Esse pensamento atrasado é uma ponte para o passado, numa discussão que travávamos no início da década de 90, no fim da Era Collor e início do governo FHC
Por Jandira Feghali – do Rio de Janeiro
Os traidores da pátria não esperavam por essa. Pouco mais de seis dias como presidente interino, Michel Temer, que assumiu num golpe que rasgou dramaticamente a democracia em nossa História, a bolsa caiu e o dólar disparou. Enquanto os primeiros passos dos golpistas vão sendo dados em tragédias atrás de tragédias, outros países e a imprensa internacional vão percebendo o que ocorre por aqui, denunciando quase que diariamente.
Basta pegar as primeiras medidas adotadas por Temer logo após assumir provisoriamente a caneta presidencial. Extinção de diversos ministérios e secretarias que tinham como finalidade dar protagonismo às diversas faces de nossa sociedade, carentes historicamente de políticas públicas. É o caso da secretaria das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, e pastas como a secretaria nacional de pessoas com deficiência, eliminando mais de 40 milhões de brasileiros da discussão sobre o tema.
Além disso, desvinculou os orçamentos da saúde e educação da Constituição, desfazendo o piso criado como conquista histórica dos movimentos sociais. O novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, também deu o tom da gestão em curso ao dizer que o SUS poderia ser reduzido para beneficiar os planos de saúde, acabando com sua universalidade. Esse pensamento atrasado é uma ponte para o passado, numa discussão que travávamos no início da década de 90, no fim da Era Collor e início do governo FHC.
A desconstrução do Ministério da Previdência também é absurda, como parte deslocada para a Fazenda, na perspectiva de beneficiar o mercado financeiro e acelerar a reforma com objetivo de atender a uma “planilha de custos”.
Esta é a cara do governo golpista. Adotaram uma marca vazia e ilusória, baseado no “Não reclame, trabalhe”, como se apenas um slogan fosse dar cabo da geração de emprego e renda que nosso país precisa. É extrema a falta sensibilidade e competência deste grupo que tomou o poder baseado em mentiras e boatos, alinhados com a Grande Mídia e o capital.
O ápice dos retrocessos surge na extinção do Ministério da Cultura, – veja a ironia do destino – que teve como figura expoente o peemedebista Celso Furtado, na década de 80 e que fora limado apenas por Collor. Sem diálogo algum com os setores culturais e da sociedade, Temer pôs abaixo um dos maiores alicerces de nossa democracia e identidade. Fica evidente a visão autoritária, discricionária e atrasada deste governo.
Sob grandes vaias, cria-se às pressas uma secretaria, espécie de “puxadinho da Cultura”, com parco orçamento e representatividade, na tentativa de por uma mulher para gerir. Diversas personalidades femininas disseram um sonoro não ao presidente interino. Isso mostra a falta de legitimidade do governo golpista dentro da sociedade e o mundo artístico.
É lamentável também que alguém vinculado à gestão da cultura tenha assumido este espaço, sendo assim conivente com este modelo contestado por toda a sociedade brasileira.
A resposta do povo tem sido rápida. As diversas ocupações que se espalham pelos prédios públicos do MinC no Brasil mostram que não haverá trégua com aqueles que usurparam a democracia de nossa nação. Pouco a pouco, Temer vai percebendo que seu governo não governará e que a sociedade não permitirá que toda essa mentira siga incólume. Há um grande caldeirão social prestes a explodir e os golpistas mal sabem o que lhes espera.
Jandira Feghali é médica deputada federal e pré-candidata do PCdoB à prefeitura do Rio.
As (in)definições de Temer
O conjunto da obra sinaliza que a certeza de retrocesso, em um sentido amplo, geral e irrestrito, é a única definição mais segura para o governo Temer
Com o foco das atenções voltadas para o verdadeiro novelão mexicano em que se transformou o processo do golpeachment nos últimos dias, Michel Temer acabou obtendo uma relativa folga na cobertura da imprensa para aquilo que pretende se constituir no primeiro formato de sua equipe de governo.
