segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O QUE O GOVERNO MOÇAMBCANO NEGOCEIA MAS NADA INFORMA


A sociedade aperta o cinto e o Governo alivia o nó da sua garganta
Entre quinta e sexta feiras da semana da passada, a saída para a crise da dívida foi finalmente destapada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo conjunto dos credores internacionais de Moçambique. O formulário envolve mais dor para a sociedade mas é um alívio para o Governo. Para a sociedade é como que uma terapia intrusiva sem anestesia que baste. Para o Governo é como que uma aspirina aliviando a dores de cabeça do Ministro Adriano Maleiane. Em suma, os moçambicanos terão de apertar mais o cinto mas o Governo recebe um balão de oxigénio para melhorar sua margem de manobra em momentos eleitorais.
O anúncio do FMI e dos principais credores tiveram um curto espaçamento temporal. Mas isso não foi uma estranha coincidência. O futuro de Moçambique não se joga em Maputo, na Praça da Marinha, muito menos na Ponta Vermelha. Joga-se em Washington. É lá onde está, na prática, nosso Ministério das Finanças. O que propõem os credores e o que diz o FMI?
Os credores de cerca de 72% dos bonds (títulos obrigacionistas do Estado moçambicano) anunciaram a 1 de Agosto que estão dispostos a prorrogar o prazo de pagamento de aproximadamente 80% da dívida assumida nesses bonds, colocando, porém, novas e inovadoras contrapartidas: a) a dívida dos actuais “bonds 2023” é convertida noutros “bonds 2030”, ou seja uma extensão de um pouco mais de sete anos e meio para se iniciar o pagamento do capital; b) a taxa de juro dos bonds passa de 10.5% para 6.75%, mas os juros já em dívida e que são na ordem dos 190 milhões de USD têm de ser pagos; c) deste montante de juros em atraso, cerca de 91,5% são capitalizados e, portanto, acrescidos à dívida, sendo os restantes 8.5% (cerca de 16 milhões de USD) pagos de imediato (em 2018), incluindo o custo dos negociadores; d) entre 2019 e Setembro de 2023, o Estado irá pagar só de juros um total de 243 milhões de USD; e) depois de 2023, os montantes anuais de pagamento desta nova dívida “bonds 2030” deixam de ser fixos, ficando obrigatoriamente ligados a até 3% das múltiplas receitas (royalties, licenças, dividendos,…) que o Estado vier a receber dos negócios do gás.
Em suma, os credores dão oxigénio para que o Estado sobreviva até 2023, fazendo um alívio de tesouraria até esse ano na ordem dos 985 milhões de USD, mas acrescentam à dívida um montante de 190 milhões de USD e amarram o pagamento dessa dívida às receitas do gás. Em Março, em Londres, o nosso Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, solicitara o cancelamento de uma parte da dívida (cerca de 50%) e o reescalonamento do restante.
As condições dos credores foram anunciadas na mesma semana em que o FMI tinha uma “equipa técnica” em Maputo chefiada por Ricardo Veloso e que terminou na sexta-feira com um Comunicado de Imprensa, onde o fundo aponta para a necessidade de um maior aperto de cintos. Basicamente, o FMI veio dizer que: a) o Governo está a obedecer-lhe cumprindo as medidas de uma “política monetária apertada e a estabilidade cambial” e que “o executivo adoptou medidas importantes que ajudaram a conter o défice fiscal, através da eliminação dos subsídios ao combustível e ao trigo, a adopção de um mecanismo automático de ajuste do preço do combustível e o aumento dos preços de energia e transportes”; b) do lado da receita, a missão recomendou a eliminação das isenções do IVA, excepto para os bens da cesta básica, e o fortalecimento da administração desse imposto. Do lado da despesa, a missão aconselhou a redução do tamanho da folha salarial como percentagem do PIB, através de aumentos moderados, particularmente para as camadas melhor remuneradas do sector público, e uma parcimónia nas contratações adicionais, que deverão ser limitadas às necessidades urgentes nos sectores sociais. A missão realçou também a importância de continuar a limitar outros itens da despesa através de uma melhor priorização, incluindo despesas de investimento público.
Ao dizer isto, o FMI mostra que já não está distraído como esteve no passado quando ocorreram os desmandos do endividamento e a Frelimo usou fundos públicos para, entre outros, financiar mecanismos como os chamados 7bis para comprar votos e ganhar eleições. O FMI passou também uma mensagem de optimismo quanto aos principais indicadores macroeconómicos mas deixou a entender que os próximos orçamentos de Estado vão ter sua mão forte, começando já no de 2019, garantido que a austeridade se mantenha. 
A proposta dos credores é uma vitória para o FMI que pretende “reparar a credibilidade” depois de sua distracção quando o endividamento oculto estava a acontecer entre 2012/2013. O FMI tem de provar que, daqui para frente, Moçambique entrará nos carris da normalidade. A crise da divida levou a um sobreendividamento interno, através da excessiva emissão de Bilhetes de Tesouro e da falta de pagamento das facturas do sector privado, para além da não devolução do IVA, tudo isto receitas para a paralisação económica e instabilidade social e política.

