Voltaram a explodir petroleiros ao largo do Irão — e os EUA acusam aquele regime. Teerão nega, mas ameaça fechar o estreito de Ormuz se as sanções continuarem. Está uma crise petrolífera por perto?
Pela segunda vez em menos de um mês, petroleiros que navegavam ao largo do Irão foram atingidos por explosões. As empresas responsáveis pelas embarcações falam de “ataques” e os EUA vão mais longe, acusando o Irão de estar por trás de tudo. O Irão nega, mas vai lançando a ideia de que, se as sanções ao seu petróleo continuarem, vai fechar o estreito de Ormuz, um dos principais pontos de passagem de crude em todo o mundo.
O que está em causa e o que pode vir a acontecer? Entenda as principais perguntas deste caso nas seguintes linhas.
O que é que aconteceu?
Dois petroleiros, um norueguês e outro japonês, foram atingidos por explosões no golfo de Omã, esta quinta-feira. Tanto a Agência Marítima Noruegesa como os donos do navio japonês dizem terem sido “atacados”, de madrugada, entre as 6h12 e 7h00 locais de 13 de junho.
Tal como já tinha acontecido em maio, quando quatro petroleiros foram atingidos de forma subaquática nas águas territoriais dos Emirados Árabes Unidos, as culpas deste novo ataque estão a ser atiradas para cima do Irão. Tanto em maio como agora, os EUA estão na liderança dessa acusação. Porém, desta vez, ao contrário do que tinha acontecido em maio, os EUA divulgaram vídeos onde filmam uma pequena embarcação, que dizem ser do Irão, a retirar do casco de um dos navios uma mina que não terá explodido.
Em conferência de imprensa no dia dos alegados ataques, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, disse que os EUA tinham “apurado” que as explosões foram “da responsabilidade do Irão”. “Chegámos a esta conclusão com base em informações secretas, nas armas utilizadas, no nível de atuação necessário para executar esta operação, nos ataques semelhantes feitos recentemente pelo Irão em navios, e no facto de que não há nenhum grupo na área com recursos e capacidade para agir com tamanho grau de sofisticação”, disse Mike Pompeo.
“No seu todo, estes ataques inusitados representam uma clara ameaça à paz e segurança internacionais”, sublinho o chefe da diplomacia dos EUA.
Já o homólogo iraniano de Mike Pompeo, Mohammad Javad Zarif, negou qualquer envolvimento com o sucedido e apontou que a situação era estranha, chamando a atenção para o facto de um dos petroleiros atacados ter bandeira japonesa, tudo ao mesmo tempo em que o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, visitava o Líder Supremo do Irão, Aiatola Khamenei.
“Os ataques reportados em petroleiros ocorreram enquanto o primeiro-ministro Shinzo Abe se reunia com o Aiatola Khamenei para conversações longas e amigáveis. Dizer que isto é suspeito é muito pouco para descrever o que se passou esta manhã”, escreveu Javad Zarif no Twitter.
Noutro post, falou diretamente dos EUA: “Que os EUA se tenham apressado para fazer alegações contra o Irão — sem qualquer ponta de provas factuais ou circunstanciais — só demonstra que a Equipa B está a passar para o Plano B: sabotagem diplomática, incluindo por parte de Shinzo Abe, e ocultação do seu terrorismo económico contra o Irão”.
Por “Equipa B”, Javad Zarif refere-se primeiramente a John Bolton, conselheiro de segurança nacional de Donald Trump e uma das vozes mais agressivas para o Irão dentro da Casa Branca — mas também aos aliados dos EUA na região, como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e Israel.
Que interesse é que teria o Irão em atacar aqueles petroleiros?
Antes de mais, é importante sublinhar que não está provado que tanto as explosões de maio como as de quinta-feira tenham sido da responsabilidade direta do Irão.
