quinta-feira, 12 de maio de 2016

Collor, de vítima a apoiante do impeachment


O senador, aproveitou o debate sobre a destituição de Dilma para ajustar contas com o próprio passado. Único Presidente submetido a impeachment até agora, Collor votou a favor do afastamento.
Collor de Mello durante a sessão do Senado que afastou Dilma Rousseff EVARISTO SÁ / AFP


Entre os 70 senadores que discursaram na sessão do Senado brasileiro que aprovou a abertura de um processo de impeachment contra Dilma Rousseff, apenas um conseguiu silenciar o plenário. Fernando Collor de Mello, removido da Presidência da República há 24 anos por um processo análogo,votou a favor do impeachment da sua quarta sucessora.
Foi “uma dessas oportunidades que só a política brasileira proporciona à História”, resumiu a revista Época. A maior parte dos discursos dos senadores não mereceram a atenção dos senadores durante a longa sessão que terminou já no fim da madrugada de quinta-feira. Mas Collor, que cumpre o seu segundo mandato como senador do estado de Alagoas, conseguiu o raro respeito que se dá a figuras trágicas. Na condição de único Presidente brasileiro destituído por um processo de impeachment até então, a expectativa era que falasse a partir da sua experiência pessoal.
Assim foi: o seu discurso foi uma peculiar defesa da sua inocência, a que se juntou a condenação do governo de Dilma e apelos à reforma do sistema político em nome da moralidade. 
Collor começou por citar o mesmo excerto do jurista e escritor Rui Barbosa que serviu de introdução ao pedido de impeachment que resultou no seu afastamento da Presidência em 1992, e comparou os dois processos. “Os procedimentos são os mesmos. Mas o ritmo e o rigor não. Entre a chegada ao Senado da autorização da Câmara e o meu afastamento provisório transcorreram 48 horas. Hoje estamos há 23 dias somente na fase inicial nesta Casa. O parecer da comissão especial que hoje discutimos tem 128 páginas. O mesmo parecer de 1992 continha meia página, com apenas dois parágrafos. O tempo é outro”, disse. Pediu desculpas  por “voltar atrás no tempo, mas o momento exige-o”.
Collor foi afastado por votação no Senado em Outubro de 1992 e o seu julgamento começou em Dezembro, mas ele demitiu-se nessa altura, numa tentativa de evitar o impeachment e a perda dos seus direitos políticos. O julgamento foi mantido e, por 76 votos contra 3, o primeiro Presidente brasileiro eleito por voto popular desde 1960 perdeu o mandato e foi declarado inelegível durante oito anos.
No seu discurso no Senado, quarta-feira à noite, Collor sublinhou que dois anos depois foi absolvido de “todas as acusações” pelo Supremo Tribunal Federal. “Portanto, dito pela maior autoridade judicial do país, não houve crime. Mesmo assim, perdi o meu mandato e não recebi qualquer tipo de reparação. Pelo contrário”, declarou.
Ele disse que tentou alertar Dilma sobre o risco de impeachment, mas não foi ouvido. “Alertei-a sobre a possibilidade de sofrer impeachment, mas não me escutaram. Coloquei-me à disposição. Ouvidos de mercador. Desconsideraram as minhas ponderações. Relegaram a minha experiência.” Ele criticou o governo de Dilma pela deterioração económica do país, excessiva intervenção estatal e falta de diálogo com o Congresso. Apesar de não ter revelado durante o seu discurso como iria votar, mais tarde votou a favor da instauração de um processo de impeachment.

O ex-Presidente, que afirmou que o Brasil “jamais passou por uma confluência tão aguda de crises na política, na economia, na moralidade e na institucionalidade”, é alvo de cinco inquéritos no Supremo Tribunal Federal ligados à Operação Lava Jato. Num dos processos, é acusado de ter recebido 26 milhões de reais (6,5 milhões de euros) de suborno no esquema de corrupção que existiu na Petrobras. Em Julho do ano passado, a Polícia Federal apreendeu quatro carros de luxo pertencentes a Collor que supostamente terão sido comprados com esse dinheiro. Os carros foram devolvidos três meses depois, mas os seus documentos ficaram retidos no Supremo.Um Governo de homens

O executivo de Michel Temer é uma ruptura total com o Governo do Partido dos Trabalhadores.


