Há meses que se vão acumulando pessoas ao largo de Ruqban, o último ponto de entrada para a Jordânia. Agora a fronteira será tratada como local de guerra.
Ruqban foi durante anos uma localidade desconhecida no deserto sírio, onde se avistavam, no máximo, algumas tribos beduínas. Isso mudou em 2014, quando o Governo da Jordânia decidiu que o fluxo de refugiados sírios por outros pontos de fronteira era demasiado grande e que todas as travessias deviam ser feitas a partir de lá, onde se montou uma zona desmilitarizada para o envio assistência humanitária e se começaram a conduzir entrevistas para garantir que nenhuma das pessoas que entrava no país eram terroristas.
À medida que a guerra se tornou mais violenta e os exames de segurança mais exigentes, o acampamento improvisado ao largo da fronteira com a Jordânia foi engrossando, até ao ponto de hoje viveram lá pelo menos 60 mil pessoas, entre sírios que preferem a relativa segurança do deserto e os que esperam por uma oportunidade de entrar no país vizinho, onde já estão mais de um milhão de refugiados. Há poucas condições humanitárias em Ruqban, onde as pessoas são obrigadas a caminhar quilómetros para receber rações de água potável e alimento.
E a vida ainda vai tornar-se mais difícil. Nas primeiras horas da manhã de terça-feira, uma carrinha armadilhada aproveitou a bolsa desmilitarizada para se lançar a grande velocidade contra um posto militar jordano, matando seis homens das forças de segurança. O ataque sublinhou receios antigos de que o campo de Ruqban estivesse a servir para lançar ataques contra o país, que participa na coligação internacional contra o grupo Estado Islâmico e se orgulha de ser um exemplo de segurança na região.
Este foi o primeiro caso de um atentado contra a Jordânia lançado a partir do território sírio desde que a guerra civil começou. Em resposta, o exército anunciou que as fronteiras com a Síria e Iraque serão designadas como zonas militares fechadas e que qualquer movimento de pessoas ou veículos não autorizado será tratado como alvo inimigo. O Governo completou a resposta dizendo que não construirá nem expandirá nenhum campo de refugiados no país, prometendo, contudo, mas sem detalhes, que isso não afectará “os casos humanitários”.
Não é certo que a decisão tomada pelos jordanos signifique o fecho das fronteiras para requerentes de asilo sírios, mas tudo indica que a assistência humanitária para as 60 mil pessoas ao largo de Ruqban fique mais difícil. E as Nações Unidas argumentam que este número vai chegar aos 100 mil até ao final do ano. “Isto é uma situação de Oeste selvagem”, explica Mageed Yahia, o director do programa alimentar das Nações Unidas na Jordânia, que antes do ataque já tinha de conduzir 160 quilómetros todos os dias para chegar aos refugiados de Ruqban.
“Há aqui uma carência humanitária muito grave e evidente”, afirma Yahia, obrigado nos últimos anos a um equilíbrio difícil entre elogiar um dos países que melhor presta assistência a refugiados sírios e criticar casos como o de Ruqban. “Temos de pedir às autoridades que permita a entrada desta população na Jordânia, e ao mesmo tempo devemos reconhecer que existe uma preocupação legítima de segurança e que é preciso ajudar os jordanos avaliar esta população”, argumenta.
Do lado jordano, a preocupação é evidente. Há relatos de que vários sírios em Ruqban fugiram da província de Raqqa, o grande bastião sírio do Estado Islâmico, a mais de 600 quilómetros e uma rota improvável para refugiados. Este é também o segundo ataque contra forças de segurança em menos de um mês: o outro, contra um edifício dos serviços de informação jordanos, parece também ter sido organizado desde um campo de refugiados palestiniano. “Pedimos à comunidade internacional que compreenda as nossas medidas soberanas e a necessidade que temos em tomar estas decisões em nome da nossa segurança e estabilidade”, apelou Mohammad al-Momani, ministro jordano dos Assuntos Mediáticos.
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