O CAÇADOR MORRE COM A SUA ARMA
CAÇADORO (LEIA, CAÇADOR) ANAFA NA NFUTI YATCHE (provérbio Chi-sena)
Fico pasmado pela forma como a minha sociedade é campeã em molestar-se a si mesma e pela competente forma de como em situações de crise, é a primeira a afundar-se, destruindo quaisquer possibilidades de solução. Comecemos pela recente morte do antigo deputado Jeremias Pondeca:
FACTOS
1. Jeremias Pondeca foi encontrado morto na Morgue do Hospital Central de Maputo
2. Foi a PRM quem afirmou ter recolhido o corpo da praia ou imediações da Costa do Sol tendo-o depositado na Morgue
3. Os familiares afirmaram que ele saira de manhã para habituais ginásticas matinais de onde não regressou.
4. Os familiares aperceberam-se do ocorrido no dia seguinte.
5. Os resultados da autópsia são desconhecidos.
NÃO-FACTOS OU O QUE NÃO SE CONFIRMOU
1. Não ficou confirmado que o finado foi agredido onde a PRM afirmou tê-lo encontrado morto
2. Não ficou confirmado que o finado fora morto a tiro no local
3. Não está confirmado se o finado foi morto na manhã, durante as suas ginásticas matinais, ou a noite ou na manhã que a PRM o encontrou morto
4. Não ficou claro como a PRM ficou informada da existência do corpo lá na praia.
Mas porque somos tão bons em concluir, já temos uma história completa e que “faz sentido” para contar:
“Jeremias Pondeca saiu de manhã para as suas habituais ginásticas matinais de onde encontrou-se com os seus algozes que o balearam na cabeça e abdómen, tendo-o abandonado no local do crime. A PRM só veio descobrir um corpo desconhecido no dia seguinte, tendo o recolhido para a Morgue do Hospital Central. Quem matou Jeremias Pondeca fora os habituais Esquadrões da Morte”.
E como que ainda a confirmar, durante a conferência de imprensa os jornalistas perguntam ao Ministro do Interior onde “estão os membros do Esquadrão da Morte que mataram Jeremias Pondeca”. O que não conseguimos reconhecer é que são mais de 24 horas sem explicação, ou seja, desde o tempo que a família o viu a sair até o momento que confirmaram a sua morte.
O que pretendo lamentar com este pequeno post é simples: as nossas conclusões precipitadas, às vezes contribuem para a distorção das investigações e acabamos perdendo a oportunidade de sabermos mais. A própria PRM, porque descredibilizada, já nem é desafiada a provar o contrário. Recentemente a PRM apresentou alguns elementos acusados de terem baleado o Procurador Vilanculos. Muito antes, a PRM apresentou os algozes do Juiz Silica e tantos outros. Apesar de o maior desafio ser o de encontrar os mandantes, a minha sociedade parece gostar exatamente de tais crises, na medida em que tais atos servem para fortalecer a sua crença de que estamos num país das bananas. Até pode ser, só que nos esquecemos que nós é que somos os tais grandes agricultores das bananas.
A nossa apetência em querer politizar os assuntos, podem minar os resultados – e quase sempre minou. Esta sociedade amante da permanente catarse, esquecemo-nos que neste mundo existem malfeitores, que mesmo antes da emergência dos tais “esquadrões da morte” mataram, sequestraram e balearam pessoas. E, de ambos lados dos partidos políticos, já morreram pessoas cujas causas são até hoje desconhecidas: Mabote, Maguni, Zumbire de um lado e Milaco do outro. Não se conhecem as causas muito menos os seus autores foram identificados. Mas porque quiseram politiza-lo, grande parte dos casos não conhecem desfecho em parte porque somos a maioria, desatentos e fazemos pouco para buscar um maior entendimento sobre os fenómenos que dizemos compreender e baseamo-nos em quase tudo no princípio supersticioso segundo o qual, o caçador morre com a sua arma:
· Se é político da oposição a morrer, logo, são esquadrões da morte (mas os esquadrões da morte, se existem, não matam os da Frelimo, insinuando que são por este coordenados)
· Se for um bancário, são dívidas (ele não pode acidentalmente ser assaltado)
· Se for um político da Frelimo, estão a matar-se entre eles (mas na Renamo não se matam entre eles, nem no MDM!)
· Se for um músico a morrer doente, é SIDA (ele não pode morrer de cancro, pois viamo-lo em múltiplas relações amorosas)
· Se for um empresário a ser baleado, são dívidas ou rivalidade entre grupos (não pode ser confundido)
· Se forem desconhecidos encontrados mortos, são bandidos mortos pela Polícia (execução sumária e nunca rivalidade)
· Se forem forem jornalistas, é o silenciamento das vozes (mas o jornalista nunca pode ter participado em atos criminosos, endividar-se, fazer parte de quadrilha de assaltantes. A propósito, quantos homens da lei e ordem foram apresentados como fazendo parte de quadrilhas).
Até porque pode tudo isso ser verdade. Porém, o problema é que não partimos para passos subsequentes para além da cómoda acusação, a princípio, conspiratória: todos sabemos do que se trata.
· Ora, se todos sabemos do que se trata, porquê não agimos?
Por falar dos esquadrões da morte, por exemplo, a única vez que vimos uma tal descrição foi através dos jornais @verdade e Canal de Moçambique, por intermédio de uma suposta entrevista de um dos supostos membros. O que aconteceu depois disto? Pura e simplesmente todos acreditaram ser verdade e o resto passou a justificar-se automáticamente.
1. O que o Parlamento fez?
2. O que os deputados da Renamo, MDM ou Frelimo fizeram?
a. Questionaram a PGR, PRM ou outra entidade?
b. Exigiram uma comissão de inquérito para investigar a alegada existência ou não destes esquadrões? É o que acontece noutros países. Uma informação séria como esta não podia passar despercebido.
3. Houve ou não seguimento por parte dos ofendidos no processo?
a. O que sabemos mais?
b. A imprensa deu seguimento à outros casos? Porquê (SIM/Não)
Portanto, não aconteceu nada, não porque as pessoas que deveriam ter feito isso não fossem capazes. É porque os que deveriam fazer sentem-se confortáveis que assim seja; que o povo fique por este mito.
a. A oposição não faz mais nada porque quer que os cidadãos acreditem que é o governo da Frelimo que está a perseguir os opositores
b. A Frelimo não faz porque a princípio não está encorajada a fazer mais do que tem feito, que é governar o Estado e a sociedade em moldes que a permita renovar-se e reforçar-se. Com a sensação de culpa na cabeça, acreditam que a impunidade é sua, já que controla tudo.
c. A PGR, com tantos outros assuntos por tratar vai depender do estímulo externo para avançar algumas investigações
d. O Parlamento entanto que tal, fica de braços cruzados a espera de iniciativas.
E se me perguntarem quem será o próximo a minha resposta é clara: qualquer um de nós pode morrer a qualquer momento por qualquer pessoa, já que temos identificado um grupo sobre o qual todos acreditam. Esquadrões de morte. Somos todos, membros do Esquadrão da Morte na medida em que:
1. Acreditamos piamente nesta fábula, sem nunca querer conhecer a sua identidade
2. Não admitimos outras possibilidades, por isso somos impacientes em investigar ou demandar a ivnestigação até o fim
3. Não acreditamos nem desafiamos as nossas instituições.
A forma mais fácil de matar a notícia, de matar a investigação e de matar as pessoas é explicando o fenómeno com algo sobre a qual a maioria crê e tudo o resto fará sentido. Isto os mais inocentes assassinos e oportunistas sabem qual é o melhor momento para agir.
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