Reino Unido:
Entre as inúmeras questões levantadas pela iminência de uma saída do Reino Unido da UE, uma ocupa especialmente os europeus residentes no país: eles poderão permanecer?
Por Redação, com DW – de Londres:
Cerca de 2 milhões de cidadãos da União Europeia vivem e trabalham no Reino Unido. A perspectiva de que seu status no país seja alterado, caso os britânicos votem pela saída do bloco europeu no referendo desta quinta-feira, vem espalhando certo grau de pânico entre a comunidade.
– É muito incomum. Nós raramente recebemos perguntas de cidadãos europeus sobre candidatura à cidadania britânica, mas agora são centenas toda semana, por e-mail, Facebook, telefone. Na semana passada, demos entrada em 35 novas solicitações – comenta Anisa Ghoshi, do escritório de advocacia Davidson Morris, especializado em questões de imigração.
A firma foi inundada de tal forma com consultas sobre naturalização, que contratou um funcionário extra, encarregado especificamente dos telefonemas a esse respeito.
As conversas iniciais com os europeus continentais preocupados com a forma como um eventual Brexit afetará seu direito de permanência no Reino Unido mostram que a incerteza quanto ao resultado do referendo vem causando grande ansiedade mesmo entre os que já residem na ilha há vários anos.
– Houve um senhor que está aqui há mais de 40 anos, desde 1973″, cita Ghoshi como exemplo. Natural da Holanda, o dilema dele é que se identifica inteiramente com o caráter local, e não com o de seu país de origem. “Não sou um europeu ‘mais ou menos’! – assegura, com indignação e sotaque perfeitamente britânicos.
Novas normas, mais obstáculos
Emendas sutis nas regras nacionais de imigração pegaram de surpresa muitos estrangeiros. Até novembro de 2015, os cidadãos europeus que viviam no país há mais de cinco anos recebiam automaticamente o visto de permanência. Depois de 12 meses com esse status, tinham direito a requerer a cidadania.
Segundo as normas recém-introduzidas pelo Ministério do Interior, depois dos cinco anos os naturais da Área Econômica Europeia (AEE) têm que solicitar formalmente a residência permanente, provando serem elegíveis em vários critérios. Só aí recebem um documento que comprova seu estatuto de residência, caso desejem se naturalizar.
As novas regras, além de implicar toda uma nova dimensão de burocracia e prazos mais longos para completar o processo, colocam um obstáculo adicional diante daqueles que querem assegurar seu status no Reino Unido, aponta Colin Yeo, jurista especializado em imigração da Garden Court Chambers em Londres, um coletivo de advogados das áreas de direitos humanos e justiça social.
– Eles tornaram o requerimento muito longo e complicado, desde janeiro deste ano. Agora mais gente precisa de ajuda ao se candidatar à residência permanente. Yeo também confirma um acréscimo das consultas sobre cidadania partindo de cidadãos da AEE, desde o anúncio do referendo.
A preocupação mais comum entre esses consulentes quanto a seu estatuto pós-Brexit é a possibilidade de serem deportados, ou a criação de novos obstáculos burocráticos que possam levar à deportação, se a pessoa não for bastante cuidadosa e meticulosa.
Competição por empregos
A grande maioria dos que buscam assistência relativa à residência permanente ou à cidadania britânica está estabelecida no país há anos ou até décadas, e em muitos casos têm cônjuges britânicos e filhos de dupla nacionalidade.
Apesar da incerteza quanto a que tipo de acertos o governo britânico possa fazer com a UE na questão da permanência, é improvável que o status legal desses residentes europeus seja ameaçado. Isso, contanto que trabalhem e vivam no Reino Unido há mais de cinco anos e tenham reputação ilibada. Ainda assim, advertem os advogados, os processos de visto permanente podem ser longos e árduos.
Cerca de 40% dos 2 milhões de assalariados europeus na ilha vêm de países em que a média salarial é muito mais baixa, como a Polônia ou a Romênia. E no momento cresce o número de desempregados com formação universitária, por todo o país, e ainda mais o de jovens procurando trabalho em setores de mão de obra não qualificada.
Alguns anos atrás, a loja de fast-food Pret A Manger esteve no centro de um debate político, por manter uma grande percentagem de funcionários estrangeiros quando o desemprego no país batia o recorde dos últimos 20 anos.
Em princípio, os que mais têm razão para se sentir inseguros, no caso de um Brexit, são os europeus recentemente imigrados, em geral mais jovens ou em profissões menos qualificadas, no comércio varejista ou na hotelaria, que ocupam os setores de salário mais baixo.
Suspense até o referendo
Mas esse é um parco consolo para Anke, da Alemanha, que trabalha no serviço nacional de saúde NHS como terapeuta ocupacional. Ela vive no país desde 1990, é casada com um cidadão britânico e tem dois filhos crescidos, que se consideram mais ingleses do que alemães.
– Pela primeira vez em 26 anos, sinto que o meu futuro é incerto e que, dependendo do resultado do referendo e das decisões do governo, eu posso realmente perder o meu direito de viver neste país. Isso seria devastador – diz.
Por mais improvável que seja o quadro que ela receia, de ser simplesmente “mandada de volta para a Alemanha”, Anke está entrando com um pedido de naturalização como cidadã britânica. “Acho que o problema é que ninguém realmente sabe o que aconteceria com os europeus no Reino Unido. Eu não me sinto especialmente inglesa, mas a cidadania asseguraria a minha permanência neste país.”
Para muitos desses 2 milhões de europeus continentais na ilha britânica, sua paz de espírito, se não o seu status legal, estará na balança na noite deste 23 de junho.
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