidadãos europeus a maneira como [na Huawei] faz o tratamento de dados”, explica Ana Gomes. A jurista afirma que é “altamente perigoso ” ignorar este tipo de questões numa empresa sediada “numa potência que não é democrática”.
A eurodeputada, que tem manifestado a desconfiança na empresa há vários anos, mostra um lado europeu que diz não à permissão para que a Huawei possa operar infra-estruturas de rede. Para Ana Gomes, as missões diplomáticas do presidente chinês Xi Jinping são “uma estratégia de controlo de infra-estruturas críticas”. Além da visita a Portugal esta semana, o presidente tem visitado outros países onde são celebrados acordos semelhantes ao que a Altice celebrou com a Huawei. “O mínimo é exigir esta visão crítica e saber se está preservada a nossa autonomia”, defende a socialista. “Tem havido uma total falta de noção das implicações críticas e de segurança [nestas parcerias]”.
"Foi numa visita à Huawei na China que dei conta de como passa ao lado dos cidadãos europeus a maneira como [na Huawei] fazem o tratamento de dados", afirma Ana Gomes
Esta visão de desconfiança para com a empresa chinesa é partilhada por outros decisores europeus, como o comissário europeu estoniano para o mercado único digital, Andrus Ansip. Como noticiou o Politico, Ansip é direto na sua desconfiança face a empresas como a Huawei: “Temos de estar preocupados”. Segundo o comissário, que partilha uma preocupação muito semelhante à de Ana Gomes, a Huawei, por estar sediada na China, “tem de cooperar com os serviços de inteligência do país”.
Ou seja, a maior preocupação é que a Huawei, por ser chinesa, tenha automaticamente de ceder informação ao governo chinês se este pedir acesso na China. Como a empresa, com parcerias com os estados europeus, pode passar a ter acesso a grandes volumes de informação e infraestruturas críticas, os deputados alegam que representa um risco que não vale a pena tomar. O facto de a Huawei se ter tornado numa das principais vendedoras de equipamentos móveis na Europa, para o comissário, é um “mau a longo prazo para a autonomia estratégica europeia”. A Huawei tem afirmado, recorrentemente, que é uma empresa privada, que não cede dados e que está a ser preterida do mercado “apenas por ser chinesa”.

E a Austrália, Nova Zelândia e EUA, porque não negoceiam sequer com a Huawei?

Na Europa, pode existir desconfiança quanto à Huawei, mas a empresa tem trabalhado em estruturas de rede com os governos de vários Estados-membros e os dispositivos móveis têm-se tornado líderes no mercado de smartphones. Contudo, nos Estados Unidos, a empresa continua sem conseguir vender equipamentos móveis com facilidade (as operadoras americanas iam começar a vendê-los este ano mas, à última da hora, afirmaram que não iam fazê-lo por pressão governamental). Vários analistas têm mostrado este impedimento como sendo a razão que está a dificultar a subida da Huawei ao lugar de maior fabricante de smartphones em todo o mundo (o ranking está: 1º Samsung, Coreia do Sul; 2º Huawei, China; 3º Apple, EUA). Como o negócio da Huawei não é, de longe, apenas equipamentos móveis, este impedimento tem-se manifestado noutros setores, como o desenvolvimento das futuras infraestruturas 5G, onde a empresa, mesmo sem os EUA, já é líder.
A Huawei ia, em janeiro, começar a vender smartphones nos EUA através de operadoras, modo principal como os consumidores americanos compram smartphones, mas não o pôde fazer (FÁBIO VILARES/OBSERVADOR)
Várias agências de serviços de segurança norte-americanas têm afirmado que a Huawei pode inserir mecanismos que permite o acesso a informação nos produtos que fabrica, como explica a Reuters. Até agora, nenhuma prova concreta foi apresentada nesse sentido (se estiver a ler isto num Huawei, não é preciso entrar já em pânico). Contudo, o futuro das comunicações vai passar pelo 5G, uma tecnologia de infraestrutura de rede em que a Huawei não só consegue fabricar as redes mais avançadas, mas também ao preço mais competitivo. Neste ponto, o receio de países como os Estados Unidos, a Austrália e a Nova Zelândia é que, se a Huawei fabricar estas infraestruturas para os países, a empresa pode pôr em risco toda a infraestrutura de serviços, como a própria rede de energia ou serviços de água, como noticiou o Guardian.
Como referimos, há uma guerra comercial a decorrer, por mais aborrecida que possa ser, tirar poder a uma das maiores empresas que fabrica equipamentos de telecomunicações, permite garantir que estes países possam prosperar no desenvolvimento destas tecnologias sem terem de concorrer com a China (empresas americanas de telecomunicações, como a Cisco ou a Motorola já acusaram a Huawei de ter roubado segredos de negócio). Se a Huawei não puder sequer vender chips para smartphones, antenas ou outros componentes de telecomunicações por estes países, como tem sido feito, não é apenas o incumprimento de sanções que está em causa, é a própria existência da empresa no ocidente.

