Editorial
O
que aconteceu na Gorongosa no passado sábado, e que Afonso Dhlakama
conta na edição desta semana do “Canal de Moçambique” e na primeira
pessoa, revela o que sempre denunciámos, aqui, neste espaço: a falta de
seriedade desta gente, que encontra o expoente máximo na sua
predisposição para o sangue avulso e o caos permanente.
Vamos
por partes. Segundo Afonso Dhlakama, depois de um acordo tripartido,
entre ele próprio, Filipe Nyusi e o chefe dos mediadores internacionais,
o italiano Mario Raffaelli, os mediadores deviam ir à Gorongosa para,
pela primeira vez, se reunirem com Dhlakama e ouvi-lo, em mais um
esforço para se encontrar a paz.
Nyusi
comprometeu-se a garantir que as tropas do Estado, ilegalmente ao
serviço do partido Frelimo, não fossem interferir de forma negativa para
que o encontro acontecesse em local que devia ser indicado por
Dhlakama, o anfitrião. Segundo Dhlakama, tudo foi combinado
secretamente, para que “forças estranhas” não interferissem no evento.
Já
com a data, hora e local marcados, e exactamente naquele dia (no
passado sábado) e a escassas horas do encontro, eis que as Forças de
Defesa e Segurança já estavam no local, a disparar e tudo. Dhlakama teve
de cancelar o encontro, informando aos mediadores, que já estavam na
vila da Gorongosa e prestes a saírem ao encontro de Afonso Dhlakama.
Tal
como temos vindo a anotar, aqui, neste mesmo espaço, infelizmente um
acto destes, apesar de irresponsável, vil e repugnante, já só tem pouco
ou nenhum potencial de nos causar estranheza.
Atingimos um nível de patologia social colectiva, em que actos de autêntico banditismo são a vocação dos que controlam o Estado.
Se
olharmos para o requinte deste último acto, é fácil perceber que segue à
risca todos os outros últimos episódios de emboscadas com o objectivo
de liquidar Afonso Dhlakama. Desta vez, o detalhe são os mediadores
internacionais, que provavelmente seriam usados para justificar um
possível assassinato de Afonso Dhlakama. Em fogo cruzado, por exemplo,
não seria estranho que o argumento fosse que as forças estavam lá para
garantir a segurança dos mediadores.
Já
vai em quatro o número das tentativas para acabar com Afonso Dhlakama.
Duas em Manica, uma na Beira e esta última na Gorongosa.
Tudo
isto tem o condão de deixar mais claro que, definitivamente, o partido
Frelimo não acredita na paz. Tudo isto deixa claro que a famigerada
solução angolana não foi abandonada, e vive-se com esta obsessão segundo
a qual, matando Dhlakama, fica mais simples implementar o plano da
destruição. Pelos vistos, ninguém no partido Frelimo quer usar os
neurónios para equacionar a possibilidade do extremar da violência com
um hipotético assassinato de Afonso Dhlakama e numa situação de um grupo
armado sem líder nem quartel. Parece-nos que ninguém está disponível
para pensar nessa possibilidade.
Mas
também este último episódio é, se calhar, o detalhe que faltava para a
comunidade internacional, que ainda debitava crédito nesta gente. Desta
vez, quem escapou foi Mario Raffaelli. Talvez agora a comunidade
internacional leve mais a sério este terrorismo praticado pela Frelimo.
Assim é que as coisas não devem continuar.
Fica
claro quem anda a investir tempo e recursos para que este país não seja
um país normal. Fica claro sobre quem investe a sério para perpetuar o
sofrimento deste povo e para fomentar o ódio e o regionalismo.
Se
esta guerra tivesse como palco a zona onde todos os dirigentes vivem,
já teríamos acordo de paz. Como as vítimas desta guerra são os que
tiveram o azar de serem considerados pela lógica dominante como
moçambicanos de segunda, então que cocem eles esta sua sarna.
Resta
saber, agora, o que dirá Filipe Nyusi, depois dessa monumental pouca
vergonha. Vai continuar a fingir que não ouve e não vê nada, como
aconteceu na Beira? Vai continuar a passear e a mentir sobre um país que
alegadamente está bem e a promover feiras de turismos a fazer num
caldeirão efervescente?
Será importante para a opinião pública saber a opinião de Filipe Nyusi sobre esta vergonhosa empreitada.
Vamos continuar a brincar ao “está tudo bem”? O que tem Nyusi a dizer sobre isto tudo?
Quando
houve a primeira emboscada em Macossa, Nyusi ficou calado. Quando houve
a emboscada de Zimpinga, Nyusi ficou calado. Quando assaltaram a
residência da Dhlakama na Beira, Nyusi também ficou calado. Isso, é
claro, sem pretender excluir as vítimas dos esquadrões da morte,
sorteando e distribuindo de forma gratuita morte violenta dos membros da
oposição.
Desta
vez, Nyusi acertou com Dhlakama e os mediadores o local, o dia e a
hora. Na hora do evento, já estava lá montada a emboscada.
Não
vos venha Nyusi dizer que são “forças estranhas” e que estão acima dele
que estão actuar desta forma. Se existem “forças estranhas” a actuar
superiormente, então estamos perante um caso paradigmático de
incompetência. Se essas forças superiores existem, é porque Nyusi
concorda com a sua existência, e Nyusi torna-se, em última instância, um
subalterno dessas forças. O que impede Nyusi de expor essas “forças
estranhas”? O que impede Nyusi de, por exemplo, se livrar dessas “forças
estranhas”? O que faz com que Nyusi nunca se pronuncie sobre as acções
de tais “forças estranhas”.
A
resposta, quanto a nós, é simples: porque Nyusi é produto dessas
“forças estranhas”. Nyusi só existe para tramitar o expediente dessas
“forças estranhas”. Nyusi é, em si, a representação legal e autêntica da
tal “força estranha”.
E é por isso que Nyusi nunca se demarcou dessas incursões assassinas.
O
seu silêncio sobre estes actos todos é revelador de que repousa a sua
consciência em concordância com esses actos. Permitir esses actos é
sinal inequívoco de total apoio de expediente de aspersão selectiva de
sangue. Como é que Nyusi ainda pretende ser levado a sério assim? Não há
como levá-lo a sério. Estamos perante uma monumental fraude humana.
Nota da Redacção: É deplorável a tentativa do senhor Mario Raffaelli de desmentir o acontecimento sobre o qual temos toda a confirmação.
Ainda
estamos a analisar se, daqui para frente, tomaremos como sérias as
futuras declarações do senhor Mario Raffaelli. O senhor Mario Raffaelli
tem a coragem de dizer que não esteve no interior do Chitengo (Parque
Nacional da Gorongosa) no sábado, apesar de ter sido visto lá. Esta
atitude é insultuosa.
Compreendemos
todo o contexto diplomático, que torna difícil dar uma conferência de
imprensa para confirmar que houve o ataque. Mas, daí até vir a público
mentir de forma descarada, classificando como boato um acontecimento da
maior gravidade, só revela que o senhor Mario Raffaelli tem nisto tudo
algum interesse, o qual o leva a colocar o seu estatuto de parte
interessada acima do seu alegado estatuto de mediador. (Canal de Moçambique)
CANALMOZ – 28.10.2016