Como toda etapa de especulação e ensaios a respeito de nomes e propostas, há que se ter um pouco de cautela nas conclusões apressadas. De qualquer modo, parece pouco provável algum recuo na definição daquele que vai ser o verdadeiro comandante da política de governo do golpismo. Com o aprofundamento da crise econômica e a obsessão em resolver de forma “radical” o problema das contas públicas, o status de Henrique Meirelles à frente do Ministério da Fazenda deverá ser bastante qualificado.
A grande aposta do financismo e das grandes corporações empresariais reside na indicação do ex-presidente internacional do Bank of Boston, deputado federal eleito pelo PSDB/GO em 2012 e Presidente do Banco Central prestigiado e “imexível” durante os 8 anos dos dois mandatos presidenciais de Lula. Meirelles representa a vontade de implementar a totalidade da agenda liberal, com a possibilidade de fazer terra arrasada do pouco que ainda restou de um Estado de Bem Estar Social em nossas terras.
A continuidade do superávit primário
Tendo em vista a efetiva fragilidade da situação fiscal e o desejo de solucioná-la sob a ótica da ortodoxia financista, o mote deverá ser a busca incansável por cortes, mais cortes e ainda mais cortes no orçamento público. Aliás, diga-se de passagem, nada muito diferente daquilo que vinha sendo praticado de forma disciplinada por Joaquim Levy e por Nelson Barbosa. A possibilidade de algum recuo oficial nessa busca obstinada por resultados no superávit primário será afastada por um bom tempo. Afinal, se nem mesmo durante 13 anos de governos dirigidos pelo Partido dos Trabalhadores isso foi feito, por que imaginar que Temer moverá alguma palha nessa direção? É sempre bom lembrar que desde 2003 até hoje foram destinados nada mais nada menos do que R$ 3,5 trilhões do orçamento federal para o pagamento de juros da dívida pública.
Assim é razoável supor que continuaremos a observar uma formidável sangria de recursos públicos destinados ao sistema financeiro, com o surrado argumento de que o governo não pode gastar mais do que arrecada. E a nova/velha administração da Fazenda manterá a lógica de cortes nas despesas de natureza social e nos investimentos, ao tempo em que dará sequência às despesas com juros e serviços da dívida, que estão atualmente em patamar superior a R$520 bi anuais. Mas isso pouco importa, pois o mais importante será a recuperação das expectativas, seja lá o que isso signifique em um quadro de deterioração das políticas públicas de inclusão e de recrudescimento das desigualdades sociais e econômicas.
O conjunto da obra sinaliza que a certeza de retrocesso – em um sentido amplo, geral e irrestrito, é a única definição mais segura para o governo Temer. A narrativa a orientar os meses que passará à frente da Presidência da República se resume ao lema que o conservadorismo tenta espalhar aos quatro ventos. O novo mantra do velho golpismo oferece um suposto refinamento na argumentação, ao elaborar que o pacto social definido na Constituição não caberia mais na realidade atual de nosso Orçamento. Nada mais enganoso! Afinal, tudo se resume a uma definição de prioridades. Se a intenção é assegurar os ganhos do rentismo parasita, aí a realidade de hoje não mais é a mesma da bonança proporcionada pelo “boom“ das “commodities”, tal como se observou no primeiro mandato de Lula. Mas se o esforço caminhar por uma diminuição do peso da dimensão financeira, aí as políticas sociais não precisariam sofrer nenhuma redução.
De retrocesso em retrocesso
É verdade que o jogo de pressões e contrapressões dos interessados em influenciar e participar da equipe do vice-presidente termina por expor feridas, divergências e oferecer algumas indefinições em seu próprio campo.. A sanha que Temer pegou emprestado de Dilma em reduzir o número de ministérios é um exemplo típico. De início, fez anunciar que iria extinguir o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Parte da estrutura e das atribuições da pasta iria para o Ministério do Planejamento e as funções de relações comerciais internacionais ficariam com o Itamaraty. As entidades patronais fizeram seu “lobby” contra a medida e Temer recuou. É provável que quase nada mude nesse assunto.