O reescalonamento da dívida, agora proposto, é fundamental para que credores multilaterais e doadores voltem a financiar o Estado moçambicano e as agências internacionais de rating tirem nosso país da lista vermelha (rating dos bonds de Moçambique hoje são “lixo”, mas passarão a ter valor) permitindo que instituições privadas (principalmente as cotadas em bolsas internacionais) voltem a investir com melhores condições em negócios nesta praça. E é isso que Ricardo Veloso, do FMI, quis dizer na sexta-feira em Maputo: “Face ao sobreendividamento no que respeita a dívida pública, a missão encorajou o governo a recorrer, na medida máxima possível, ao financiamento externo por donativos e crédito altamente concessional”. Portanto, as instituições irmãs do FMI, particularmente o Banco Mundial e o IFC poderão justificar novas injecções financeiras em Moçambique.
Desde a implosão da crise da dívida que o FMI se colocou na dianteira da busca de uma solução, decidindo tanto em nome dos “parceiros da cooperação” como do próprio Governo, que contratou dois consultores, um financeiro (a Lazard Frères) e outro legal (a White and Case), que são, na verdade, seus gestores numa “sala de negociações” entre o FMI e os credores. Essa “sala de negociações” entrou em funcionamento desde o primeiro encontro entre o Comité dos Credores e o Governo. A coincidência temporal na apresentação da contraproposta dos credores e a missão do FMI a Moçambique e suas declarações não é uma coincidência, mas sim o resultado do que ocorreu nessa “sala de negociações”.
No sábado, numa breve conversa com o Ministro Adriano Maleiane ele escusou-se a prestar qualquer depoimento sobre a nova proposta dos credores, remetendo-nos para as firmas conselheiras do Governo. Mas é óbvio que Maleiane deve estar a respirar de alívio. Pelo menos, o FMI sinalizou positivamente em relação a proposta dos credores. Para um Governo que mal consegue pagar salários aos funcionários e as dívidas às empresas, particularmente as pequenas e médias, que estão fechando e despedindo milhares de trabalhadores, esta proposta dos doadores só pode ser animadora. E em termos políticos, se em 2018 o Estado tiver de pagar apenas 16 milhões de USD em vez dos cerca de 200 milhões de USS de juros atrasados, e poder ter acesso a novos financiamentos internacionais, sua reputação irá pesar bastante nos pleitos eleitorais que se avizinham até finais de 2019.
Este quadro não esclarece no entanto uma coisa fundamental: o retorno dos doadores ao Orçamento Geral do Estado, que é improvável se não houver responsabilização, enterrando-se definitivamente um modelo de ajuda externa que marcou nossa cooperação internacional com o ocidente entre 2000 e 2014 sensivelmente. Em suma, os moçambicanos irāo viver sob extrema austeridade mais ou menos até 2023, quando as receitas do gás começaram a fluir. Até lá o Governo vai aliviando o nó à volta da sua garganta.
(Recebido por email)

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