domingo, 15 de maio de 2016

Distribuição étnico-política de cargos define o presente

Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
E condiciona a flexibilidade negocial.
Um dos resultados imediatos das indicações para determinados cargos partidários ou governamentais é que os nomeados ou indicados têm todo um conjunto de obrigações de onde sobressai aquela de assegurar vitórias eleitorais para o seu partido.
Ciente de que havia chegado o tempo de nomear e indigitar quadros de todas as latitudes para exercerem funções ao nível do Comité Central, da Comissão Política e do Conselho de Ministros que fossem originários de todo o país e tendo especial atenção com as regiões ou províncias que constituem os maiores círculos eleitorais, a direcção máxima da Frelimo foi capaz de fazê-lo com determinado êxito.
De repente, vira-se figuras que antes não eram figuras guindando-se a posições de relevo. Até aí, nada de mal, mas, quando se olha para o perfil e substância dos indigitados e nomeados, fica a indelével impressão de que os escolhidos não vieram acrescentar nada em termos de qualidade. São figuras para “encher espaço” e não para acrescentar qualidade às análises e discussões que levam à tomada de decisões.
E quando dizemos êxito determinado significa que, mais uma vez, ficou provado que número não é necessariamente qualidade.
Nesse sentido, há que concluir que, alcançado o número de integrantes desejados nos diversos órgãos, a sua qualidade se mostra perigosamente sofrível. E dizemos “perigoso” porque tem sido a afincada predisposição para apoiar e defender posições de inflexibilidade negocial que tem norteado a acção dos “arrivistas”. É uma daquelas situações em que alguém quer “ser mais católico que o Papa”.
Como sinónimo de inexistência de qualidade, temos membros da CC da Frelimo dizendo coisas como: “os do Sul são mais inteligentes que os do centro-Norte”, “a situação está estável em Moçambique” e dizeres similares.
Se temos um Parlamento seguidista do Executivo governamental, em que se procura a todo o custo esquivar ou preterir as suas prerrogativas em benefício da agenda do Executivo.
No processo de discussão e descoberta de soluções para a chamada dívida pública, o Executivo procura a todo o custo fugir das suas responsabilidades e objectivamente proteger os que tomaram a decisão de contrair tal dívida. E a maioria parlamentar em que repousam ou se encontram “ilustres deputados” escolhidos a dedo para não fiscalizar e às vezes nem abrir a boca alinha na boleia do Executivo.
Fala-se de crise, mas o preocupante é que se teime em vender a ideia de que não existe crise e que “situação está estável”, como diz a chefe da bancada da Frelimo na Assembleia da República.
Os “deputados-fantasmas” que não fiscalizam nem tomam iniciativas legislativas estão alinhados com o que está lesando a nação.
Negam ou chumbam qualquer iniciativa de Comissão Parlamentar de Inquérito porque essa foi a ordem recebida. São unânimes em carimbar como “bom” o “estado da nação”, mesmo quando nada justifica essa classificação.
Se antes havia o “slogan” de “abaixo o tribalismo”, agora o que se verifica é que o tribalismo é cultivado numa perspectiva de controlar o acesso à riquezas ou processos de enriquecimento rápido. A “política transformou-se na galinha dos ovos de ouro” em que os ditos políticos são promotores de agendas em que a política é objectivamente amputada do seu conteúdo e o exercício é no sentido de angariar apoios para campanhas políticas para ascensão a cargos governativos a todos os níveis. E quando se dizia “abaixo o racismo”, hoje a incompetência procura cobertura na raça. Acusa-se a quem critica como sendo racista e distingue-se “moçambicano de gema” dos outros. Não se pode criticar, sob risco de ser catalogado.
E neste jogo macabro os indigitados para preencherem as quotas étnico-políticas cantam e dançam a canção do chefe. Numa acção inédita, o recrutamento de defensores de uma dívida privada denominada como “pública” alcançou os corredores da academia, onde uns alegam uma suposta soberania e extensa costa marítima e outros se calam porque não é conveniente falar e juntar a sua voz à razão transparente.
Os objectivos pareciam finalmente alcançados, e sossegados estavam os mentores da distribuição de cargos.
Agora que se acumulam sinais de que o “tiro saiu pela culatra”, os esforços para remendar os buracos aumentam, mas parece que o barco já está “inclinado e metendo água”.
Ensaia-se uma correria para Pequim, considerada como salvadora.
Mas se aí se pode encontrar algum ar fresco face ao recrudescer dos apertos das fontes de financiamento do OGE, não é de esperar que a mão amarela resolva os nossos problemas. Temos um problema de reconhecimento dos nossos problemas.
Em nome do enriquecimento, atropelaram-se todas as regras e procedimentos. Em nome do poder, abusa-se das mais nobres tradições da República e do Estado de Direito. Sob anuência e silêncio de uma maioria parlamentar e de organizações sociais do partido no poder, sob cumplicidade mais ou menos generalizada, endividou-se todo um país para claro benefício de um grupo restrito de pessoas bafejadas pela sorte de fazerem parte do núcleo especial dos “libertadores”.
É como se este grupo de pessoas se quisesse fazer pagar pela sua participação na luta anticolonial.
Estamos “tramados”, como alguém disse. E tudo porque alguém se colocou acima dos cidadãos e decidiu por todos nós.
Quando nos calamos, alguém se encarrega de decidir por nós.
Há razões bastantes para interromper este ciclo de abusos. Uma República tem princípios sagrados que nenhum partido ou grupo mafioso pode quebrar ou violar.
Uma cidadania existente e activa não pode permitir que a República seja tomada de assalto e que o Estado seja capturado.
Há os que querem adiar os sonhos de um povo e vão proclamando aos ventos que são os outros os que assim procedem. É continuação da “batida” de sempre.
Enganar, mentir, adiar é algo que tem sido sucessivamente feito pelos mesmos actores. Se chegámos às dívidas ocultas de hoje é porque isso foi agendado e realizado.
Aqui não somos cegos e surdos ou mudos. Já amanheceu, e os moçambicanos já lavam cara sempre que acordam. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 12.05.2016

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