Um belo jogo de cena para “reduzir” o número de ministérios é a retirada de tal status da natureza jurídica da entidade. Simples assim. Pouca gente sabe que o Banco Central é considerado um ministério. Qual a razão? Lula havia concordado com a condição imposta por Meirelles em 2003 e conferiu a ele tal blindagem no cargo de Presidente do BC. História de não poder ser detido por qualquer decisão judicial, como ocorrera com outros dirigentes da instituição em gestões anteriores. Na condição de ministro, ganhou foro privilegiado na justiça e possibilidade de prisão apenas com autorização do STF.
E eis que a ironia da História nos prega outra peça: esse mesmo Meirelles agora patrocina o retorno ao desenho anterior. O Presidente do BC sob Temer provavelmente não terá a blindagem que Lula lhe outorgou. Outra indefinição nesse quesito refere-se ao desejo manifesto da nata da elite do financismo em obter a institucionalização jurídica da independência do BC. Temer lançou um balão de ensaio nessa direção para agradar ao círculo de Armínio Fraga e cia, mas parece que foi obrigado a recuar. Afinal, não é necessário mais um desgaste para aprovar essa medida polêmica, quando se tem assegurado pessoas como Ilan Goldfajn (Itaú) no comando do órgão que deveria regular e fiscalizar o sistema financeiro.
Previdência Social na mira
A incansável busca pelo aniquilamento da Previdência Social deverá merecer atenção de todos. Como os financistas não se cansam de repetir, o principal nó a ser desatado na questão fiscal estaria nas despesas vinculadas e obrigatórias. E a importância social e econômica dos benefícios do INSS para nossa economia está bem traduzida em seu peso no total do Orçamento da União. Aos olhos sedentos por sangue dos liberalóides de plantão aquelas centenas de bilhões de reais são um prato cheio para realizar o (des)ajuste tão desejado.
A incansável busca pelo aniquilamento da Previdência Social deverá merecer atenção de todos. Como os financistas não se cansam de repetir, o principal nó a ser desatado na questão fiscal estaria nas despesas vinculadas e obrigatórias. E a importância social e econômica dos benefícios do INSS para nossa economia está bem traduzida em seu peso no total do Orçamento da União. Aos olhos sedentos por sangue dos liberalóides de plantão aquelas centenas de bilhões de reais são um prato cheio para realizar o (des)ajuste tão desejado.
A solução aventada por Temer é perfeita para a destruição do sistema. E ele ainda pega carona no absurdo cometido por Dilma, que foi a criação irracional, desnecessária e antifuncional do monstrengão que resultou da fusão do Ministério do Trabalho com o Ministério da Previdência Social. Pois o vice presidente pretende agora retirar a parcela de previdência social do MTPS e transferi-la diretamente para o quintal do Ministério da Fazenda. Não entendeu direito? Nem eu. Só sei que é um crime deixar sob a responsabilidade do ocupante das finanças o destino de milhões de famílias que se locupletam com a fortuna de um salário mínimo mensal e que seriam os principais responsáveis pela quebra do Estado brasileiro. É a raposa tomando conta do galinheiro. Aliás, tomara que essa seja apenas mais uma das indefinições de Temer e que ele recue também nessa tentativa de homicídio do Regime Geral da Previdência Social.
Depois de aparentar um recuo estratégico na controvertida possível indicação de um pastor fundamentalista para se ocupar do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Temer volta a uma ideia que havia sido abandonada. Não se trata aqui do sonho irresponsável – felizmente não concretizado – de Aloísio Mercadante, que gostaria de eliminar o MCTI para fundi-lo ao Ministério da Educação. A proposta que ganha espaço agora é de extinguir o MCTI para torná-lo um apêndice do Ministério das Comunicações. Uma loucura! Não bastasse essa cobiçada pasta continuar a ser um balcão de gerência dos interesses e negócios das grandes redes de TV e dos oligopólios das telecomunicações, o responsável por ela vai também poder se ocupar em suas horas vagas de assuntos relacionados a ciência, tecnologia e inovação.