Henrique Meirelles é considerado o ministro mais importante da equipa de Temer REUTERS



O executivo de Michel Temer é uma ruptura total com o Governo do Partido dos Trabalhadores e vinca a opção liberal depois de 13 anos que o Brasil viveu orientado por uma política de esquerda. Afastado do Planalto, o PT já fez saber que vai assumir o papel de oposição e votar contra todas as iniciativas do Presidente interino.
Para sustentar a sua presidência, Michel Temer teve que negociar uma base de apoio no Congresso, repartindo ministérios e secretarias de Estado pelos seus novos aliados. São 21 os ministros já conhecidos do Governo. Os nomeados são todos homens — uma ironia, perante o processo deimpeachment à primeira Presidente mulher do país.

Finanças: Henrique Meirelles

Tem 70 anos e é considerado o ministro mais importante da equipa de Temer. Ex-presidente do Banco Central do Brasil (2003-11), tem uma excelente reputação junto dos mercados que, segundo a AFP, acalmaram depois de ser confirmado que seria a escolha para as Finanças. Membro do PMDB, trabalhou directamente com Lula da Silva, com quem estabeleceu uma relação próxima — chegou a ser considerado para o lugar de vice-presidente após a eleição de Dilma Rousseff, mas esta preferiu Michel Temer.
Engenheiro e gestor, assume o cargo um período particularmente difícil para a economia do Brasil e para o ambiente político. Mas a experiência política que acumulou ao longo dos anos, assim como as capacidades técnicas, tornam-no apto para “enfrentar o furacão que ameaça a primeira economia da América Latina”, diz a AFP no perfil que lhe dedicou.
O Brasil está mergulhado numa recessão que fez encolher o seu crescimento para 3,8% em 2015, o pior resultado em 25 anos. Este ano é esperado um PIB da mesma ordem, depois uma estagnação em 2017. Será o pior período de recessão num século. Para agravar este cenário, a inflação ronda os 10% e o desemprego os 11%. A prioridade de Henrique Meirelles será o de fazer aprovar um ajustamento orçamental, que Dilma Rousseff tentou implementar mas que o Congresso não aceitou.

Desporto: Leonardo Picciani (PMDB)

Tem 36 anos, é líder do PMBD na Câmara dos Deputados, e tido como aliado de Dilma Rousseff desde o ano passado. Foi, aliás, um dos últimos no partido a voltar-se contra Presidente. Eleito pelo Rio de Janeiro ­– o “quintal” mais importante do partido, e onde dentro de três meses arrancam os Jogos Olímpicos –, votou contra o processo de destituição. Ele e o seu pai, Jorge Picciani, deputado estadual, bem como o seu irmão, Rafael Picciani, responsável dos Transportes do município do Rio de Janeiro, estão a ser investigados por angariação e gastos ilícitos na campanha eleitoral de 2014.
“Sou de uma geração que não viveu o arbítrio da ditadura, de uma geração que acompanhou, ainda na infância, o processo de impedimento de Collor. Não imaginava que minha geração viria a viver um momento como esse, mas quis o destino que aqui estivéssemos”, disse Leonardo Picciani, citado pela Agência Brasil. A sua mulher, a actriz Janine Salles, causou um pequeno escândalo, ao atacar Michel Temer e Eduardo Cunha no Facebook depois da votação na câmara baixa do Congresso, em Abril, que abriu caminho aoimpeachment.

