quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Afinal o casal de ciclistas assassinado pelo EI não viajava para “provar” bondade humana


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Lauren Geoghegan e Jay Austin foram mortos pelo Estado Islâmico quando davam a volta ao mundo em bicicleta. Mas, ao contrário do que se noticiou, não estavam a viajar para "provar" a bondade humana.
Lauren Geoghegan e Jay Austin deixaram os Estados Unidos em 2017. O casal abandonou os respetivos trabalhos em escritórios de Washington para viajar pelo mundo em bicicleta. No 369º dia de viagem, foram mortes num ataque que foi reivindicado pelo Estado Islâmico.
O incidente ocorreu a 29 de julho de 2018. Lauren e Jay viajavam com um grupo de turistas no sudoeste do Tajiquistão, quando um veículo passou pelos viajantes, inverteu a marcha e avançou sobre os ciclistas. Do ataque resultaram quatro mortos, o casal americano, um turista holandês e um turista suíço. O motorista do carro que os atropelou registou o momento em vídeo com o telemóvel.
Dois dias mais tarde, o Estado Islâmico publicou um vídeo em que reclamava a autoria do ataque. O vídeo mostrava cinco homens — que tinham a bandeira do Daesh como fundo — que afirmavam ser os autores do assassinato e juravam matar os “não crentes” que invadissem o seu território.
A notícia foi inicialmente divulgada pelo New York Times a 7 de agosto, num texto que recria a viagem de Lauren e Jay através das publicações que estes divulgavam num blogue e nas redes sociais. Dias mais tarde, o Pluralist divulgou a história sob o título “Casal Millennial que pedalava pelo território do ISIS para provar que ‘os humanos são generosos’ foi assassinado”. Os artigos foram amplamente partilhados e discutidos nas redes sociais.
No entanto, o site de fact checking Snopes publicou um artigo em que verifica estes artigos. O site conclui que, ainda que o Pluralist recrie “com precisão” a viagem e morte do casal, o título e algumas frases “criam a impressão de que a morte do casal era uma ironia e servia como uma espécie de aviso alegórico sobre a ingenuidade liberal e cosmopolita”.
O artigo prossegue esclarecendo que no site onde o casal documentava a viagem, não há qualquer indício de que o casal tinha como objetivo “provar” a bondade e generosidade humana. Pelo contrário, a viagem aparenta ser motivada por um desejo de aventura e de experimentar viver em diferentes sítios do mundo.
“Estou cansado de reuniões, de tele-conferências, de horários e mudanças de palavras-passe e da comiseração de segunda-feira de manhã no elevador. Estou cansado de passar as melhores horas do meu dia à frente de um retângulo brilhante, de que a cor dos meus melhores anos seja o cinzento e o bege. Já perdi demasiados pôr-do-sol. Demasiadas trovoadas passaram sem ser vistas, demasiadas brisas suaves não foram sentidas. Existe magia por aí, nesse grande maravilhoso e bonito mundo e há muito que agarrei os últimos bocadinhos que podem ser encontrados no meu cubículo. Eu sei que há outra forma de vida. Eu já a experimentei. Mas agora é tempo para me comprometer com ela”, escreveu Jay Austin no blogue.
Efetivamente, o artigo confirma que as publicações do casal fazem, por várias vezes, referência aos atos de generosidade praticados pelas pessoas com que se cruzaram ao longo de mais de um ano de viagem. Contudo, Jay Austin revela, numa publicação de 5 de abril, que esta bondade foi algo que o surpreendeu durante a viagem e não uma convicção com que partiu e que pretendia “provar”. “A maldade existe, claro, mas ainda assim é rara. Maioritariamente, os seres humanos são bondosos (…) Esta é a maior revelação que saí desta viagem”, pode ler-se.
O Snopes afirma ainda que é pouco provável que o casal tivesse consciência do nível de perigo de ataque terrorista. À data do ataque, o Tajiquistão era classificado pelo governo norte-americano como nível 1 de perigo terrorista — o mais baixo da escala pelo que seria mais considerado mais perigoso para o casal viajar, por exemplo, para Londres. O território em causa não é território do Estado Islâmico, apesar da proximidade com o norte do Afeganistão, onde a atividade terrorista é intensa.
Desde que o fact checking foi divulgado, o Pluralist publicou uma correção à história original, alterando para “Casal Millennial que pedalava perto do território do ISIS pensando que ‘os humanos são generosos’ foi assassinado”.
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