sábado, 27 de outubro de 2018

O desastre da intervenção no MozaBanco


Marcelo Mosse

25 de Outubro às 09:46 ·

O desastre da intervenção no MozaBanco

Na segunda-feira (22 de Outubro), o Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, recebeu a imprensa para abordar a conjuntura económica e anunciar as mais recentes medidas de política monetária. Perguntámos-lhe, entre outros assuntos, o que é que tinha mudado no Moza Banco, intervencionado pelo banco central a 30 de Setembro de 2016. Zandamela não respondeu.

Mais de dois anos depois do BM ter forçado a entrada da Kuhanha (o fundo privado de pensões dos trabalhadores do banco central), o Moza Banco mantém-se na mesma. Não houve nenhuma mudança na sua política de riscos (os instrumentos de gestão de risco foram estabelecidos na anterior administração presidida por Prakash Ratilal, e funcionam plenamente), o número de agências mantêm-se, o de colaboradores idem. A estrutura de gestão não mudou e os directores são os mesmos. A única coisa alterada foi a representação gráfica do organograma da direcção. E o facto de ter um novo PCA, João Figueiredo, e uma assessora representando a Kuhanha, Joana Matsombe, que ganha 20 mil USD/Mês. Matsombe era até bem pouco tempo administradora do BM, responsável pela supervisão bancária. Nas últimas semanas, o Moza está a sofrer uma reestruturação accionista com a entrada do Arise Fund, arrastando consigo o Bando Terra, e tomando 30% das acções. Esta operação não resulta de um golpe de génio da Kuhanha. Os mesmos termos da entrada do Arise Fund já haviam sido acordados com a anterior gestão do Moza e propostos ao banco central, que nunca respondeu.

O que é que, de facto, motivou a intervenção no Moza é uma questão que continuará sendo esmiuçada até se encontrar uma resposta cabal. Mas o facto é que o processo foi desastroso e acabou empurrando o Moza para uma maior exposição ao prejuízo. Zandamela insiste em dizer que se tratava de contornar um risco sistémico mas não detalha esse risco. O facto é que quando o Moza foi intervencionado a 30 de Setembro de 2016, o banco tinha uma estimativa de necessidade de liquidez na ordem dos 3.000 milhões de Mts. O Moza apanhara em cheio os efeitos da crise de 2016, despoletada pela contratação irregular de 3 créditos externos, a chamada dívida oculta. Mas a comunicação pública da intervenção do banco central não foi feita com cautela, causando pánico nos depositantes. Duas semanas depois da intervenção, as necessidades de Assistência de Liquidez de Emergência (ALE) tinham subido para 3.604 milhões de Mts. Depois veio a liquidação ruidosa do NossoBanco (a 11 de Novembro de 2016), com nova abordagem caótica de comunicação por parte do banco central (anunciando que os clientes do NossoBanco teriam apenas direito a 20 mil Meticais por cada conta) gerando uma sangria nos depósitos no Moza e fazendo subir as necessidade de ALE para 6.141 milhões de Meticais em 15 de Novembro.

A tendência dessa sangria no Moza prosseguiu até o final do ano. A 31 de Dezembro de 2016, ela já situava-se nos 12.067 milhões (muito longe da estimativa inicial de 3.000 milhões). A valor da ALE no final de Dezembro situava-se um pouco acima do que viria a ser o adiantamento sem juros e sem prazo do reembolso, feito pelo BM à Kuhanha, no valor de 11.712 milhões de Mts (195 milhões de USD), para este fundo entrar no Moza. A Kuhanha foi escolhida em Maio de 2017. Com o adiantamento recebido, o fundo privado de pensões do banco adquiriu 84,62% do MozaBanco, reduzindo consideravelmente a participação da Moçambique Capitais (MC), uma sociedade de pequenos accionistas moçambicanos, para 7,85%, e do Novo Banco português para 7,54%. A posição accionista da MC antes da entrada da Kuhanha era de 51% (2.129 mil milhōes de Meticais). Com a intervenção, baixou para os referidos 7,85% (13.840 milhões de Meticais). E com a mais recente entrada do Arise Fund, a MC passa a deter apenas 5,51% (10.366 milhões de Meticais). A injecção da Kuhanha no Moza foi feita em duas parcelas, nomeadamente uma de 8.170 milhões de Mts (136 milhões de USD),m desembolsada a 17 de Junho de 2017, e outra de 3.542 milhões (59 milhões de USD), transferida em Dezembro.