Negócios Estrangeiros: José Serra (PSDB)

Um dos caciques do PSDB e um dos políticos mais conhecidos dos brasileiros, José Serra já concorreu duas vezes à presidência do país: perdeu em 2002 contra Lula da Silva, e novamente em 2010 contra Dilma Rousseff. Mas essas derrotas são a excepção na sua longa carreira eleitoral: foi eleito deputado federal, relator da Constituinte, senador, prefeito de São Paulo, a maior cidade do país, e depois governador do estado. Em 2014 regressou ao Senado, batendo nas eleições Eduardo Suplicy, uma figura simbólica do PT.
No Governo de Fernando Henrique Cardoso, de quem é próximo, assumiu as pastas do Planeamento e da Saúde – durante o período de composição do novo executivo provisório, o seu nome foi frequentemente citado para regressar a esse ministério, onde incentivou os medicamentos genéricos. É um veterano: homem polémico, envolveu-se na política enquanto estudante de engenharia e com o golpe militar de 1964 teve de fugir para o exílio, por perseguição da ditadura. Esteve em França, no Chile e nos Estados Unidos, onde trabalhou para a ONU.

Justiça e Cidadania: Alexandre de Moraes (PSDB)

Outro homem do PSDB de São Paulo, actual responsável pela secretaria de Segurança Pública do governo estadual, Alexandre de Moraes foi advogado em 123 processos ligados ao temível PCC – o Primeiro Comando da Capital, uma das mais perigosas facções criminosas da América do Sul, envolvida no tráfico de droga, assassínios e crime organizado. Também foi advogado do presidente da Câmara de Deputados afastado de funções, Eduardo Cunha, e é amigo pessoal de Michel Temer.
O seu será um super-ministério, que passará a incluir as anteriores secretarias das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. A indicação de Alexandre de Moraes, 48 anos, mereceu o assobio imediato de movimentos estudantis, por causa das suas ordens para intervenções “musculadas” em escolas ocupadas por estudantes em São Paulo, onde a Polícia Militar carregou sobre os alunos. Também as suas descrições das manifestações de apoio a Dilma como “criminosas” e “actos de guerrilha” causaram polémica.


Senado afasta Dilma e Michel Temer é o novo Presidente do Brasil

A primeira mulher chefe de Estado do Brasil garantiu que vai “lutar com todos os instrumentos legais” para exercer o seu mandato até ao fim.