Mas e o Reino Unido e o Japão? Também não estavam desconfiados?

Apesar de a Austrália, os Estados Unidos e a Nova Zelândia estarem a impedir a Huawei de operar facilmente no país, noutros países o que existe é apenas desconfiança. Contudo, a detenção da filha do fundador da Huawei teve repercussões nas relações de aliados dos Estados Unidos da América com a empresa, como o Reino Unido e o Japão. A BTGroup, a operadora de telecomunicações britânica, divulgou esta semana que ia deixar de utilizar equipamentos da Huawei em áreas cruciais da rede 4G, como noticiou o Guardian.
A BT afirma que foi apenas uma decisão que tem vindo a implementar por ter adquirido outra empresa de telecomunicações que fabrica os mesmo componentes, mas o timing foi, podemos afirmar, peculiar (dois dias a seguir a ser conhecido que Wanzhou foi detida). No início da semana, Alex Younger, responsável pelos serviços de inteligência britânicos, já tinha alertado que era preciso “reconsiderar” o papel da Huawei em infraestruturas de rede britânica, tendo em conta que “aliados têm feito o mesmo”. Contudo, dirigentes no Reino Unido e outros países têm defendido que, mesmo utilizando equipamentos da Huawei, é possível vigiar se a empresa está ou não a obter indevidamente dados sensíveis ou ter capacidade de os controlar, pelo que é infundando não aproveitar a tecnologia.
Meng Wanzhou foi detida a 1 de dezembro. É directora financeira da Huawei e filha do fundador da empresa
Nesta semana, no seguimento da detenção de Wanzhou, surgiu também a notícia de que o Japão está a planear impedir a Huawei e a ZTE de celebrarem acordos com o governo, como fizeram os Estados Unidos este ano, avançou a Reuters. Contudo, tanto para o Reino Unido como para o Japão, as questões estão em cima da mesa apenas, havendo ainda ligação à Huawei em relações indiretas e diretas governamentais.

Como se defende a Huawei destas acusações?

A Huawei tem negado veemente que cede informação ao governo chinês e afirma que cumpre os contratos. Em relação à detenção da responsável financeira do grupo e desconfiança de países como os EUA, respondeu por comunicado ao Observador de forma clara: “a Huawei opera de acordo com todos os ordenamentos jurídicos e leis onde está, incluído controlo de exportações e sanções e leis das Nações Unidas, Estados Unidos e União Europeia”.
A acusação de que Meng Wanzhou cometeu fraude ao mentir sobre a relação entre a Huawei e a SkyCom para negociar no Irão, o que viola as sanções dos EUA ao país, ainda pode ter bastante para contar, mas a Huawei afirmou que “acredita que os sistemas de Justiça dos EUA e do Canadá vão chegar a uma conclusão justa”.
Em março, no seguimento da proibição que os Estados Unidos da América implementaram à empresa, numa conferência de imprensa em Paris que o Observador participou a convite da Huawei, Richard Yu, presidente executivo da Huawei Consumer BG (a divisão da empresa responsável pelos equipamento para o consumidor), garantiu: “Levamos muito a sério a questão da cibersegurança e a proteção de dados”. O chinês afirmou ainda que devia haver mais regulação no setor e disse: “Não vendemos a informação a terceiros”, referindo-se ao governo chinês.
Na altura, executivos de operadoras de comunicações europeias (da espanhola Telefonica, da alemã T-Mobile e da francesa Orange), afirmaram, em vídeo, que vão continuar a trabalhar com a Huawei, elogiando a empresa, numa altura em que o impedimento da empresa de vender smartphones por operadoras nos EUA estava na ordem do dia.

Como está a reagir o governo chinês a estas acusações?

