terça-feira, 2 de outubro de 2018

Escravatura e racismo



Escravatura_africaAntropofagos_galvao_capaAntes de os portugueses se dedicarem ao esclavagismo, já os africanos o faziam 
J. A. AlvES AMBRÓSIO
Há meses, no ‘Público’, cem “portugueses afro-descendentes” (assim se apresentavam) publicaram um libelo contra a intenção do actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa avançar para a construção de um Museu dos Descobrimentos e da Expansão. E um dos motivos que mais os indignava, na hipótese de uma tal denominação ser aprovada, era o papel dos portugueses no tráfico dos escravos. 
Desataram uma polémica que não tem cessado de aumentar, umas vezes com certeiros contributos para a Verdade, outras com enviesamentos ideológicos inaceitáveis, ou mesmo ignorância e/ou inadmissíveis psicologismos. Outra das diatribes era contra a “evangelização forçada” levada acabo pelos nossos antepassados e contra o… fascismo. 
O Leitmotiv de todo o escrito é múltiplo e avantajado: ressentimento, ingenuidade (“a ingenuidade é o humilde parasita da ignorância”, disse Ortega y Gasset), imperícia… Em suma: o mundo do qual os queixosos têm que libertar-se. 
Antes de os portugueses se dedicarem ao tráfico dos escravos já eles, africanos, o faziam – e os que embarcavam tinham um prócere religioso a dar a bênção. Os africanos traficavam entre si – e os grandes parceiros dos nossos antepassados foram, precisamente, as autoridades locais. Sob pena de nenhum progresso humano ser possível – o progresso é sempre descoberta – há que assimilar – visceralmente – os conhecimentos que nos vão chegando. Mais. A África negra estava imersa numa vida espiritual tão tenebrosa que, mais que o comércio de seres humanos, era dependente das magia e feitiçaria – e era antropófaga em zonas que iam, ininterruptamente, desde o Senegal, ao longo da costa e para o interior, até ao norte de Angola (Zenza, Bengo), numa extensão de uma inadjectivável ingência. Vd., v.g., mapa da pág. 117 de “Antropófagos”, de Henrique Galvão, Editorial Jornal de Notícias, 1947.

A antropofagia era um problema de tal monta para as autoridades portuguesas que ainda na década de 40 do século passado envidavam os mais apurados esforços para extirpá-la – e quando tal se tornou penoso os canibais foram desterrados para S. Tomé. “Com a penetração dos portugueses – cuja acção missionária se exerceu em grande extensão e profundidade – depois com aconquista e ocupação; mais tarde com a chegada à África de outros povos europeus – principiou a perseguição em regra à antropofagia e outros costumes cruéis dos congueses” (op. cit., pág 116). 
Em suma: canibalismo, guerras, magia, feitiçaria, um mundo anímico horrendo, são preferíveis à “evangelização forçada” – mesmo que tenha sido tão forçada como insinuam? E por que será que o actual Poder angolano, o MPLA – e certeiramente –, está tão atento às tentativas de penetração do Islamismo – para o qual a mulher é tão-só a fêmea e a criada? E não me alongo. Mais. Entre os portugueses de topo ora radicados e/ou a prestar serviços e os próceres locais o ambiente é “como se de uma família se tratasse”. 
A trabalhar em Portugal há três décadas, pouco falta, o …., já cidadão luso, vem de famílias luandenses cuja antroponímia é portuguesa há várias gerações. Ele ostenta (ostenta porque faz alarde disso) quatro nomes com dois de aristocráticos, digamos, pelo meio. Vive feliz em Portugal e vai mandar vir família. “Há racismo?”, perguntei-lhe. “Nada disso. O racismo dos bairros da periferia de Lisboa, e vivi em vários, é racismo dos pretos. Se um preto arranja uma branca os outros logo querem lixá-lo, porque têm inveja”. 
Foi precisamente há dois dias que me esclareceu devidamente sobre este e muitos outros aspectos, quando jantávamos no hotel para o qual o convidei. O que deve a Portugal e aos portugueses, confessa, é imenso e “a Guarda é uma terra de gente excelente, do padre ao patrão, do médico ao técnico, do dono do talho ao empreiteiro, ao…”. 
Por mim ganhei um amigo – e não vou deixar de cultivar esta amizade. Lembra-me um almoço que, em Agosto passado, tive, num restaurante da Borgonha ou Franco-Condado, com um motorista TIR alemão. Ensinou-me sobre a Europa e como se faz o transporte rodoviário de bens os mais opulentos através do continente. 
Como se tem o desplante de insistir tão acintosamente contra a escravatura – por mais repelente que seja; e é – quando se ignora ou oculta que “tribos africanas chegaram a negociar regularmente os cadáveres”? (pág. 29, op. cit.). Que não culpem os portugueses pela sua missão civilizadora – e missão a que emocionante nível! – porque os lusíadas – sem embargo de todos os seus defeitos – são enformados por um Cristianismo assaz radical e longevo. 
O objectivo dos lusos foi a dilatação da fé e do império, a busca de cristãos e da pimenta – olhe-se para Goa –, mas os holandeses recusavam-se a levar missionários para o Cabo, porque tão-só o comércio lhes importava. Quando levaram uma religião instituíram a segregação racial. Sobre o notável serviço prestado a África pelos portugueses e outros europeus, é melhor calarem as críticas.
O despovoamento negro não só é anterior à chegada dos caucasianos à África como se deve aos brancos, talvez, a não extinção da raça negra e – sobretudo – o seu florescimento. Fascista é um tal texto que faz emergir sentimentos de repugnância – e o fascismo, como já aqui o escrevi contra essa inqualificável figura que é Vasco Lourenço, é a força do irracional emergente. 
Deixo para o fim o ressentimento que o enforma. Ao afirmá-lo – tão eloquentemente – o que os autores nos dizem, ademais, é que estão aprisionados pelo Passado, que atraem a infelicidade e a doença sobre si próprios, que não têm como escapar à auto-punição. Perdoem, se for o caso; e vão-se tornando sabedores. 
A educação é uma primorosa porta para a inteligência e, antes disso, para as adequadas emoções. Os que estão convencidos que o Futuro é o seu presente estão destituídos de optimismo e posteridade. Falar com eles só com um sorriso. É a longo prazo – e só a longo prazo – que as coisas se passam. 
Em suma: educação é amor e espiritualidade. 
Guarda, 25-IX-2018
O DIABO(Lisboa) – 02.10.2018

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