Michel Temer acordou pouco depois das seis da manhã de quinta-feira com fogos de artifício e deu-se conta de que dali a algumas horas seria o novo Presidente do Brasil. O Senado brasileiro acabara de aprovar, por ampla maioria, a suspensão do mandato da primeira mulher eleita para a Presidência da República. A sessão no Senado começou às dez da manhã de quarta-feira e só terminou depois de quase 20 horas de discursos, mas Michel Temer, que nos últimos cinco anos e meio foi vice-presidente de Dilma Rousseff, não ficou acordado para acompanhar a maratona, segundo a Folha de S. Paulo. Foi dormir por volta das três da manhã e só ligou a televisão, que transmitia a sessão no Senado em directo, quando ouviu os fogos de artifício.
A votação – 55 senadores votaram a favor da instauração de um processo deimpeachment contra Dilma Rousseff, e só 22 contra – tinha acabado há instantes. De resto, a maioria dos brasileiros também não assistiu: ao contrário da votação de 17 de Abril na Câmara dos Deputados, o desfecho no Senado era previsível para todos. Enquanto os senadores alternavam a vez nos microfones do plenário, do outro lado da rua, em Brasília, funcionários do palácio presidencial esvaziavam os gabinetes e encaixotavam pertences. Senadores da oposição e aliados do governo votaram com a certeza de que oimpeachment ia ser aprovado.
Não houve embates, apertos, cuspidelas, tributos às famílias e a Deus, homenagens a torturadores, bandeiras do Brasil ou cartazes dizendo “Tchau, querida”. Os senadores discursaram uns atrás dos outros, no tempo máximo de 15 minutos, e a longa sessão fez o plenário ficar vazio por várias vezes. A votação durou poucos minutos e foi feita por painel electrónico – ao contrário do que acontecera na Câmara dos Deputados, onde os mais de 500 parlamentares votaram, um a um, com declarações ao microfone. Quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou os 55 votos a favor doimpeachment, pouco depois das seis e meia da manhã, houve aplausos, mas foram curtos. Não houve folclore.
Mas houve “uma dessas oportunidades que só a política brasileira proporciona à História”, como escreveu a revista ÉpocaFernando Collor de Mello, afastado da Presidência há 24 anos por um processo análogo, votou a favor do impeachment da sua quarta sucessora. Foi o único discurso que o plenário fez silêncio para ouvir, com o respeito que se dá a figuras trágicas. Collor, que é senador pelo estado de Alagoas e é alvo de investigação na Operação Lava Jato por suspeitas de corrupção, disse que chegou a alertar Dilma para o risco de um impeachment, mas foi ignorado. “Ouvidos de mercador. Desconsideraram as minhas ponderações. Relegaram a minha experiência.”
Acusado de corrupção e tráfico de influências, Collor demitiu-se em Dezembro de 1992, dois meses depois de o Senado aprovar o seu afastamento do cargo, no dia em que o seu julgamento começou. Mas Dilma garantiu esta quinta-feira que vai “lutar com todos os instrumentos legais” para exercer o seu mandato até ao fim. “Até ao dia 31 de Dezembro de 2018”, precisou. Dilma foi oficialmente notificada sobre a decisão do Senado às 11h da manhã e 15 minutos depois fez o seu último discurso no Palácio do Planalto, rodeada de membros do seu executivo, deputados do Partido dos Trabalhadores e outros partidos aliados – alguns dos quais se emocionaram ao ouvir a Presidente. “Nunca imaginei que seria necessário lutar de novo contra um golpe no meu país”, disse Dilma, que integrou a luta armada contra a ditadura brasileira, instaurada em 1964 por um golpe militar. Ela declarou estar a ser punida por um crime que não cometeu e ser vítima de “uma farsa jurídica e política”. “Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes. Não tenho contas no exterior. Não recebi subornos. Jamais compactuei com a corrupção. Esse é um processo injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente.”
Afastada 17 meses depois de ter sido inaugurado o seu segundo mandato, Dilma é acusada de irresponsabilidade fiscal, por ter decretado aumentos orçamentais sem aprovação do Congresso e ter usado bancos estatais para pagar despesas públicas, mascarando o estado real das contas do Estado. Ela insistiu que essas acções foram legais e necessárias, além de também terem sido executadas pelos seus antecessores. “Jamais em democracia o mandato legítimo de um Presidente eleito pode ser afastado por actos legítimos de gestão orçamental. O Brasil não pode ser o primeiro país a fazer isso”, declarou. Dilma saiu a pé do Palácio do Planalto e foi abraçada por aliados, incluindo um abatido Lula da Silva, o ministro nomeado que nunca chegou a sê-lo. Cerca de três mil pessoas (estimativa da Polícia Federal) concentraram-se frente ao palácio presidencial e Dilma cumprimentou pessoalmente muitas das que estavam na frente, junto às barreiras de segurança, na sua maior parte mulheres. “Hoje para mim é um dia muito triste”, admitiu. “Mas vocês conseguem fazer com que a tristeza diminua”, disse.