O simbolismo da preocupação de Temer com a agenda social não poderia ser mais bem expresso por outras duas medidas em debate no grupo. Em primeiro lugar, a fusão do Ministério do Desenvolvimento Social (responsável pelo Bolsa Família e outros programas de inclusão) com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (responsável pela reforma agrária, que muito pouco avançou nos últimos anos, diga-se de passagem). Por outro lado, pretende promover a eliminação do ministério que se ocupa de direitos humanos/mulheres/igualdade racial e sua inclusão no Ministério da Justiça. Esse é o recado essencial da nova equipe dirigido a todos os que estamos preocupados com o retrocesso na pauta social.
O governo Temer ainda nem começou e já apresenta suas (in)definições. Porém, caso sejam levadas em conta as propostas que começam a ser ventiladas, ele conseguirá a façanha de promover a unificação do conjunto dos movimentos sociais na resistência à implementação do projeto golpista e antipopular.
Paulo Kliass, é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Tudo a Temer no Brasil
O Brasil desconhece o Brasil, uma certa Buenos Aires tampouco sabe o que se passa na periferia da capital argentina, aqui tiro uma buena onda com o amigo Washington Cucurto, meu escritor portenho contemporâneo predileto, mais para a cumbia do que para o tango, mais para a linguagem da rua e de los perros callejeros, digo, os vira-latas, do que para os cães de madame
Por Xico Sá – de Brasília:
O cara, em termos de linguagem, está mais para as doideiras do Maradona e do Carlito Tévez do que para as estatísticas vitoriosas do Messi. Um portenho de uma Buenos Aires periférica, longe da velha ideia europeia que compramos como fetiche borgiano e metalinguístico de los hermanos.
Encontrei com o Cucurto, ainda nesse longo dia que narraremos adiante, vestido em uma camiseta vintage do Sport Club do Recife, no café da manhã, no seu país ele é torcedor do Independiente, e logo o comuniquei que o seu novo time em Pernambuco perdera na noite anterior para o Santa Cruz. Uma moça bonita, conhecedora da sua obra, me confessou: “Culpa minha, sou rubro-negra mais que tudo nessa vida”.
Cucurto, autor do genial Cosa de negros , entre outros livros, esteve aqui com a gente para participar do Clisertão, um congresso literário que acontece anualmente em Petrolina. Fez uma mesa de bate-papo genial com o escritor Marcelino Freire, mediada pela professora de literatura Paula Santana, sobre o lugar da fala, o batismo das coisas e travessias culturais.
É golpe ou não é?
No que agora indagamos, todo mundo junto, com o auxílio genial de outro nordestino que se achega, falo do paraibano Bráulio Tavares (Campina Grande), um cara que consegue nos contar de tudo nesta noite. Das suas traduções do romance noir de Raymond Chandler, meu autor predileto, aos enredos dos cordéis clássicos e às parcerias com Lenine, nosso amigo comum de comunismos d’antanho.
No que agora indagamos, todo mundo junto, com o auxílio genial de outro nordestino que se achega, falo do paraibano Bráulio Tavares (Campina Grande), um cara que consegue nos contar de tudo nesta noite. Das suas traduções do romance noir de Raymond Chandler, meu autor predileto, aos enredos dos cordéis clássicos e às parcerias com Lenine, nosso amigo comum de comunismos d’antanho.
Pelos meus 30 e tantos anos de jornalismo e de traumas históricos, chamo declaradamente de golpe.
Agorinha mesmo na beira do São Francisco, o grande rio da unidade nacional brasileira, tomando uma cerva depois de atravessar de Petrolina a Juazeiro, a grande dúvida é uma só: como nomear o que está acontecendo no país. Pelos meus 30 e tantos anos de jornalismo e de traumas históricos, chamo declaradamente de golpe. Que me desculpem, quem sabe não passo de um paranoico benjaminiano.