No que diz respeito aos ataques de maio, para já a conclusão da equipa que está a investigar o caso (composta pela Noruega, pelos Emirados Árabes Unidos e pela Arábia Saudita) aponta para que a autoria tenha sido de um “ator estatal” — ou seja, de um país e não de um grupo armado ou terrorista. Porém, aquela comissão não falou diretamente do Irão. Se aí as certezas parecem estar longe de serem totais, menores são ainda as certezas em torno do que se terá passado na quinta-feira.
Feita essa ressalva, o Irão poderá ter diferentes vantagens e ganhos estratégicos ao levar a cabo um ataque daquele tipo ou ao contratar algum grupo armado ou especializado para esse fim.
A primeira razão para levar a cabo um ataque deste tipo é a de assustar os EUA a um ponto em que leve Washington D.C. a querer sentar-se à mesa com o Irão, mas sem chegar ao ponto de obrigar a administração de Donald Trump a responder militarmente contra qualquer alegada provocação iraniana. Sublinhe-se que nenhum dos navios em questão tinham bandeira norte-americana e, embora as explosões tenham provocado estragos em cada deles, nenhum apresenta danos irreparáveis e muito menos houve mortos resultantes daqueles supostos ataques.
O Irão pode, desta forma, estar a repetir aquilo que Kim Jong-un fez ao longo de 2017 (num só ano, a Coreia do Norte fez 17 testes com mísseis, incluindo um com capacidade para uma explosão nuclear) para obter aquilo que o ditador norte-coreano conseguiu em 2018: sentar-se à mesa com Donald Trump para negociar tréguas.
A segunda razão tem a ver com questões internas. O Irão, cujo governo está a cargo do moderado Hassan Rouhani, vive neste momento uma crise em três frentes, conforme escreve Ali Fathollah-Nejad na revista Cairo Review of Global Affairs: política, socio-económica e ecológica.
Na frente política, pela pressão exercida pelos grupos mais radicais dentro da política iraniana (à qual pertence, por exemplo, o ex-Presidente Mahmoud Ahmadinejad) junto dos setores mais moderados, como é o caso do atual Presidente, Hassan Rouhani.
Na frente socioeconómica, por causa do desemprego alto (sobretudo entre jovens e mulheres) e também pela classe socioeconómica a que se convencionou chamar de “classe média pobre”, que tem protagonizado várias manifestações nos últimos tempos — muito em parte por causa da inflação a 31% registada em 2018 e pela subida de preços de bens essenciais como a carne (57%), vegetais e leite (47%) e ovos, leite e queijo, que subiram 37% de preço no ano passado.
Por fim, na frente ecológica, porque a desertificação e as cheias estão já a provocar estragos visíveis no país, causando uma destruição estimada em 3 mil milhões de dólares (praticamente 2,7 mil milhões de euros).
E é aqui que tudo volta para a primeira razão e principal motivo de Hassan Rouhani: coagir os EUA a sentarem-se à mesa de negociações com o Irão, de forma a diminuir a tensão, suspender sanções e chegar a um novo acordo com os EUA.
Certo é que, apesar de ter retirado os EUA do acordo nuclear com o Irão (do qual ainda fazem parte França, Alemanha, Reino Unido, União Europeia, Rússia e China), Donald Trump sempre expressou a sua vontade de fazer um novo acordo com o Irão. Em reta final para as eleições presidenciais norte-americanas, agendadas para novembro de 2020, um novo acordo seria um trunfo político para o norte-americano. O mesmo pode ser dito no caso de Hassan Rouhani, que termina o seu segundo e último mandato pouco depois, em meados de 2021.
Mas nada disto passa, para já, do campo das possibilidades. Por agora, há apenas uma certeza e uma realidade: as tensões entre os dois países estão altas e muito dificilmente baixarão a curto prazo.
Estará uma crise petrolífera ao virar da esquina?
De todos os navios que passam pelo golfo do Omã e pelo golfo da Pérsia, cada uma das seis explosões que foram registadas naquela região aconteceram em navios destinados ao comércio de petróleo e outros combustíveis.