A detenção de Meng Wanzhou teve, desde o início, implicações diplomáticas. O governo chinês exigiu ao Canadá que libertasse de imediato a executiva, avançou a Associated Press. O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, respondeu que foi uma decisão da Justiça e que não teve interferência política. Mas no comunicado governamental, o executivo chinês exigia ao canadiano que “que este erro fosse corrigido imediatamente” e que Wanzhou fosse imediatamente libertada. Um especialista em relações internacionais na Nanjing University, Zhu Feng, disse à Associated Press que “este incidente pode tornar-se num ponto de rutura”.
Ironicamente ou não, no mesmo dia em se soube que Meng Wanzhou foi detida, Donald Trump e Xi Jinping estavam na Argentina a declarar um cessar-fogo de 90 dias da guerra comercial. Como reportou a BBC, a detenção foi feita “na pior altura”. O mesmo meio referiu, através de especialistas como Hu Xijin, responsável do Global Times (editado em chinês e inglês), que a detenção é uma forma de tirar a reputação da Huawei. Não se sabe que implicações a detenção e acusação podem ter nas negociações entre os Estados Unidos e a China, mas a bolsa americana teve uma acentuada queda após a detenção, resultado de como os chineses podem reagir em relação aos EUA.
No dia da detenção de Meng Wanzhou, o presidente chinês e o presidente dos Estados Unidos da América estavam juntos na Argentina para acordar um 'cessar-fogo' na guerra comercial

O que diz o governo português?

O Observador tentou entrar em contacto esta sexta-feira, insistentemente, com o governo para obter mais detalhes sobre a confiança do Estado português no facto de a Huawei estar presente numa infraestrutura crítica portuguesa na área das telecomunicações. Até à hora de publicação deste artigo, não obteve nenhuma resposta quanto à posição do governo. Através da base de contratos públicos online, é possível confirmar que a Huawei tem relações com entidades públicas, direta e indiretamente, desde 2009. A mais recente ligação indireta é a celebração do desenvolvimento da tecnologia 5G entre a Altice e a Huawei à luz da visita do presidente chinês (foi um dos célebres 17 acordos conseguidos com o país do oriente na visita oficial).
A relação entre a Huawei e o governo português já fez ‘cair’ políticos, com o caso Huaweigate. Em 2017, como noticiado pelo Observador, veio a público que a empresa chinesa pagou diretamente viagens à China a vários responsáveis políticos (de vários partidos), o que violou o código de conduta do governo de quanto é que os políticos em funções podem receber. Apesar de não se ter provado haver relação de oferta-benefício nestas viagens com contratos públicos, houve entidades públicas que celebraram acordos com empresas que utilizam equipamentos da empresa chinesa.

A Altice assinou um memorando para desenvolvimento de tecnologias 5G com a Huawei. Vai manter?

A Altice tem adjudicação do Estado português para desenvolver a infraestruturas de redes 5G. À semelhança do que a antiga Meo e TMN faziam, a empresa de telecomunicações gere e mantém grande parte das infraestruturas para que exista uma estrutura de rede de comunicações. Em virtude da detenção da responsável financeira, a empresa respondeu às perguntas feitas pelo Observador, com o seguinte comunicado: “A Altice Portugal reitera o protocolarmente firmado com a Huawei, na presença do senhor Primeiro-Ministro de Portugal e o Senhor Presidente da República Popular da China, no que concerne ao importante projeto de desenvolvimento e implementação da tecnologia 5G em Portugal”.
A 5 de dezembro, a empresa congratulou-se por ter celebrado com a Huawei um “memorando de entendimento” no qual se compromete a ser parceira da tecnológica chinesa para o “desenvolvimento e implementação dos serviços 5G em Portugal”. Estas infraestruturas vão fazer ao 4G e ao 3G o que tem acontecido com a evolução tecnológica, substituir a rede e permitir acesso a comunicações mais fiáveis e rápidas. Desde 2016 que Altice Portugal tem “explorado” com a nova parceira os serviços 5G em Portugal.
"Estamos muito contentes em fazer uma parceria com a Huawei para avançar o desenvolvimento de serviços 5G em Portugal", diz Alexandre Fonseca, presidente executivo da Altice Portugal
O presidente executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, disse esta quinta-feira: “Estamos muito contentes em fazer uma parceria com a Huawei para avançar o desenvolvimento de serviços 5G em Portugal”. A empresa realçou ainda que a tecnológica tem sido “um parceiro de confiança da Altice há vários anos”. Chris Lu, presidente executivo da Huawei Portugal, referiu: “o 5G vai trazer mudanças sem precedentes ao quotidiano como à indústria”.
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