Não consigo encontrar os atenuantes semânticos, tampouco eufemismos que justifiquem alguma ideia de processo democrático. A maioria dos amigos me acompanham neste batismo de fogo; outros, educadamente, mesmo trabalhando em fábricas de salsicha, dizem que não é bem assim etc.
Creio, e nisso não vejo nenhuma lenda do Curupira, que a ordem democrática foi quebrada pelo tripé tendencioso constituído, sem se ligar na Constituição, por:
Avexamentos de juízes de primeiras instâncias e pela demora exagerada dos ministros das instâncias derradeiras, vulgo STF…
Jamais esquecerei o dia em que um repórter entrou de Curitiba, meio sem saber o que tinha de fato nas mãos, para ler o relatório de um grampo fornecido pelo juiz Moro sobre uma conversa de Lula/Dilma. O grampo ao vivo. O grampo sessão da tarde. O primeiro grampo ao vivo da história da TV brasileira. No justo momento em que havia um certo esmorecimento da direitona… Falo do ritmo do noticiário bipolar que temos vivido.
Repare no relato de uma mídia que deixou tudo límpido nos seus editoriais clamorosos e repletos de mesóclises… E, óbvio ululante, pelo Cunha delinquente-mor da Câmara, o grifo é do procurador-geral da República, que comandou todo circo de horrores.
As mesóclises, como todo beletrismo, marca das cartas e poemas do próprio Temer, denunciam, amigo Lacan, a repetição da linguagem golpista. Dar-te-ei… Os editoriais e o vice que versa falavam a mesma língua e tramavam a mesma redundante trama. Só a linguagem denuncia e escancara os sentidos. Lacan vale por mil Janôs ou esperas dos Godôs do STF que deixaram o impeachment chegar antes de qualquer crime de responsabilidade da presidenta. Isso é um escândalo? Nada. É apenas o óbvio ignorado.
A mídia dos grandes veículos brasileiros chegou tão longe na sua narrativa de tirar Dilma, mulher, do seu posto, que não pode mais voltar atrás. Todo mundo avançou muitas casas, negociatas foram feitas, os patinhos quem-quéns da Fiesp, nada bossa nova, se instalaram de vez na paisagem, o golpe foi dado como consumado. O Brasil mantém seu histórico de rupturas democráticas a todo custo. Dias temerários virão.
Xico Sá, escritor e jornalista.
A ‘Direita’ rancorosa
Os revolucionários incentivam as pessoas a participarem nas transformações que levam as sociedades a definirem os caminhos democráticos. É uma luta permanente para criar melhores condições de vida para todos: os que trabalham, os que estudam, os que desenvolvem a ciência e as artes, os idosos, as crianças, os que precisam de apoio
Por Zillah Branco – de Brasília:
As elites, que se servem do poder para explorar os mais pobres, vivem folgadamente acima da realidade em que mal sobrevivem os oprimidos. Não vêm as desigualdades e os sofrimentos. Alguns percebem e inventam teorias que explicam como uma fatalidade ou o destino a existência de ricos e pobres, fortes e fracos. Outros deixam-se ficar, alheios a uma maioria de cidadãos que se amontoam em bairros periféricos, dos quais se afastam com medo de assaltos ou do lixo acumulado.
As elites, que se servem do poder para explorar os mais pobres, vivem folgadamente acima da realidade em que mal sobrevivem os oprimidos. Não vêm as desigualdades e os sofrimentos. Alguns percebem e inventam teorias que explicam como uma fatalidade ou o destino a existência de ricos e pobres, fortes e fracos. Outros deixam-se ficar, alheios a uma maioria de cidadãos que se amontoam em bairros periféricos, dos quais se afastam com medo de assaltos ou do lixo acumulado.
As forças da ordem ao serviço da elite perseguem os revolucionários e ameaçam as populações oprimidas que os acolhem. Mas a História não pára; modifica-se contínuamente disseminando as sementes do percurso revolucionário que voam com as idéias por todo o mundo levando as imagens de movimentos de libertação de classes oprimidas e de países colonizados que plantam a democracia no seu solo.
