domingo, 12 de junho de 2016

A paz está para breve


Maximo_diasO governo da Frelimo quer imediatamente a paz, por exigência do povo. A guerra está a ser injustificada e a ser responsável por um recuo no programa de desenvolvimento do país, dificulta a sua a administração territorial e a Renamo, se quer continuar a ter a popularidade de que alguma vez gozou, também tem de fazer a paz porque o povo em geral não está satisfeito com essas confrontações, já percebeu de onde vem a vontade de o fazer sofrer.
O nosso entrevistado, Máximo Dias, conhecido advogado e político moçambicano, diz que basta referir-se aos inúmeros refugiados moçambicanos, pelo menos cinco mil famílias. Estaremos a falar de 20 a 30 mil pessoas, tendo em conta os parentes, que fazem no seu conjunto um problema tremendo. Para mim, assegura, até o próximo mês de Julho a paz estará alcançada. Até lá já há acordo.
Caso as suas previsões sejam validadas pela realidade, o que fazer para serem efectivas e não voltarmos à mesma incómoda e nociva tecla de paz efémera….
O governo de Moçambique (olha que não estou a falar da Frelimo) tem que integrar efectivamente os militares da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança, que pertencem ao Estado, mas, primeiro, tem que desarmá-los e a sua disponibilidade não será difícil porque terão salário que agora não têm.
Mesmo lembrando-nos que por duas vezes essa tentativa de integração falhou, por ocasião do Acordo Geral de Paz, em 1992 e no quadro do Acordo de Cessação de Hostilidades a 5 de Setembro de 2014?
A primeira falhou para ambas partes, pois a integração não foi feita conforme o acordo. Em Setembro de 2014 foi apenas para satisfazer interesses para ambos, para viabilizar as eleições que estavam à porta, não era para a paz real, houve um erro de atacar a Renamo na sua base em Santugira. Na verdade, convivemos com a Renamo largo tempo, mesmo armada.
Está a dizer que isso é normal?                                                              
Estou a dizer que não era necessário atacá-la daquele jeito. É claro que em democracia não podemos viver com partidos armados, nem da Renamo, nem da Frelimo, nem doutro partido. Depois do AGP, deve haver militares, que são única e exclusivamente do Estado.
Tem-se dito que a exclusão é a razão de todo esse tipo de situações. Que tipo de exclusão o Dr. Máximo Dias acha que contribui para esse desencontro de moçambicanos de forma permanente ou cíclica? Política, económica, regional, religiosa, étnica? Qual?
A exclusão advém da pobreza em que nos encontramos. Essa é responsável por nos fazer ver que os cargos políticos são os que, infeliz e erradamente, fazem com que alguns cidadãos vivam de certo modo desafogados e aí descobrimos que quem não for membro da Frelimo não pode ascender a tais cargos, ainda que não sejam meramente políticos. Estou a falar de directores de qualquer instituição, dificilmente consegue-se uma colocação no Estado quando não se é membro da Frelimo. Isso não é para negar. Mas não é justificação para guerra. O princípio é que nenhum partido deve ter um braço armado. Basta que nenhum partido esteja armado!
O que tem a dizer do aparecimento de um novo fenómeno, entre a oposição, nomeadamente a alergia que tem a Renamo em relação à ascensão do Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Ela não quer que o MDM faça parte de alguns órgãos decisórios dentro do parlamento, tem sido legalista quando a intenção é excluir o MDM. Quer dizer, é intolerante. O que há, na verdade?
 É simplesmente por ser uma ala da Renamo que se desentendeu com a liderança quando foi para concorrer às eleições municipais da cidade da Beira. Deve-se lembrar que o candidato da Renamo era o Engenheiro Simango, que fez um bom mandato e que, quando quis repetir, elementos da Renamo fizeram intrigas pondo-o em discórdia com o senhor Afonso Dhlakama que, à última hora, retirou-lhe a candidatura, tendo o engenheiro feito uma independente muito rapidamente e granjeou apoios dos beirenses. O MDM, para mim, não tem dificuldade nenhuma de se juntar à Renamo e vice-versa.
Qual é o seu conselho ao governo assim que a paz de novo seja alcançada, que passos dar para que não voltemos a ter problemas que envergonham Moçambique e os moçambicanos, de estrangulamento da nossa economia, desestabilização das nossas vidas e a mutilação e/ou interrupção de sonhos?
Cada um de nós tem que cumprir a sua responsabilidade. O jornalista cumprir a sua responsabilidade profissional, deixar de fazer notícias de qualquer maneira, nem contra a Frelimo nem contra a Renamo nem contra AB ou C, explorando as notícias “cor-de-rosa” do tipo Máximo Dias tem amante, não é sua função como jornalista. O seu papel é informar ao país aquilo que interessa ao país.
E o advogado?
