A declaração pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) da inelegibilidade do Eng. Venâncio Mondlane como cabeça de lista da Renamo é um ataque à democracia e um golpe na Constituição da República. Esta é a súmula de quatro pareceres colhidos entre renomados juristas moçambicanos, alguns com experiência de anos em matérias constitucionais. Ontem, a CNE deu como procedente uma reclamação do MDM contra a elegibilidade de Venâncio Mondlane. O órgão eleitoral defendeu a inelegibilidade do ex-deputado do MDM alegadamente por ele ter renunciado ao mandato anterior de membro da Assembleia Municipal de Maputo. Mondlane renunciou quando decidiu concorrer para deputado da Assembleia da República nas legislativas de 2014.
A CNE cita a norma do artigo 7 da Lei 7/2018, de 3 de Agosto (Eleição de Órgãos Autárquicos), a qual estabelece que "não é elegível para os órgãos autárquicos o cidadão que tiver renunciado ao mandato imediatamente anterior". A CNE recorreu ainda ao número 1 do artigo 14 da Lei 7/97, de 31 de Maio que dispõe que "no período de tempo que resta para a conclusão do mandato interrompido e no subsequente período de tempo correspondente a novo mandato completo, os membros dos órgãos da autarquia local, objecto do decreto de dissolução, bem como os que hajam perdido o mandato não poderão desempenhar as funções em órgãos de qualquer autarquia, nem ser candidatos nos actos eleitorais para os mesmos".
Ou seja, a CNE invoca a inelegibilidade de Venâncio Mondlane com base numa alegada perda de mandato. Parecer recolhido defende que Venâncio não perdeu o mandato. Ele apenas cessou o mandato, renunciando-o para concorrer, por direito, para outro órgão do Estado, nesse caso a Assembleia da República. Sua renúncia, para suprir uma futura incompatibilidade, não pode ter o efeito da perda de mandato; a perda é uma sanção, e este não foi o caso. E a renúncia de Venâncio Mondlane estava no seu direito, foi de boa fé e para fins lícitos e, nesse contexto, ele não pode sofrer consequências por isso, com a CNE coarctando o seu direito de participação política passiva, nomeadamente o direito de ser eleito. Aliás, em alguns casos, a renúncia é a única saída legal para quem queira concorrer ou assumir outros casos (electivos ou não) num Estado democrático
De acordo com o parecer obtido, a aplicação da norma da inelegibilidade neste caso está deslocada. Aliás, essa norma devia ser interpretada em casos concretos. Com efeito, seu espírito decorre doutros factores: a prevenção do oportunismo de políticos através do crossing the floor (com deputados deixando um partido para outro) ou a banalização da função de membro da Assembleia Municipal. No caso concreto, Venâncio Mondlane renunciou para se candidatar a um órgão de soberania. A CNE devia aplicar a norma de acordo com a sua ratio essendi (razão de ser) e não da forma tão restritiva como fez. "Num Estado democrático, a renúncia a um mandato é um direito. A renúncia exercida para evitar uma situação de violação do princípio da incompatibilidade, para se observar a Constituição e a Lei, não devia ter como consequência uma limitação da capacidade eleitoral passiva", comentou uma das fontes.
Ao decidir como fez, a CNE pode ter violado um principio democrático inscrito na Constituição da Republica, nomeadamente o princípio da participação política. Em suma, a CNE decidiu pela limitação da participação política do cidadão Venâncio Mondlane aplicando de forma enviesada a norma da inelegibilidade. Ontem, na plenária da CNE, 9 dos seus membros (contra 7 e uma abstenção) votaram a favor da inelegibilidade do cabeça de lista da Renamo, num claro avanço contra a democracia inclusiva em Moçambique. É esperado que a Renamo recorra para o Conselho Constitucional (CC) e este órgão reponha a legalidade violada claramente por interesses de uma maioria de membros da CNE votando de acordo com a orientação dos partidos donde são oriundos. Esta questão vai fazer regressar o debate sobre se vale a pena termos em Moçambique uma comissão eleitoral partidarizada? A decisão da CNE tem também o condão de apontar em sentido contrário ao espírito de inclusão que tem conduzido o Presidente Filipe Nyusi no diálogo com a Renamo. Quando Nyusi aposta na informalidade e no pragmatismo, a CNE se agarrar a um legalismo excessivo para limitar a participação política dessa mesma Renamo. Paradoxos...
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