sábado, 11 de agosto de 2018

Deve o Presidente Nyusi moderar debates?

Deve o Presidente Nyusi moderar debates?
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A discussão sobre "local content" ainda se resume à questão do ownership. O ponto central da produção local tem passado ao lado...
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O Presidente Filipe Nyusi foi o moderador do seminário sobre oportunidades locais da Anadarko, ontem em Pemba. Nyusi tem vestido essa pele de quando em vez. Ele faz uma breve introdução da discussão e tira suas notas com rigor. Depois dá o remate final. Tem se mostrado um bom ouvinte. Ontem fez o resumo das três intervenções da Anadarko e quando o debate iniciou ele fez de moderador. Nesse processo, anotou as questões colocadas e recolocou-as, do seu jeito, à Anadarko. Por regra, um moderador deve se esforçar para ser o mais neutral possível e deixar a discussão fluir. Mas há sempre o risco de ele pender para um dos lados, em vez de ser o fiel da balança.
No caso de um Chefe de Estado, é óbvio que os riscos sāo maiores. E ontem, pela razão da sua função, ele representava também a sociedade (incluindo o sector privado) num debate competitivo com uma multinacional que se propõe lucrar bilhões com nosso gás. A legitimidade do sector privado em exigir clareza sobre a dimensão local e a especificidade das demandas da Anadarko define a natureza competitiva da discussão. Por isso, o moderador tinha de ser o mais neutral possível. Mas como era parte interessada, o registo de neutralidade do PR não foi bem conseguido. Ele acabou pisando em dois riscos: i) nāo transmitiu para a Anadarko todas as questões postas pelos intervenientes, e que ele anotara; ii) censurou abertamente a reclamação de um empresário, Sergio Cunha, que representava as Tintas CIN.
Uma das questões não transmitidas tinha a ver com os indicadores de benchmarking para as empresas locais fornecerem imediatamente à Anadarko agora na fase de construção. A questão acabou alimentando boa parte das explicações da multinacional sobre como ela vai apoiar na elevação de capacidades e competências das empresas locais para que elas consigam certificação relevante. No caso das Tintas CIN, a empresa perdera recentemente para uma concorrente sul africana um concurso de fornecimento de tintas para as obras de reassentamento em curso em Palma. Cunha disse que suas tintas haviam obtido o requisito de qualidade exigido pela multinacional. Mas a Anadarko simplesmente optou por uma sul africana, queixou-se.
O PR não gostou desta interpelação. E classificou-a de "indecente". A adjectivação não caiu bem na sala. Mas Carlos Zacarias, o PCA do Instituto Nacional de Petróleo (INP), salvou a honra do convento. Quando subiu ao pódio para partilhar a visão do INP sobre algumas das questões levantadas, Zacarias recordou que, como em qualquer processo de procurement, havia canais através dos quais os empresários podiam exprimir sua insatisfação por decisões alegadamente injustas. No afā de transmitir um ar de neutralidade, até para confortar a Anadarko, o PR acabou violentando mentalmente as expectativas de um empresário moçambicano.
Mas a questão central é se o PR deve mesmo moderar debates estruturantes para a economia e sociedade, quando ele tem já uma opiniāo formada sobre o tema em discussão? E sobretudo quando essa opiniāo pode determinar, como tem sido o nosso caso, o outcome de uma política pública ainda não exaustivamente discutida? No caso da vertente ownership do debate sobre local content, o PR partilhou seu entendimento com o tom de uma sentença irrevogável mas todos sabemos que uma Lei sobre Conteúdo Local está a ser elaborada em consulta com a CTA. É esperado que a súmula dessa consulta informe a direcção da Lei e, portanto, era escusada uma intervenção do PR que desse ponto final à discussão do assunto, através de uma abordagem que também se restringe ao ownership e não toca naquilo que é mais revelante: a questão da produção local, ou seja, a incorporação de insumos locais no produto fornecido à Anadarko. Um pouco na linha do conceito das regras de origem constantes do Protocolo Comercial da SADC.
O moderador PR de ontem teve, pois, estas nuances de enviesamento. Mas uma coisa deve ficar clara. O debate sobre conteúdo local ainda não está fechado e a futura política deverá ter em conta o resultado da consulta em curso. Ela nāo deve vir embrulhada como produto acabado de uma decisão do Governo sem a incorporaçāo dos anseios do sector privado. E a Anadarko deve se preparar para, depois da sua Decisão Final de Investimento (DFI) no próximo ano, novo evento da mesma natureza, agora sobre solicitação do nosso sector privado. Porque o seminário de ontem aconteceu como requisito de compliance com as boas praticas internacionais antes de ser feita a DFI. A procissão segue seu curso!
Comentários
Vasquinho King Vestir duas peles é dificil.
E defacto acontece o mesmo quando a tua balença pende para um lado contudo eu espero que haja a conferencia de investidores de CDelgado ai sim vamos ajustar as contas como deve ser.
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Cachamba Amaral Me parece ter aberto um precedente que poderá ser relativamente difícil de "descalçar". A Anadarko não é o único investidor no país. Há outros. No meu entender, outra questão para além da imparcialidade que lhe é exigida na qualidade de PR e sem descurar o interesse nacional, é: que parâmetros o PR irá usar para decidir em quais debates de natureza similar será moderador?
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Eliha Bukeni Quantos projectos de investimento de 30 bilioes de USD o pais podera ter? O da ENI e de 8 bilioes USD!
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Edio Matola Respondendo directamente a pergunta: Nao deve! E pela explicacao que deste no texto, isso ainda e agravado, pela fraca habilidade de comunicacao que ele, tem, para situacoes similares, em que nao deve esquecer com e PR, dai que muita flexibilidade pontual, seja necessaria!
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Miro Guarda Marcelo Mosse, há sempre um risco grande de ter o Chefe de Estado a moderar um debate crucial para o desenvolvimento duma nação. Não quer dizer que não o deve fazer. O risco, e eu notei ontem, é o de as pessoas não se expressarem duma forma clara, directa e frontal. Se calhar tivessémos intervenções um pouco diferenciadas que aquelas se o moderador fosse outro ou se o Presidente não estivesse. No entanto, o tom embrulhado em decisão do chefe do estado não nos pode impedir de discutir o conteúdo de forma aberta e transparente. Aliás, num passado muito recente, a quando da decisão do Chefe de Estado e do Lider da Renamo sobre o conteúdo da descentralização, havia uma sensação de que aquilo que foi decidido devia ser seguido a rigor sem tirar nem pôr, no entanto o Parlamento discutiu e chegou a consenso em relação a determinados pontos que até eram diferentes da forma como os dois lideres tinham acordado. Em relação ao assunto aqui discutido, a lei dos conteúdos locais que for aprovada nunca será de acordo com as vontades de todos interlocutores. Não agradara de todo nem o local e nem o de fora. O importante é que se encontre o balance, um meio termo, um win-win
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Imtiaz Vala SEXA.PR esta mostrar o cometimento e a esperança de Moçambique na Bacia do Rovuma!As Multinacionais que estao na Bacia do Rovuma não podem repetir o caso da SASOL em Inhambane!
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Victor Darsan Temos um governo onde os digníssimo mandatários infelizmente são legisladores, reguladores e empresários com interesses que chocam com dever de forma isenta contribuir para o crescimento efectivo do sector privado.
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