A sangria de depósitos no Moza, gerada por uma comunicação ruidosa, aprofundou a crise no banco. O balanço para 2016 apresenta um prejuízo de 5.440 milhões de Mts (91 milhões de USD). Numa situação insólita, as contas do Moza para 2016 foram chumbadas pelo seu Conselho Fiscal uma vez que elas tinha sido auditadas pela KPMG, a mesma firma que meses antes prestara assessoria à Kuhanha num contrato destinado à avaliação dos assets do banco. De acordo com as normas internacionais para profissionais de contabilidade, a KPMG estava num grave conflito de interesses. Mas a Kuhanha e a supervisão do Banco de Moçambique fizeram vista grossa à situação.

Em 2017, o Moza continuou em maré de prejuízos, desta feita com 1.457 milhões de Mts (24 milhões de USD). Nos últimos dois anos, o total acumulado do prejuízo do Moza foi de 6.897 milhões de Meticais (115 milhões de USD). Tomando em conta que a Kuhana detém 84,62% do Moza, ela absorveu do prejuízo 5.836 milhões de Meticais (97 milhões de USD), o que faz com que o valor actual do seu investimento tenha baixado para 5.876 milhões Mts (98 milhões de USD). É este prejuízo da Kuhanha (decorrente de uma intervenção ruidosa que podia ser evitada) que o Banco de Moçambique devia ter feito reflectir na suas contas de 2017. Isso mostraria que o BM está no vermelho. Uma questão que tem sido recorrentemente colocada e nunca foi respondida é por que razão que os gestores do Banco de Moçambique decidiram-se pelo financiamento (sem juros nem prazo de reembolso), com recursos públicos, a uma sociedade privada de trabalhadores do banco, quando poderiam tê-lo feito ao accionista fundador, a Moçambique Capitais, evitando a expor o banco central a prejuízos maiores que estão corroendo a sua rubrica de Capitais Próprios?



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Comentários


Ismael C. Gocaldas Neste mato tem coelho,acredito que alguns saíram com os bolsos cheios neste esquema montado pelo BM ao Moza.Gerir


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Beto Tembe Pais de pai banana. O regulador e o primeiro a violar os procedimentos que ele mesmo criou. Triste a sina deste povo.......Gerir


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Jaconias Massango Saiem com bolsos cheios em todos os cantos. Somos idiotas!Gerir


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Enio Jorge Malema Encarnção viva do reispeitado e honrado Carlos Cardoso, parabens pelo abc do josnalismo investigativo, merecem ser denunciadas essas sujeiras dos nossos dirigentes
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Joana Matsombe Não é verdade que Matsombe era até bem pouco tempo Administradora responsável pela Supervisão Bancária. Quem foi até bem pouco tempo Administrador da supervisão, pelo menos a partir de meados de 2014 era o Dr Waldemar de Sousa. Julgo justo que o público seja informado correctamente, basta só aceder ao site do Banco de Moçambique para não continuar a desinformar o público.
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Eugenio da Câmara O verdadeiro e 'recomendavel' serao os miseros 20 mil/dolrea/mes
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Rui Julio Realmente, mau é sermos desinformados. Feio, muito feio mesmo! Errar é humano... então, MM, corrija-se e peça perdão. Quanto a Mana Joana Matsombe, então concorda com o resto do texto uma vez que a única observação que tem neste post é somente a posição de administrador da. Supervisão (Waldemar de Sousa 2014
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Joana Matsombe Não concordo com muita coisa que aparece no artigo e já tive a oportunidade de manifestar junto do autor. Se eu ganhasse 20 mil dólares estava rica. De qualquer maneira não entendi porque se discute o meu salário. O nosso sistema bancário tem mais de 20 bancos e nunca nenhum salário foi trazido a debate em facebook porque o meu teria que ser debatido?
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Antonio Julio Xlhate Joana Matsombe , o facto nao e ser ou nao rico, tratasse de comentario ao salario chorudo que provavelmente esteja a ganhar,🤦‍♀️🤦‍♀️🚶‍♂️🚶‍♀️🚶‍♀️🏃‍♂️🏃‍♀️ ate prova em contrario!
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Rui Julio É provável que eu esteja errado mas será que é obrigação da Joana Matsombe publicar seu ordenado aqui? Ou provar que ganha isto ou aquilo? O foco do post parece não ser esse
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Joana Matsombe A questão que é preciso perceber é o que está por detrás da publicação. O que se pretende discutir é se na eventualidade de estar a auferir tal montante merece? O seu desempenho justifica? Faz me lembrar os tempos idos em que os salários eram fixados com base no gênero e na cor da pele. Quem vivia comendo folha de abóbora naturalmente que não podia ousar aspirar tais salários. Meu pai reclamava e reclamava como muitos outros cidadãos.Gerir


