Deve o Presidente Nyusi moderar debates?
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A discussão sobre "local content" ainda se resume à questão do ownership. O ponto central da produção local tem passado ao lado...
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A discussão sobre "local content" ainda se resume à questão do ownership. O ponto central da produção local tem passado ao lado...
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O Presidente Filipe Nyusi foi o moderador do seminário sobre oportunidades locais da Anadarko, ontem em Pemba. Nyusi tem vestido essa pele de quando em vez. Ele faz uma breve introdução da discussão e tira suas notas com rigor. Depois dá o remate final. Tem se mostrado um bom ouvinte. Ontem fez o resumo das três intervenções da Anadarko e quando o debate iniciou ele fez de moderador. Nesse processo, anotou as questões colocadas e recolocou-as, do seu jeito, à Anadarko. Por regra, um moderador deve se esforçar para ser o mais neutral possível e deixar a discussão fluir. Mas há sempre o risco de ele pender para um dos lados, em vez de ser o fiel da balança.
No caso de um Chefe de Estado, é óbvio que os riscos sāo maiores. E ontem, pela razão da sua função, ele representava também a sociedade (incluindo o sector privado) num debate competitivo com uma multinacional que se propõe lucrar bilhões com nosso gás. A legitimidade do sector privado em exigir clareza sobre a dimensão local e a especificidade das demandas da Anadarko define a natureza competitiva da discussão. Por isso, o moderador tinha de ser o mais neutral possível. Mas como era parte interessada, o registo de neutralidade do PR não foi bem conseguido. Ele acabou pisando em dois riscos: i) nāo transmitiu para a Anadarko todas as questões postas pelos intervenientes, e que ele anotara; ii) censurou abertamente a reclamação de um empresário, Sergio Cunha, que representava as Tintas CIN.
Uma das questões não transmitidas tinha a ver com os indicadores de benchmarking para as empresas locais fornecerem imediatamente à Anadarko agora na fase de construção. A questão acabou alimentando boa parte das explicações da multinacional sobre como ela vai apoiar na elevação de capacidades e competências das empresas locais para que elas consigam certificação relevante. No caso das Tintas CIN, a empresa perdera recentemente para uma concorrente sul africana um concurso de fornecimento de tintas para as obras de reassentamento em curso em Palma. Cunha disse que suas tintas haviam obtido o requisito de qualidade exigido pela multinacional. Mas a Anadarko simplesmente optou por uma sul africana, queixou-se.
O PR não gostou desta interpelação. E classificou-a de "indecente". A adjectivação não caiu bem na sala. Mas Carlos Zacarias, o PCA do Instituto Nacional de Petróleo (INP), salvou a honra do convento. Quando subiu ao pódio para partilhar a visão do INP sobre algumas das questões levantadas, Zacarias recordou que, como em qualquer processo de procurement, havia canais através dos quais os empresários podiam exprimir sua insatisfação por decisões alegadamente injustas. No afā de transmitir um ar de neutralidade, até para confortar a Anadarko, o PR acabou violentando mentalmente as expectativas de um empresário moçambicano.
Mas a questão central é se o PR deve mesmo moderar debates estruturantes para a economia e sociedade, quando ele tem já uma opiniāo formada sobre o tema em discussão? E sobretudo quando essa opiniāo pode determinar, como tem sido o nosso caso, o outcome de uma política pública ainda não exaustivamente discutida? No caso da vertente ownership do debate sobre local content, o PR partilhou seu entendimento com o tom de uma sentença irrevogável mas todos sabemos que uma Lei sobre Conteúdo Local está a ser elaborada em consulta com a CTA. É esperado que a súmula dessa consulta informe a direcção da Lei e, portanto, era escusada uma intervenção do PR que desse ponto final à discussão do assunto, através de uma abordagem que também se restringe ao ownership e não toca naquilo que é mais revelante: a questão da produção local, ou seja, a incorporação de insumos locais no produto fornecido à Anadarko. Um pouco na linha do conceito das regras de origem constantes do Protocolo Comercial da SADC.
O moderador PR de ontem teve, pois, estas nuances de enviesamento. Mas uma coisa deve ficar clara. O debate sobre conteúdo local ainda não está fechado e a futura política deverá ter em conta o resultado da consulta em curso. Ela nāo deve vir embrulhada como produto acabado de uma decisão do Governo sem a incorporaçāo dos anseios do sector privado. E a Anadarko deve se preparar para, depois da sua Decisão Final de Investimento (DFI) no próximo ano, novo evento da mesma natureza, agora sobre solicitação do nosso sector privado. Porque o seminário de ontem aconteceu como requisito de compliance com as boas praticas internacionais antes de ser feita a DFI. A procissão segue seu curso!
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