Como ponto de partida adianto que este artigo constitui o início de uma campanha pela abolição da cadeia enquanto instituição carcerária à qual me dedicarei nos próximos anos, com estudos e amostras concretas dos benefícios da extinção. Apresentarei alternativas existentes e funcionais, bem como propostas inéditas. Sei que poderei não ver concretizado esse propósito, mas é um pequeno passo.
Por Sedrick de Carvalho
Em 2014, fazia o quarto ano do curso de Direito, apresentei a alguns professores o tema que queria desenvolver em tese de licenciatura, e dois disseram-me que era prematuro preocupar-me com a monografia quando ainda tinha o quinto ano pela frente. No ano seguinte, enquanto decorria a aula de Ética e Deontologia Jurídica, o professor Estevão Gomes perguntou o que pensávamos defender em tese. Depois de ouvir os habituais temas – o direito à luz do princípio tal e acolá -, lá disse o meu: “A prisão preventiva enquanto violação dos direitos humanos”. O professor calmamente disse “interessante”.
Quando apresentei o tema ao professor que seria meu tutor, igualmente ficou surpreendido, dizendo que não queria tutorar ninguém – e há alguns anos não o fazia – mas pelo intrigante tema abriria uma excepção, desejando-me sorte para comprovar que o instituto legal da prisão preventiva pode constituir uma violação aos direitos humanos.
Outro passo era, tendo o tutor, ver o tema aprovado pela coordenação do curso. Infelizmente as coordenações dos cursos não os aprovam colegialmente, ficando a decisão dependente do entendimento dos coordenadores, ou seja, não são aprovados por uma coordenação. E assim vi o tema chumbado pelo coordenador, que literalmente deu-me outro tema, um da praxi – “A prisão preventiva no âmbito do sistema criminal angolano”. Chegou Junho e ironicamente fui parar à cadeia em prisão preventiva, como se já não bastasse ter ficado entre os melhores alunos na cadeira de Direito Penitenciário. Está feita a introdução!
Tão logo descobrimos, ouvimos ou simplesmente desconfiamos que alguém tenha cometido determinado crime começamos por exigir que esta pessoa seja presa imediatamente. Mas quais os benefícios do aprisionamento em massa de indivíduos na sociedade angolana? A população penal tem aumentado diariamente, obviamente pelas razões que não importa citar. Porém, a criminalidade não tem reduzido, como se propõe em tese a teoria vigente da punibilidade em regime fechado, passando por desencorajamento ao cometimento de crimes.
Ter estado na cadeia contribuiu imenso para compreender a inoperância do sistema carcerário, desde o elevado índice de reincidência, o entra-hoje-e-sai-amanhã, a não ressocialização e reintegração do recluso, a carência logística, despreparo do corpo efectivo, entre outros aspectos. Tudo somado, as prisões são escolas de formação, revitalização e fortalecimento de criminosos. E é para lá que temos estado a enviar centenas de cidadãos e cidadãs.
São raros os casos em que um indivíduo sai da cadeia reabilitado, como se pretende no formato. Normalmente há quatro tipos de ex-reclusos:
1) o preso inocente que, ao sair, retoma a sua vida – são centenas;
2) aquele que cometeu algum crime e ao sair está arrependido, por isso procura reenquadrar-se;
3) o que, ao sair, funda uma seita com nome esquisito onde aplica a prosa enganadora que aprendeu nos cultos barulhentos com danças e batuques, num bairro de Luanda, preferencialmente do Palanca ou Mabor, vendendo uma salvação que nem mesmo ele, pastor, obteve (não sei de caso de pastoras ex-reclusas), extorquindo o desesperado, logo, continua criminoso;
4) o ex-recluso que na cadeia apenas reforçou a sua convicção de que deve aperfeiçoar os seus actos criminosos para não ser apanhado, e por isso alarga a associação criminosa, passa a usar armas ou, se já as usava, então deseja a melhor “cano cortado”, e desta forma volta à via de peito aberto sem medo de cadeia e de ninguém, e estes são a esmagadora maioria.
1) o preso inocente que, ao sair, retoma a sua vida – são centenas;
2) aquele que cometeu algum crime e ao sair está arrependido, por isso procura reenquadrar-se;
3) o que, ao sair, funda uma seita com nome esquisito onde aplica a prosa enganadora que aprendeu nos cultos barulhentos com danças e batuques, num bairro de Luanda, preferencialmente do Palanca ou Mabor, vendendo uma salvação que nem mesmo ele, pastor, obteve (não sei de caso de pastoras ex-reclusas), extorquindo o desesperado, logo, continua criminoso;
4) o ex-recluso que na cadeia apenas reforçou a sua convicção de que deve aperfeiçoar os seus actos criminosos para não ser apanhado, e por isso alarga a associação criminosa, passa a usar armas ou, se já as usava, então deseja a melhor “cano cortado”, e desta forma volta à via de peito aberto sem medo de cadeia e de ninguém, e estes são a esmagadora maioria.
Diante deste cenário, devemo-nos questionar se vale a pena continuar a encarcerar os infractores quando apenas multiplicamos os seus crimes, sem alcançamos o principal objectivo: reabilitação do sujeito.
Porém, tanto em Angola como em diversos países, o acto de aprisionar não reúne, quer no espírito do decisor e aplicador das sentenças, como da sociedade em geral, o pretendido desejo de recuperar o indivíduo. É o sentimento de castigo que impera, e daí a existência de um sistema penitenciário cada vez mais degradante para degradar completamente quem está catalogado como a escória da sociedade.
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