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Ido Alfred Tudo ditoGerir


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Rui Costa E nao ha quem possa questionar o Governador do BM.
1)A Gestao do fundo de pensoes ganha bem. Os pensionistas nao entendem nada.
2)Na AR so havera uma ou duas pessoas capazes de questionar e do Partido no Poder. Em toda a oposicao, nao ha um unico que consiga entender 3 perguntas escritas tecnicas mesmo que , so para ler...pois, porque depois qualquer resposta serviria. E ficamos assim.
Obgdo MM por mais esse cheirinho de informacao pertinente
Nao seria hora da Associacao Mocambicana de Economistas opinar algo em funcao do report da KPMG ao Banco Publico?
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Ido Alfred Rui Costa aquele é um fundo de pensões privado. E os benificiarios estão satisfeitos com o fundo e as pensões. Ainda não é um problema o fundo de pensões KUHANHA.Gerir


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Rui Costa Percebo. E houve um concurso, Bancos concorreram e foram
preteridos. O Fundo privado foi o escolhido, e o Banco Publico injectou dinheiro,no Fundo e agora expoe-se o Banco Central.Gerir


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Ido Alfred Rui Costa peço para que partilhe o relatório dos auditores em relação às contas do banco público.Gerir


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Rui Costa Ido Alfred obgdo .sou contudo limitado na analise desses relatorios, ah semelhanca de uns largos milhares de cidadaos curiosos. Precisaria que houvesse uma versao de Demonstracao de Resultados para principiantes.
So sei que fundos privados financiados por fundos publicos com ou sem juros ou com ou sem prazo de reembolso, sao responsabilidade passiva publica, em caso de fiasco.( alias ainda todos estamos a ler este livro )
...mas, oremos.
Cumprimentos.
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Ido Alfred Rui Costa eu vou vasculhar toda a papelada a volta da venda do Moza e os relatórios ao BM, para analisar e levar o debate na amecon.
Alinhas?Gerir


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Rui Costa Ido Alfred Desculpe a Inocencia: a Amecon estah constituida como Ordem dos Economistas?
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Ido Alfred Rui Costa ainda não, está a caminho.Gerir


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Francisco Mbumila Mbumila Assim posso tirar o meu dinheiro que depositei nesse banco??Gerir


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Jr Chauque O Banco Central nunca respondeu a proposta do Moza para a entrada do Arise Found.... E assim o BM intervenciona o Moza e aceita a entrada do Arise Found..... O mesmo que ficou calado... Moçambique anima juro!
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John Wetela Huuum!Gerir


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John Wetela
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John Wetela
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Hermen Nhagumbe Alguma coisa não está bem em todo este negócio envolvendo o Kuhanha, Mozabanco e o BM.
Há um artigo escrito por um economista e publicado num dos suplementos económicos do jornal o país que levanta questões muito sérias sobre este negócio.
O autor interroga-se por exemplo como é que sendo o Kuhanha um fundo de pensões pequeno, deficitário desde a sua existência (isto é com benefícios concedidos sempre superiores às contribuições dos trabalhadores), dependente do BM (associado) para manter as suas contas actuarialmente equilibradas, e sem nunca ter tido experiência de uma participação financeira num banco comercial, investiu mais de 11mil milhões de meticais num único activo? Em que contexto os gestores do Kuhanha aprovaram este investimento?
Sendo o dinheiro das pensões extremamente sensível, como é que o Kuhanha investiu mais de 11mil milhões num activo que se dizia a prior ser de elevado grau de risco? Que planos o Kuhanha tem para rentabilizar o banco e recuperar o dinheiro dos seus contribuintes? Etc etc. Conforme dizia algo não está bom neste negócio.Gerir


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Joana Matsombe Já me faz lembrar o tempo em que os salários eram determinados em função do gênero, da cor das pessoas e nao em função da capacidade mano Júlio. No tempo colonial o meu pai com 5 filhos recebia metade do que ganhava o colega dele que tinha a pele mais clara só porque ele e a família teriam direito a comer 2 ovos/pessoa por dia, queijo manteiga e o meu pai não.Gerir


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Jorge Carvalho O que o BM fez ao MB é um nojo e típico de um predador.... o único banco verdadeiramente moçambicano (maioritariamente) foi logo o escolhido para ser intervencionado..... O BM devia ter sido mais profissional e capaz nos momentos em que o MB necessitava de corrigir algumas das suas praticas, mas não... ficou escondido atraz do embondeiro á espera do melhor momento para atacar..... muito triste e revela bem a natureza de algumas "coisas"..... Esse senhor zandamela tem feito muita porcaria, chegou aqui com o rei na barriga, como um grande dos FMI, enquanto não passava de um muleque..... estamos entregues..... ate o parque de estacionamento do imperioso edifício do BM mandou fechar ao publico, como inicialmente estava acordado com o Município..... alegando problemas de segurança.....mais uma vez, estamos entregues a um bando....
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