É trabalhar como advogado no sentido de a lei ser cumprida. Não é só o juiz que aplica a lei, ele julga conforme os factos em presença e que nós e outros actores do sistema de justiça apresentamos. Acontece que às vezes inventamos factos, inventamos testemunhas e induzimos aos juízes a aplicação da lei em função de factos que não são verdadeiros. Não é por culpa do juiz. Mas se eu for sério e cumpro a missão, estarei a trabalhar a bem do meu país, estou a contribuir para a justiça, para a paz no meu país. Infelizmente não é isso que fazemos e pelo contrário usamos diferentes artimanhas para complicar o trabalho dos tribunais. Atrasamos o trabalho e aplicação da justiça. Quero dizer, enfim, que cada um de nós tem que cumprir a sua missão com responsabilidade. Não estou a falar contra os advogados nem contra os juízes. Estou a falar de profissionalismo e sentido de dever.
Não há défice de leis, elas existem, está a dizer isso?
Enquanto o homem for homem, haverá sempre défice. O parlamento é mesmo isso, fábrica de leis e enquanto estas não forem produzidas vamos trabalhar com aquelas que existem, que são suficientes para governar o país. É verdade que em cada dia há novos fenómenos que exigem regulamentação. Por exemplo, antes não tínhamos telemóveis, hoje, com o recurso a telemóveis, cometem-se crimes gravíssimos, daí a necessidade de haver leis que regulem o uso de telemóveis. A cada nova situação, a cada nova tecnologia, corresponde uma nova necessidade de regulamentar. Haverá sempre novas formas de vida, de hábito e cultura….
Mas tudo isso em paz….
A paz é necessária imediatamente para permitir que haja investimentos no nosso país, que as empresas que funcionam no país não tenham medo de movimentar as suas mercadorias de um ponto para o outro, sem que a sua viatura seja alvejada ou queimada. Por isso há necessidade de desarmar partidos políticos, não deve haver nenhum armado. Não há necessidade de eliminar Dhlakama, mas sim de o desarmar. Todos os moçambicanos dizem isso, incluindo as suas representações parlamentares e extraparlamentares, a sociedade civil, religiosos, etc.
Mas o sentido real da democracia é aceitar a vontade da maioria, não?
Sim, mas precisamos de muita responsabilidade e honestidade. Não se faz democracia com 900 mil votos nulos, quer dizer, mal usados. Por mais que tenhamos muitos analfabetos, não se pode admitir que haja muitos “brutos”, porque não os há, a ponto de não saber preencher um boletim de voto tal como é apresentado no nosso país. A minha avó saberia distinguir entre uma pessoa e outra das candidatas, nunca 900 mil pessoas que não saiba distinguir e por isso terão assinalado nas duas ou três caras dos candidatos, nas últimas eleições. Não dá para acreditar, alguém fez. Quem? Não sei. Quem boicotou as eleições nestes termos, não conheço. Se calhar é a própria Renamo que pensou que com isso ganharia, se calhar são os membros de mesa! Há 13.273 mesas nas quais foram atingidos 14 mil votos! Em 14 mil mesas de voto a oposição só fiscaliza por volta de 3 mil mesas. Os restantes são elementos do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE).
Mesmo sabendo que o STAE é constituído por elementos dos partidos interessados, podemos saber, na sua opinião, a que se deve isso?
Falta de organização da oposição, que na verdade não fiscaliza as mesas da assembleia de voto. Se a oposição fiscalizar efectivamente as mesas de voto o resultado não será surpresa para quem quer que seja, assim como acontece nos outros países, em que sete minutos depois de fecharem as urnas já temos os resultados, mas quando passa o prazo de 15 a 20 dias, sem se saber quem ganhou, cria-se logo uma desconfiança. Algo está errado, logo cria tumultos ou guerra, aquilo que não queremos.
Finalmente, como avaliar assim a saúde do nosso país?
O país está muito doente! Não só por causa das armas, não só por causa da guerra.
Alguma doença mais predominante?
Raptos ou sequestros. Esse fenómeno, sejamos claros, está a impedir o investimento interno. Mais de 190 pessoas foram raptadas. Os nacionais deixaram de investir no seu país. Fugiram. Largaram os seus projectos. A maior parte daqueles que vinha construindo, deixaram aquelas “flats” que já haviam sido edificadas já ninguém compra. Portanto, os que investiram perderam o seu dinheiro. Por isso não há investimento! Hotéis estão na falência, os restaurantes, idem em aspas. Moçambique não tem que comprar tomate na África do Sul, arroz da Tailândia… a nossa moeda caiu. As poucas fábricas que temos não podem trabalhar, porque não conseguem importar matéria-prima, têm meticais, mas não têm o dólar, com qual devem importá-la! Tudo isso deve ser corrigido.
