Opinião
A estratégia é sempre esta: não fomos nós, foram os outros – foi Bruxelas.
É impressionante a quantidade de gente que tem vindo a tratar os britânicos que optaram por sair da União Europeia como se fossem idiotas. Que os ingleses do “remain” achem os ingleses do “leave” um bando de tontos, isso é lá com eles; que um considerável número de portugueses, do alto da sua democracia com 42 anos, apareça a dar lições de sapiência política aos cidadãos de Reino Unido, já me parece bastante patético. Uma pessoa pode lamentar, como eu lamento, que o Reino Unido tenho optado por sair da União Europeia, mas não deveria passar pela cabeça de ninguém dar lições de bom-senso democrático aos habitantes das ilhas britânicas e andar para aí a proclamar que a “emoção” venceu a “razão”.
Aliás, tendo em conta que há 20 anos Portugal transformou em estrondoso bestseller o livro de António Damásio O Erro de Descartes, naquilo que pode ser considerado um dos mais bizarros fenómenos da história do mundo editorial português, poderíamos ao menos ter lido as badanas e aprendido que não existe essa coisa da razão separada da emoção. Em termos científicos, as emoções são essenciais na adopção de comportamentos racionais. Em termos retóricos, os “emotivos” são apenas aqueles com os quais nós, os “racionais”, não concordamos. Não há nada de irracional na decisão da Grã-Bretanha sair da União Europeia, no sentido em que há razões válidas que o justificam e que nada têm a ver com xenofobia. A única irracionalidade que por aqui anda, e já tresanda, é a forma como inúmeros políticos, partidos e até governos estão a querer fazer da União Europeia um daqueles Judas de trapos e sarapilheira que se surram e se queimam nas festas populares, para esturricar o pecado.
Com certeza que a União Europeia tem inúmeros problemas burocráticos, democráticos e diplomáticos, mas o maior é ter-se transformado no bode expiatório de todos os males das nações que a compõem. Excesso de imigrantes? União Europeia. Excesso de apatia para com os mortos no Mediterrâneo? União Europeia. Excesso de austeridade? União Europeia. Excesso de tolerância para com os países incumpridores? União Europeia. Excesso de liberalismo? União Europeia. Excesso de proteccionismo? União Europeia. A União Europeia é acusada de tudo e do seu oposto. Ela foi transformada no alvo de todas as frustrações, muitas delas completamente contraditórias, porque ela própria, como diriam os ingleses, é um “sitting duck” – está lá, é grande, não se mexe e ninguém a defende. É só carregar no gatilho.
David Cameron carregou, disparou um referendo e o primeiro pato a cair foi o Reino Unido. É possível que outros se sigam enquanto os políticos não pararem de acusar a União Europeia de todos os problemas que os rodeiam e que eles não conseguem resolver. Ontem Durão Barroso disse uma coisa acertada: se os accionistas de uma sociedade passam o tempo inteiro a dizer que ela não presta, as acções desvalorizam. Com excepção da Alemanha, é isso que todos os países têm feito. Veja-se o caso português e o discurso da autocomplacência: a crise de 2011 e a austeridade foram culpa da troika que nos veio espremer; nós, pobres inocentes, fomos empurrados para um endividamento louco porque os alemães queriam que comprássemos os seus carros. A estratégia é sempre esta: não fomos nós, foram os outros – foi Bruxelas. É uma estratégia tentadora, mas grave, porque o bode está esgotado de tanto expiar. Ou lhe damos uma boa folga ou fenece. E nós com ele.
Aliás, tendo em conta que há 20 anos Portugal transformou em estrondoso bestseller o livro de António Damásio O Erro de Descartes, naquilo que pode ser considerado um dos mais bizarros fenómenos da história do mundo editorial português, poderíamos ao menos ter lido as badanas e aprendido que não existe essa coisa da razão separada da emoção. Em termos científicos, as emoções são essenciais na adopção de comportamentos racionais. Em termos retóricos, os “emotivos” são apenas aqueles com os quais nós, os “racionais”, não concordamos. Não há nada de irracional na decisão da Grã-Bretanha sair da União Europeia, no sentido em que há razões válidas que o justificam e que nada têm a ver com xenofobia. A única irracionalidade que por aqui anda, e já tresanda, é a forma como inúmeros políticos, partidos e até governos estão a querer fazer da União Europeia um daqueles Judas de trapos e sarapilheira que se surram e se queimam nas festas populares, para esturricar o pecado.
Com certeza que a União Europeia tem inúmeros problemas burocráticos, democráticos e diplomáticos, mas o maior é ter-se transformado no bode expiatório de todos os males das nações que a compõem. Excesso de imigrantes? União Europeia. Excesso de apatia para com os mortos no Mediterrâneo? União Europeia. Excesso de austeridade? União Europeia. Excesso de tolerância para com os países incumpridores? União Europeia. Excesso de liberalismo? União Europeia. Excesso de proteccionismo? União Europeia. A União Europeia é acusada de tudo e do seu oposto. Ela foi transformada no alvo de todas as frustrações, muitas delas completamente contraditórias, porque ela própria, como diriam os ingleses, é um “sitting duck” – está lá, é grande, não se mexe e ninguém a defende. É só carregar no gatilho.
David Cameron carregou, disparou um referendo e o primeiro pato a cair foi o Reino Unido. É possível que outros se sigam enquanto os políticos não pararem de acusar a União Europeia de todos os problemas que os rodeiam e que eles não conseguem resolver. Ontem Durão Barroso disse uma coisa acertada: se os accionistas de uma sociedade passam o tempo inteiro a dizer que ela não presta, as acções desvalorizam. Com excepção da Alemanha, é isso que todos os países têm feito. Veja-se o caso português e o discurso da autocomplacência: a crise de 2011 e a austeridade foram culpa da troika que nos veio espremer; nós, pobres inocentes, fomos empurrados para um endividamento louco porque os alemães queriam que comprássemos os seus carros. A estratégia é sempre esta: não fomos nós, foram os outros – foi Bruxelas. É uma estratégia tentadora, mas grave, porque o bode está esgotado de tanto expiar. Ou lhe damos uma boa folga ou fenece. E nós com ele.
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