O Governo de Temer

Finanças: Henrique Meirelles (ex-presidente do banco central)
Planeamento: Romero Jucá (PMDB)
Desenvolvimento, Indústria e Comércio: Marcos Pereira
Relações Exteriores (inclui comércio exterior): José Serra (PSDB)
Casa Civil: Eliseu Padilha (PMDB)
Secretaria de Governo: Geddel Vieira Lima (PMDB)
Secretaria de Segurança Institucional: Sérgio Etchegoyen
Educação: Mendonça Filho (DEM)
Saúde: Ricardo Barros (PP)
Justiça e Cidadania: Alexandre de Moraes
Agricultura: Blairo Maggi (PP)
Trabalho: Ronaldo Nogueira (PTB)
Desenvolvimento Social e Agrário: Osmar Terra (PMDB)
Meio Ambiente: Sarney Filho (PV)
Cidades: Bruno Araújo (PSDB)
Ciência, Tecnologia e Comunicações: Gilberto Kasssab (PSD)
Transportes: Maurício Quintella (PR)
Advocacia-Geral da União: Fabio Medina Osório (especialista em combate à corrupção)
Fiscalização, Transparência e Controlo: Fabiano Augusto Martins Silveira
Defesa: Raul Jungmann (PPS)
Turismo: Henrique Alves (PMDB)
Desporto: Leonardo Picciani (PMDB)
Minas e Energia: será indicado pelo PSB
Integração Nacional: Eduardo Braga (PMDB)

Dilma: “Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes”

Depois de ter sido oficialmente notificada do seu afastamento, Dilma fez um último discurso antes de deixar o palácio presidencial. Prometeu lutar para exercer o seu mandato até ao fim.



Afastada da Presidência da República de madrugada por uma votação maioritária no Senado brasileiro, Dilma Rousseff deixou a promessa, esta quinta-feira de manhã, de que o processo não acabou e que vai lutar para exercer o seu mandato até ao fim. “Nunca imaginei que seria necessário lutar de novo contra um golpe no meu país”, disse, no Palácio do Planalto, referindo-se ao impeachment a que foi sujeita. Dilma, que integrou a luta armada contra a ditadura brasileira, instaurada em 1964 por um golpe militar, disse orgulhar-se de ser a primeira mulher eleita Presidente da República no Brasil e afirmou que vai “lutar com todos os instrumentos legais” para exercer o seu mandato até ao fim. “Até ao dia 31 de Dezembro de 2018”, precisou.
Vestida com um casaco branco, Dilma falou numa tribuna, rodeada por membros do seu executivo, deputados do Partido dos Trabalhadores e aliados, alguns deles emocionados. Avisou os jornalistas presentes que iria fazer uma declaração e não uma conferência de imprensa – ou seja, não iria responder a perguntas. Durante 15 minutos, a Presidente brasileira – afastada provisoriamente por um período máximo de seis meses, enquanto o Senado vai instaurar a fase de julgamento – leu um discurso da sua autoria em que disse estar a ser punida por um crime que não cometeu e ser vítima de “uma farsa jurídica e política”. “Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes. Não tenho contas no exterior. Não recebi subornos. Jamais compactuei com a corrupção. Esse é um processo injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente.”
Repetindo o que tem vindo a dizer publicamente no último mês, Dilma classificou o impeachment como “um verdadeiro golpe” praticado por uma oposição que não aceitou o resultado das eleições de Outubro de 2014 e passou “a conspirar abertamente” para removê-la do cargo e assumir o poder. Sem nomear Michel Temer, o seu vice-presidente, de outro partido, que se tornou esta quinta-feira no Presidente em exercício, afirmou que o novo governo “nasce de um golpe, de um impeachment fraudulento, de uma espécie de eleição indirecta”.
Dilma lembrou que enfrentou “muitos e grandes desafios”, como a tortura durante a ditadura militar, e a doença, quando lhe foi diagnosticado um linfoma (cancro no sangue). “Agora sofro a dor inominável da injustiça”, disse. “Mas não esmoreço.”
A Presidente, que é afastada 15 meses depois de ter sido inaugurado o seu segundo mandato, é acusada de irresponsabilidade fiscal, por ter decretado aumentos orçamentais sem aprovação do Congresso e ter usado bancos estatais para pagar despesas públicas, mascarando o estado real das contas do Estado. Dilma insistiu que essas acções foram legais e necessárias, além de terem sido executadas pelos seus antecessores. “Jamais em democracia o mandato legítimo de um Presidente eleito pode ser afastado por actos legítimos de gestão orçamental. O Brasil não pode ser o primeiro país a fazer isso”, declarou.
Ao terminar o discurso, Dilma saiu a pé do Palácio do Planalto, e foi abraçada pelos seus aliados e apoiantes, incluindo um abatido Lula da Silva, o ministro nomeado que nunca chegou a sê-lo. Em coro, gritaram “Dilma, guerreira! Da pátria brasileira!” Dilma cumprimentou de perto as cerca de três mil pessoas (estimativa da Polícia Federal) que se concentravam frente ao palácio presidencial, em Brasília, muitas delas mulheres. Falou por minutos ao microfone, repetindo que foi vítima de um golpe e de uma injustiça. “Hoje para mim é um dia muito triste”, admitiu. “Mas vocês conseguem fazer com que a tristeza diminua”, disse. A multidão gritou “Fora Temer” no final.