Não tenhamos pressa de condenar
O país está mergulhado numa crise económica derivada dos efeitos da conjuntura internacional, bem assim a braços com uma dívida que corre o mundo, tanto pela forma como foi contraída quanto por não se terem seguido as regras exigidas por lei, tanto ao nível interno como à imagem dos organismos financeiros internacionais.
Máximo Dias tem dúvidas se se tratou de crime ou erro e justifica-se:muitas vezes corremos a dizer que é crime aquilo que pode ter sido um erro, neste caso porque não se cumpriram os procedimentos legais.
“Há muitos contratos, muitas despesas que não passaram pelo Tribunal Administrativo. Isso só por si é um erro. Às vezes, na urgência de resolver um problema somos metidos nesse tipo de erros, porque o tempo nos pressiona. Uma questão de procedimentos administrativos que devem não ter sido cumpridos”, entende Máximo Dias, que ressalva:
“Mas o dólar tem dono, é a América. Ela controla a movimentação do seu dinheiro e sabe onde anda, pelo que não tenhamos pressa, não condenemos ninguém, por enquanto, porque não sabemos o que de facto se passa. Muitos agindo de boa-fé são acusados publicamente de ladrões, enquanto podem não ser. Por isso, não tenhamos pressa de condenar. Mas não quero fechar os olhos, pois é verdade que assistimos a um enriquecimento de algumas pessoas que nos obriga a fazer perguntas honestas.”
Para o nosso entrevistado, uma das facetas do enriquecimento ilícito é o não pagamento de impostos correspondentes, ainda que os cidadãos consigam o dinheiro de forma legal.
“O país não pode viver sem impostos dos seus cidadãos. As Finanças devem funcionar, ainda bem que recebo informações de que a nova presidente da Autoridade Tributária está a melhorar um bocadinho, lá onde havia informações de que até existia uma empresa fictícia para a qual eram depositados alguns valores.”
Precisamos, conforme a fonte, de uma boa Polícia, Segurança e pagar bem aqueles que nos garantem a tranquilidade, para exigir deles o verdadeiro trabalho. Conclui enunciando três pilares, designadamente, a Justiça, Segurança e bem-estar, que na sua opinião garantem um Estado político.
A FRELIMO ENSINOU-NOS DISCIPLINA
Máximo Dias é nostálgico em relação à Frelimo que na sua essência é de disciplina irrepreensível, rigor, transparência, amor ao povo, princípios que agora se pergunta aonde foram deixados.
“Aquela Frelimo à qual o senhor e eu pertencemos, a que todos os moçambicanos pertenceram já não existe, pelo menos os seus princípios, aqueles sagrados, estão profundamente contrariados.”
À uma pergunta se todos os moçambicanos eram da Frelimo, Máximo Dias responde:
“Só não pertenceu à Frelimo quem não queria a Independência de Moçambique. Todos aqueles que ficaram cidadãos moçambicanos são da FRELIMO. A FRELIMO é nossa mãe, não deve ser agora nossa madrasta. Há que salvar a Frelimo, precisamos dela. Há que salvar a Renamo, precisamos dela, tem a sua força e acredito na comissão mista criada para agendar o encontro ao mais alto nível para o alcance da paz. Sou optimista!
Máximo Dias diz que a paz será uma realidade dentro de pouco tempo, a começar pelos personagens indicados pelo governo e pela Renamo e acredita que não se vá repetir o que apelidou de vergonhoso, aquilo que passou no Centro de Conferências Joaquim Chissano.
“Aquilo foi uma vergonha e o presidente Chissano devia tirar o seu nome daquele centro. Por um lado porque tiraram-lhe a dignidade com o fracasso dos encontros ali realizados, por outro, porque os que lhe substituíram admitiram que um edifício com um grande nome fosse ofuscado por um hotel, quase com o objectivo de o apagar, deixando-o sem sequer uma estrada de acesso a ele. Está um esconderijo ”.
O político diz que o Presidente Filipe Nyusi tem a tarefa de curar estas doenças de que enferma o país, mas precisa que de apoio de todos nós, a sua firmeza e a maneira como tende a ensinar a frontalidade e transparência ao seu governo, dá para confiar.
“Os problemas com o FMI, que neste momento está zangado com o governo moçambicano, vão ser ultrapassados, porque há-de chegar a entendimento connosco. Não somos um país paupérrimo, desprezível no contexto mundial, não merecemos o que aconteceu”, adivinha o nosso entrevistado.
Há que tirar ilações do que aconteceu. O país deve viver do trabalho dos cidadãos, o futuro está nas mãos de jovens trabalhadores, não daqueles que vemos em frente ao Zambi, com duas garrafas de bebida, sentados sobre o carro com todas as portas abertas.”
Texto de Pedro Nacuo
pedro.nacuo@snoticicas.co.mz
Fotos de Jerónimo Muianga
JORNAL DOMINGO – 12.06.2016

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