Das elites surgem pensadores que admiram as mudanças ocorridas e o surgimento de Estados que atendem as populações com serviços sociais – de saúde, ensino, transporte, habitações – que promovem o desenvolvimento das suas indústrias, serviços e comércios. Acreditam que podem criar uma sociedade democrática onde uma elite benfeitora poderá gerir o Estado de maneira democrática. Esta elite é conservadora (quer continuar com as vantagens de gerir o poder) mas reconhece que o povo tem direitos humanos para se desenvolver.
O papel desumano dos que impedem que a democracia seja implantada em benefício de todos os cidadãos hoje é mais visível, um pouco por todo o mundo, devido ao conhecimento maior das ciências humanas e a crise que estrangula o sistema capitalista. Veja-se a filosofia social pregada pelo Papa Francisco que se aproxima de uma ideologia até agora defendida exclusivamente pela esquerda militante.
Nem todos os da elite aceitam sacrificar as suas riquezas sempre crescentes para financiar um Estado Social. Começam a corromper pessoas que ocupam lugares na estrutura do Estado para desviar a riqueza nacional para os bancos da elite e legisladores para que os direitos já conquistados não sejam respeitados. Criam dificuldades para que se instale a democracia promovendo conflitos sociais incentivando a prática de crimes e o hábito da corrupção. Torna-se cada vez mais difícil gerir o poder e manter a democracia. Destaca-se na elite uma “direita rançosa” que revela o seu instinto cruel contra a democracia. Ela odeia os pobres e todos os oprimidos, quer a riqueza produzida pelo país à sua disposição para escravizar trabalhadores e corromper serviçais. Inventa um “golpe de Estado” que acabe com a democracia e destrua as iniciativas revolucionárias.
Assim aconteceu no Brasil, dando início à oposição política que perdeu as eleições em 2015 quando Dilma foi eleita por 54 milhões de cidadãos que apoiaram o programa democrático defendido pelos partidos de esquerda. Fizeram uso da mídia, dos que foram processados por corrupção, de fanáticos da Igreja Pentecostal manipulada por políticos inescrupulosos, de juizes e advogados que desrespeitam a Constituição, de defensores da ditadura militar e sua prática de tortura, o que provocou uma indignação que se alastrou trazendo o povo brasileiro para as ruas e um movimento internacional de solidariedade à construção democrática iniciada no Governo de Lula em 2002.
Tal movimento permitiu a compreensão de que a democracia só existe se incluir os explorados e destituir os exploradores do poder. É a visível luta de classes que sempre inspirou os revolucionários e os leva a enfrentar a violência dos golpistas com a coragem de quem oferece a vida pela vitória.
Zillah Branco, é cientista social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Chile, Portugal e Cabo Verde.
E o STF se omitiu…
Não devemos nos enganar: ao se omitir, o STF não se acovardou, pois uma omissão como a de hoje não se deve ao fato de que os ministros foram coagidos e faltaram garantias, mas porque apoiam vergonhosamente o golpe
Por Andrei Koerner – de São Paulo
O período entre a tarde da terça-feira e o início da tarde de quarta-feira, nesses dias 10 e 11 de maio de 2016 ficará conhecido como o momento decisivo no qual o STF foi chamado a bloquear o golpe, formatado num processo de impeachment, contra a presidenta Dilma Roussef. Mas o STF se omitiu…
Aparentemente, na tramitação entre o ingresso do pedido, distribuição, exame pelo relator e julgamento da liminar não houve tempo para que o nosso tribunal supremo suspendesse ou anulasse a decisão da câmara e impedisse o inicio da sessão do Senado. Depois de contados os votos nesta casa, o fato estará consumado e só restará o registro resignado de que uma eventual decisão judicial não teria impedido o afastamento, dada a vantagem numérica dos apoiadores do golpe. Não teria? Não saberemos, mas do que temos certeza é que a omissão do tribunal nesta data ficará na nossa história política e constitucional ao lado decisões sobre Olga Benário, a autorização da cassação do PCB e o reconhecimento do golpe de 1964.
