Depois de ter demitido o seu porta-voz para os Negócios Estrangeiros, Corbyn enfrenta demissões em catadupa no governo-sombra. Um dos seus aliados garante que, se houver eleições internas, o líder vai recandidatar-se.
Para onde quer que se olhe na paisagem política britânica depois do referendo que ditou a saída do país da União Europeia só se vê convulsão e o Labour tornou-se já o primeiro campo aberto de batalha. Ao início da madrugada, Jeremy Corbyn, o líder trabalhista, demitiu Hilary Benn, o porta-voz para a Política Externa do partido e um dos seus principais críticos, um afastamento que, segundo fontes citadas pela imprensa, levará metade do “governo-sombra” a apresentar a sua demissão já neste domingo.
Benn – filho do histórico deputado trabalhista Tony Benn, que foi mentor de Corbyn na juventude – foi demitido por telefone, numa conversa em que terá ficado bem claro o clima de conflito instalado no partido. “Hilary Benn foi demitido porque o Jeremy perdeu a confiança nele”, afirmou um porta-voz do Labour. O “ministro-sombra” para os Negócios Estrangeiros não fez por menos. Num comunicado que divulgou durante a madrugada e numa entrevista que deu esta manhã à BBC, disse ter informado Corbyn de que “tinha perdido a confiança na sua capacidade para liderar o partido e vencer eleições”.
Horas antes, a edição online do jornal "Observer" noticiava que este “ministro-sombra” se preparava para liderar um golpe interno, catalisando o desagrado de boa parte dos deputados contra o pouco empenho do líder para convencer os apoiantes do partido a apoiarem a permanência na UE – Corbyn, que no passado militou contra a UE recusou sempre partilhar o palco com o primeiro-ministro, David Cameron, e em todas as intervenções da campanha reconheceu que ele próprio não “euro-entusiasta”.
“Neste momento absolutamente crítico para o nosso país depois do resultado do referendo, o Partido Trabalhista precisa de uma liderança forte e eficaz”, afirmou Benn, numa entrevista ao programa dominical do jornalista Andrew Marr na BBC. “Actualmente não temos [essa liderança] e não existe qualquer confiança de que sejamos capazes de vencer as eleições enquanto ele for líder. Senti que era importante dizer isto”, acrescentou, garantindo que, se houver eleições, ele não será candidato.
A forma como Corbyn afastou um dos deputados mais experientes do seu “governo-sombra” desatou a revolta que se desenhava desde que o resultado do referendo foi anunciado. Fontes do partido, citadas pela BBC, garantiram que “até metade” do governo-sombra poderá apresentar a demissão neste domingo. Até ao meio-dia, já tinham apresentado a demissão Heidi Alexander, porta-voz para a Saúde, e Gloria de Piero, responsável para a Juventude, e era dado como certo que também Ian Murray, porta-voz para a Escócia, lhes iria seguir o exemplo. “Por muito que o respeite, como homem de princípios, não acredito que tenha a capacidade para definir as respostas que o nosso país pede e eu acredito que, se quisermos vir a formar o próximo governo, é essencial que mudemos de liderança”, escreveu Alexander na sua carta de demissão.
É a perspectiva de novas eleições que acelera as dissensões na bancada trabalhista. Com a demissão de Cameron, cabe ao Partido Conservador escolher um novo líder, que assumirá depois a chefia do Governo. Mas a oposição acredita que o novo líder precisará de obter a legitimidade popular num momento em que negoceia a saída do país da UE, pelo que é provável que as legislativas, previstas apenas para 2020, possam ser antecipadas para o final deste ano ou início do próximo.
Foi o próprio Corbyn quem, no sábado, veio desmentir os rumores que começaram a circular logo na sexta-feira, depois de conhecido o resultado do referendo, sobre a sua possível saída. Numa conferência de imprensa, em Londres, o líder dos Trabalhistas garantiu pretender manter-se no cargo.
Vários responsáveis do partido Trabalhista, que ao contrário dos Conservadores estava unido em torno do objectivo de manter o Reino Unido na UE, parecem não perdoar a Corbyn o facto de o voto pela saída ter ganho em bastiões tradicionais do partido, acusando o líder de não ter estado verdadeiramente empenhado na campanha pelo “in”.
“Muitos eleitores ou não o ouviram, ou não perceberam o que ele quis dizer”, acusou Peter Mandelson, ex-ministro de Tony Blair e antigo comissário europeu, que acusou Corbyn de ter passado “mensagens ambíguas”. O próprio ex-primeiro-ministro Trabalhista Tony Blair queixou-se que Jeremy Corbyn, que foi eleito para a liderança do partido em Setembro passado, fez uma campanha “muito morna”.
Vários aliados de Corbyn, incluindo o porta-voz para as Finanças, John McDonnell, vieram já lamentar as divisões no partido, num momento em que, dizem, todos deviam estar unidos, e garantiram que o líder “apesar de triste e desiludido” com os revoltosos “não vai a nenhum lado”. Se, como está previsto numa moção de desconfiança apresentada sexta-feira, os deputados forçarem uma eleição interna, Corbyn será de novo candidato.
Mas nem todos partilham desta opinião. Margaret Hodge, por exemplo, que foi uma das duas deputadas que assinou a moção de censura que será votada na terça-feira, diz que o referendo foi um teste à liderança de Corbyn e que este “falhou e deve demitir-se”.
Mas, por muito forte que seja o desagrado entre os deputados, o líder trabalhista parece continuar a obter o apoio quer dos sindicatos, quer dos militantes – os outros dois blocos que serão chamados a eleger o novo líder. Representantes das centrais sindicais no secretariado-geral do Labour lançaram neste domingo um apelo à unidade do partido. E o movimento de bases que o apoia, Momentum, lançou-se já numa campanha nas redes sociais para recriar a mobilização que permitiu a eleição de Corbyn, em Setembro do ano passado.
Com Ana Brito
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