Coincidência ou não, certo é que desde as explosões de quinta-feira o preço do barril de Brent subiu 4%, passando desta forma a 62 dólares (equivalente a 55,28 euros). Ora, isso convém tanto aos países exportadores de petróleo como atrapalha a vida aos países que o importam.
"Se não os deixarem usar o estreito de Ormuz, vamos fechá-lo."
Entre os países que exportam, a subida do preço do petróleo é uma notícia particularmente bem recebida pelo Irão. Isto porque o conjunto das sanções aplicadas ao Irão pelos EUA depois de Donald Trump ter retirado o seu país do acordo nuclear com o Irão não só afastou investimentos estrangeiros daquele país (como foi o caso da petrolífera Total e a construtora automóvel PSA) como reduziu drasticamente as exportações de petróleo iraniano.
De acordo com a Reuters, o Irão exportou apenas uma média diária de 400 mil barris de petróleo em maio deste ano. Isto representa uma queda para mais de metade em relação a abril e menos 2,5 milhões de barris diários em relação a abril de 2018.
Desta forma, qualquer subida no valor do preço do petróleo é sempre bem-vinda da parte do Irão, que nas reuniões da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) tem insistido, sem sucesso, numa descida concertada da produção petrolífera de forma a subir os preços.
Esta subida, e a perspetiva de ela se acentuar a curto-médio prazo, pode resultar na entrada de mais dinheiro nas cofres iranianos (proveniente dos países que ainda lhe compram petróleo, com a China à cabeça). Ao mesmo tempo, esta subida do preço do petróleo pode levar a um aumento generalizado do preço de vários produtos, entre os quais os que são fabricados na Ásia. Dessa forma, esta subida do preço do petróleo poderá, por portas e travessas, ir bater à porta dos consumidores dos EUA e da Europa, que passarão a comprar mais caro a países como a China.
Porém, não será essa subida de 4% que vai fazer uma diferença significativa nas contas iranianas — para perceber isso, basta recordar que em outubro de 2018 o preço do barril de Brent chegou a passar os 80 dólares e não foi por isso que a economia iraniana recuperou.
Por outro lado, se muito dificilmente o Irão consegue sair da crise em que foi mergulhado, o regime de Teerão tem na mão uma cartada que pode arrastar várias economias consigo: o bloqueio dos principais pontos de passagem de navios-petroleiros naquela região, de onde saem a cada dia cerca de 60 milhões de a barris por dia.
“Cerca de 30% do crude consumido em todo o mundo passa naquele estreito. Se aquelas águas passarem a ser inseguras, o abastecimento de todo o Ocidente pode estar em risco."
O estreito de Ormuz tem, na zona mais apertada, uma largura de praticamente 37 quilómetros. Porém, a faixa destinada à passagem dos petroleiros é de apenas 6 quilómetros para cada lado. Dessa forma, a desestabilização ou até bloqueio desta via, onde passa quase um terço do petróleo comercializado em todo o mundo, não é um cenário impossível — e o Irão já deixou esse aviso várias vezes. “Se não nos deixarem usá-lo, vamos fechá-lo”, ameaçou em abril Alireza Tangsiri, almirante da marinha iraniana. “No caso de de quaisquer ameaças, não teremos qualquer hesitação em proteger e defender as passagens marítimas do Irão.”
Este cenário é visto com preocupação no setor petrolífero. Em comunicado emitido esta sexta-feira, o presidente da Intertanko, organização que junta os transportadores de petróleo independentes disse que “cerca de 30% do crude [consumido em todo o] mundo passa naquele estreito”. Por isso, sublinhou: “Se aquelas águas passarem a ser inseguras, o abastecimento de todo o Ocidente pode estar em risco”.
Esta sexta-feira, Donald Trump reconheceu que era possível o Irão bloquear o estreito de Ormuz, mas logo acrescentou: “Não ficará fechado durante muito tempo”. Só faltou explicar se vai buscar as suas certezas à capacidade militar dos EUA ou à sua “arte do negócio”.
Todos queremos saber mais. E escolher bem.