Não devemos nos enganar: ao se omitir, o STF não se acovardou, pois uma omissão como a de hoje não se deve ao fato de que os ministros foram coagidos e faltaram garantias, mas porque apoiam vergonhosamente o golpe. Para exercerem devidamente o seu papel de juízes constitucionais, os ministros do STF não precisariam de nenhuma garantia além das que já dispõem: as prerrogativas individuais, autonomia institucional e os recursos materiais fornecidos pelo Estado, caso sejam, eventualmente, necessário para preservar sua segurança e integridade física.
A omissão de hoje equivale à negação do pedido, porque o significado e implicações de ambas são as mesmas: implicam a recusa, pelo juiz, da garantia constitucional dos direitos do acusado e dos direitos da minoria para que sejam preservadas as regras que asseguram sua convivência com a maioria. Os ministros do STF não precisam de nenhuma garantia para se omitir tal como não a necessitariam ao recusar o pedido de liminar da presidenta Dilma. Eles repetem suas omissões anteriores, e confirmam o que elas significam: a sua aliança com a farsa promovida pelas lideranças de oposição, a opinião produzida pela mídia e a máquina de constrangimentos movida pelos setores hegemônicos em nossa sociedade.
Não, os ministros do STF não se acovardaram, eles se omitiram porque se aliaram à máquina golpista. Provavelmente pactuaram entre si de que não decidiriam as ações judiciais referentes aos graves conflitos políticos atuais a fim de preservarem o prestígio da instituição e os seus cargos. Porém, macularam a instituição a que pertencem, e confirmam a história de uma corte suprema manca e tribunal constitucional de fancaria.
Talvez seja preciso esclarecer que a autocontenção judicial é coisa bem distinta da omissão oportunista. A autocontenção é quase a expressão do orgulho de juízes que limitam o campo das suas decisões à preservação de direitos fundamentais, não adotam interpretações extensivas – e muito menos oportunistas – das leis, e não contrariam as decisões da maioria sobre políticas públicas, a não ser que seja estritamente necessário para preservar os direitos individuais. No Brasil, a distinção entre direitos e políticas é menos nítida do que nos Estados Unidos porque lá os direitos sociais não são incluídos entre os direitos assegurados pela Constituição. De todo modo, é evidente que, quando estão em jogo os direitos civis, tal como o direito de defesa e o princípio de inocência, é imperativo que os juízes julguem a causa. E um juiz autocontido não deixará de fazê-lo, pelo contrário, exercerá suas atribuições em sua plenitude. Nesse tipo de caso, o juiz deve acolher ou não o pedido, isto é, julgar, de modo a evitar danos irreparáveis para os que têm seus direitos violados. A omissão oportunista faz coisa bastante distinta, pois joga com os prazos, recorre a formalidades, cria distinções casuísticas ou qualquer manobra para deixar de julgar e esperar confortavelmente que as engrenagens do poder social esmaguem os que com ela não se conformam.
O tribunal constitucional foi criado como um substituto do poder constituinte para interpretar as normas constitucionais e resolver os conflitos a fim de manter o compromisso entre as forças políticas que permitiu a instituição da democracia constitucional. Este é o papel político atribuído por Kelsen ao tribunal constitucional: o de preservar a regra que torna possível a convivência entre maioria e minoria. As forças políticas podem, por meio de outras normas da constituição, atribuir outras funções para o tribunal constitucional, como a defesa de valores substantivos, a promoção de objetivos coletivos etc. Mas um tribunal constitucional só faz jus ao seu nome se exerce aquele papel fundamental, pois, sem a preservação da regra, a convivência torna-se impossível.
Não se trata, portanto, de defender a judicialização da política ou o ativismo judicial, mas de evidenciar as implicações mais elementares da forma de organização da democracia constitucional, que foi adotada em nosso país muito antes de 1988. Trata-se de defender que o tribunal decida de forma consequente com o papel constitucional que recebeu.
