terça-feira, 21 de agosto de 2018

Fernando Henrique Cardoso responde a Lula da Silva: “O meu país merece mais respeito”


ULLSTEIN BILD/GETTY IMAGES

O antigo presidente brasileiro Lula da Silva escreveu recentemente que o Brasil se havia transformado numa “democracia em ruínas” em que a lei foi usada de “forma arbitrária” para prejudicá-lo e ao seu partido, mas Fernando Henrique Cardoso, também ele ex-presidente do país, não concorda e publicou um artigo a explicar porquê

Não é “verdade” que o Brasil se tenha transformado numa “democracia em ruínas, em que a lei foi usada de forma arbitrária para prejudicar” Lula da Silva e o seu partido e também “não é verdade” que o país “se encontrava sem rumo” antes de Lula assumir a presidência, em 2003. É desta forma que o antigo presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) responde a Lula da Silva num artigo publicado esta terça-feira no “Financial Times”.
Co-fundador do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), Fernando Henrique Cardoso começa por dizer que a versão apresentada por Lula da Silva sobre a história recente do país num artigo publicado no “New York Times” “não corresponde à realidade” e recorda “a estabilização bem-sucedida da economia do país depois de muitos anos de hiperinflação, que começou com o Plano Real”, implementado pelo antigo presidente Itamar Franco, e continuou, diz Fernando Henrique Cardoso, durante o seu Governo. Na mesma versão “peculiar” da história do país, Lula da Silva aparece como o “salvador do povo” e a “vítima de uma conspiração da elite”, algo que, na opinião do antigo presidente, “deslegitima o esforço coletivo que esteve na origem da fundação da democracia brasileira”.
No artigo publicado no “New York Times”, publicado um dia antes de o Partido dos Trabalhadores (PT) registar a sua candidatura às eleições presidenciais brasileiras, Lula da Silva diz que a destituição de Dilma Rousseff foi um “golpe de estado”, mas Fernando Henrique Cardoso contesta isso, alegando que foi, por outro lado, “o resultado das violações do governo da ex-presidente à Lei da Responsabilidade Fiscal no período que antecedeu as eleições de 2014”. Aprovada em 2000 pelo próprio Fernando Henrique Cardoso, esta lei visa impor o controlo dos gastos por parte de estados e municípios.
O ex-presidente nota ainda que a destituição de Dilma cumpriu “todos os parâmetros constitucionais”, assim como “foram legais todos os processos judiciais em que Lula tem estado envolvido”. Assegurando que as suas críticas “não são motivadas por razões pessoais”, uma vez que lutou ao lado de Lula contra o regime autoritário que governou o Brasil entre 1964 e 1985 e mesmo quando estavam em “lados opostos” continuou a ter uma “relação construtiva” com ele, Fernando Henrique Cardoso diz que Lula da Silva “não é um caso isolado” e que há políticos de todos os partidos na prisão, inclusive do seu próprio partido.
No texto publicado no “New York Times”, Lula da Silva, que está preso desde abril, volta a defender a sua inocência e atribui a sua prisão a um golpe articulado por forças conservadoras, que pretenderam “marginalizar permanentemente as forças progressistas no Brasil” e impedir que o Partido dos Trabalhadores “seja novamente eleito para a Presidência”. O ex-presidente também voltou a criticar o juiz Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância num dos processos da Operação Lava Jato, dizendo-se vítima de uma perseguição encabeçada por esta magistrado e outros membros do sistema judicial brasileiro. “Eu não peço para estar acima da lei, mas um julgamento deve ser justo e imparcial”.
Fernando Henrique Cardoso não concorda. “O Brasil está a atravessar um processo doloroso, mas necessário, que implica uma nova moralização da vida pública e as ações do Ministério Público, bem como do poder judicial, fazem parte deste processo”, escreve o antigo presidente brasileiro, que embora nem sempre se sinta “confortável com a duração das penas de prisão ou da prisão preventiva antes do julgamento”, considera que é “uma grave distorção da realidade dizer que há uma campanha montada no país para perseguir indivíduos específicos”. “O meu país merece mais respeito”, termina.

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