Kofi Annan morreu aos 80 anos. Por 10 anos, esteve na vanguarda da política mundial. E continuou a trabalhar como embaixador da paz, mesmo depois de deixar o cargo de secretário-geral das Nações Unidas.
Kofi Annan - um homem pequeno com uma barbicha grisalha, sorrindo de trás de sua mesa em Nova Iorque - uma vez lembrou que seu primeiro dia como secretário-geral da Organização da Nações Unidas (ONU) foi como seu primeiro dia na escola.
Ele nasceu numa importante família, em 1938, em Kumasi, a segunda maior cidade do Gana. Seu pai era governador da província de Ashanti, sob o domínio colonial britânico. Annan frequentou as melhores escolas no seu país, na Suíça e mais tarde nos Estados Unidos da América (EUA).
Carreira brilhante na ONU
Kofi Annan ingressou na ONU aos 24 anos, primeiro a trabalhar como administrador na Organização Mundial da Saúde (OMS) e depois como chefe de pessoal da missão da ONU no Cairo, vice-diretor do ACNUR em Genebra e, posteriormente, vice-secretário-geral da ONU. Em 1993, o secretário-geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali, nomeou-o subsecretário-geral para manutenção da paz, colocando-o no comando de 75 mil soldados da paz em todo o mundo.
Entretanto, como chefe das tropas de manutenção da paz da ONU, Annan experimentou a primeira queda real em sua carreira em 1994, quando as milícias hutus mataram mais de 800 mil tutsis, o que ficou conhecido como genocídio ruandês. Annan foi acusado de não fornecer o apoio adequado ao país do leste africano, apesar dos avisos prévios de uma escalada violenta por parte de Romeo Dallaire, chefe das forças de paz da ONU no Ruanda. Sua relutância se deveu em parte ao facto de que os EUA e a Europa pareciam ter pouco interesse em se envolver naquele país.
Annan lamentou em nome da ONU 10 anos depois: "A comunidade internacional fracassou no Ruanda, e isso deve nos deixar sempre com um sentimento de pesar amargo e tristeza permanente".
Incansável negociador de paz
Mas o genocídio ruandês não pôs fim ao movimento ascendente de Kofi Annan na ONU. Ele foi eleito secretário-geral em dezembro de 1997, após alguma pressão dos EUA, e assim tornou-se a primeira pessoa da África Subsaariana a ocupar o posto.
No seu discurso de abertura, ele deixou claro que não apenas queria realizar tarefas administrativas à frente da ONU, mas também queria moldar a política global. Sua agenda incluiu a luta contra a pobreza global, o aquecimento global e a SIDA, e a resolução de crises políticas. Mais tarde, ele descreveu a assinatura dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2000 como um dos destaques de seu período no cargo. Ele também atuou como negociador no conflito entre o Chipre e o Irão sobre seu programa nuclear. Annan também foi um crítico aberto dos ataques da milícia sudanesa Janjaweed na região de Darfur.
Em 2001, o comité norueguês do Nobel reconheceu as contribuições de Annan, concedendo a ele e à ONU o prémio Nobel da Paz. O presidente do conselho de Oslo, Gunnar Berge, disse à DW numa entrevista que Kofi Annan era "um excelente representante das Nações Unidas e provavelmente o secretário-geral mais eficaz de sua história".
Kofi Annan visita o memorial do genocídio no Ruanda (1998)
Mais uma vez, a modéstia pela qual Annan era tão respeitado brilhou em seu discurso no Nobel da Paz: "Este prémio pertence não apenas a mim. Não estou aqui sozinho. Em nome de meus colegas em todas as partes das Nações Unidas, em todos os cantos do mundo, que dedicaram suas vidas - e em muitos casos arriscaram ou deram suas vidas na causa da paz - agradeço aos membros da Comissão do Prémio Nobel por essa alta honra".
Reformador falhado
Apesar do prestígio público, Kofi Annan começou a perder o apoio dos membros da ONU. Durante o seu mandato como secretário-geral, ele tentou em vão reformar a organização, dizendo à Assembleia Geral: "Também precisamos adaptar as instituições internacionais, através das quais os Estados governam juntos, às realidades da nova era. Precisamos formar alianças para a mudança, muitas vezes com parceiros bem além do recinto do funcionalismo".
No final, um plano para dar a outros países, especialmente os da África, Ásia e América do Sul, assento no Conselho de Segurança fracassou em grande parte por causa da resistência dos EUA e dos outros membros permanentes do grupo.
Annan também foi pressionado por sua posição contra a invasão do Iraque pelos EUA, sob o comando do Presidente George W. Bush, em 2003, que, segundo ele, violou a Carta da ONU. Ele tentou impedir a intervenção militar com uma rodada de negociações.
Em 2004, o secretário-geral da ONU enfrentou pedidos de demissão por causa de um escândalo relacionado ao programa Petróleo por Alimentos, da ONU. Houve revelações de que o filho de Kofi Annan, Kojo, aceitou pagamentos de uma empresa suíça que a ONU havia encomendado para verificar o fornecimento de bens como parte do programa. Um comité de investigação absolveu Kofi Annan em 2005, afirmando que ele não estava no controle de sua família e nem da ONU.
Annan no Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça (2011)
Representante especial na guerra síria
Annan deixou o cargo de secretário-geral da ONU em 2006, no final de seu segundo mandato. Ele não se retirou inteiramente dos olhos do público: publicou suas memórias e trabalhou para várias ONG, incluindo sua própria Fundação Kofi Annan para a promoção da governança global.
Ele também atuou como negociador entre o Governo e a oposição no Quénia depois que a violência pós-eleitoral começou no final de 2007. Em fevereiro de 2012, ele foi nomeado representante especial na guerra civil síria. E demitiu-se seis meses depois de várias tentativas fracassadas de negociar um cessar-fogo.
Mais tarde, quando a violência contra a minoria Rohingya no estado de Rakhine, em Myanmar, cresceu em 2017, Annan chefiou uma comissão de especialistas que analisou como o conflito poderia ser resolvido.
Kofi Annan deixa sua segunda esposa, Nane Lagergren, com quem ele morava em Genebra, e um filho e filha de seu primeiro casamento.
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