Em vários casos do passado o STF usou suas atribuições para preservar direitos, assegurar a política presidencial. Na Primeira República, recebeu pedidos de habeas corpus enviados por telegrama e, depois de 1964, o seu presidente concedeu uma ordem de habeas corpus por decisão liminar, um instrumento que não existia em lei. Para garantir as privatizações durante o governo Fernando Henrique, o STF reuniu-se em caráter de urgência e mantem plantão para decidir pedidos de liminar. Porém, noutras situações omitiu-se diante de situações criadas por decisões arbitrárias dos seus ministros, como quando o ministro Mendes contrariou as regras internas e extrapolou seus poderes para relaxar a prisão do banqueiro Dantas, suspendeu por um ano a decisão da ação de inconstitucionalidade do financiamento privado de campanha e suspendeu a nomeação do ex-presidente Lula há quase um mês, sem qualquer decisão do plenário. Em nenhum desses casos foi chamado à ordem pelo seu presidente, não foi criticado em público pelos seus colegas, não foi pressionado pela imprensa para ser impedido de atuar nos casos contra o governo.
No mandado de segurança apresentado pela presidenta Dilma, por que o presidente do STF deixou de examinar in límine e não chamou uma sessão extraordinária para julga-lo na manhã desta quarta-feira, dada a urgência e o caráter irreparável da situação criada? Por que o relator, Teori Zavaski, não tomou a decisão a tempo para que ela pudesse ser examinada pelo plenário antes do início da sessão do Senado? Aliás, por que ele demorou quase cinco meses para decidir sobre o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
No mandado de segurança apresentado pela presidenta Dilma, por que o presidente do STF deixou de examinar in límine e não chamou uma sessão extraordinária para julga-lo na manhã desta quarta-feira, dada a urgência e o caráter irreparável da situação criada? Por que o relator, Teori Zavaski, não tomou a decisão a tempo para que ela pudesse ser examinada pelo plenário antes do início da sessão do Senado? Aliás, por que ele demorou quase cinco meses para decidir sobre o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
Se o tribunal supremo de uma democracia constitucional não serve para assegurar os direitos fundamentais e preservar as condições de convivência das forças políticas na democracia constitucional, para que serve, então? Para que os seus ministros usem o prestígio do cargo para promover os interesses de seus parentes? Para que condenem politicamente um réu mesmo quando têm dúvida sobre a sua culpa? Para que influenciem a opinião pública, ao expressar ilegalmente as suas opiniões pessoais sobre conflitos políticos que lhes serão submetidos a julgamento? Para oscilarem suas orientações doutrinárias segundo os interesses em jogo nos casos em que julgam? Sua omissão é retribuição ao Congresso pelos cinco anos adicionais no cargo? Por promessas de aumento ou de ampliação das verbas para o Judiciário?
Aos nossos juízes não falta qualificação pessoal para julgarem conflitos privados. Os ministros atuais seriam ótimos juízes numa monarquia constitucional do século XIX ou num regime parlamentar do início do século XX em que atuariam como agentes da reprodução do sistema, preservariam direitos mas não seriam chamados a decidir conflitos políticos. Essas situações seriam bem adequadas para o seu apego à pompa da instituição, aos rituais e liturgias do cargo, ao seu prestígio pessoal. Porém, nada disso serve na democracia constitucional, em que o conflito social foi institucionalizado e o tribunal tem o papel de manter a regra de convivência para preservar o sistema em equilíbrio dinâmico. Se os juízes permitem, por ação ou omissão, que o jogo das forças políticas leve ao rompimento da regra, eles pensam que preservam o prestígio da instituição e o equilíbrio das formas atuais de dominação social. No entanto, o que eles fazem, junto com as forças golpistas, é conduzir a ordem constitucional para o colapso.
Andrei Koerner é professor de Ciência Política na Unicamp, coordenador do GPD/Ceipoc e pesquisador do Cedec e do INCT/Ineu.
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