Antes de saber resultado, Dilma já tinha exonerado Lula

O ex-Presidente tinha sido nomeado mas nunca exerceu o cargo. Outros ministros exonerados.


Lula da Silva foi um dos membros do Governo exonerados por Dilma ADRIANO MACHADO / REUTERS



Dilma Rousseff exonerou 28 dos seus 31 ministros, incluindo Lula da Silva,nomeado chefe da Casa Civil em plena crise política. Porém, o ex-Presidente não chegou a exercer o cargo, por causa da suspensão imposta pelo Supremo Tribunal.
As demissões foram publicadas esta quinta-feira no Diário Oficial da União, mas a assinatura da agora ex-Presidente tem data da véspera, segundo o jornal Estado de São Paulo, o que revela que Dilma já admitia o afastamento do Palácio do Planalto ainda antes de ser concluída a sessão do Senado.
Cai, desta forma, todo o Executivo de Dilma. Permanece apenas o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que apesar de ter estatuto de ministro permanece no período de transição, de acordo com a imprensa brasileira. Nos ministérios da Ciência e da Indústria não houve exonerações, porque os respectivos ministros já tinham abandonado o Governo para participarem nos processos de votação do impeachment no Congresso e no Senado.

COMENTÁRIO

A ascensão do poder do Supremo Tribunal Federal, aliada à fraqueza da política, conduz o Brasil à paralisia

"O meu receio é que as pessoas passem a enxergar que a interferência do Judiciário é um remédio, quando, na verdade, mais parece um sintoma de doença", diz o professor de Direito Daniel Vargas.
O processo de destituição (impeachment) da Presidente Dilma Rousseff está estreitamente ligado a outro fenómeno, o aumento da influência do Supremo Tribunal Federal (STF) na política brasileira, o que levanta um complicado problema: a judicialização da política pode conduzir à politização da justiça. Juntos levam a bloqueios institucionais e à paralisia.
As investigações de escândalos como o Mensalão (suborno de deputados) e, depois o Petrolão (corrupção na Petrobras) — a Operação Lava-Jato do juiz Sérgio Moro — prestigiaram os magistrados. Moro tornou-se num "herói do povo". Esta é uma das vertentes, inspirada na Operação Mãos Limpaslançada em 2002 pela magistratura de Milão contra a corrupção política.

O afastamento de Cunha

A segunda vertente é a crescente intervenção do STF junto dos poderes executivo e legislativo. Na quinta-feira, suspendeu o mandato de Eduardo Cunha, presidente do Congresso, por suspeita de uso do cargo em benefício próprio e obstrução da justiça. Ironicamente, foi Cunha quem capitaneou a campanha de destituição de Dilma. De resto, é réu por crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Por este facto, estaria constitucionalmente inibido de substituir o futuro Presidente, enquanto líder do Congresso. O importante é outra coisa: foi o primeiro deputado da história brasileira a ser afastado pelo STF.
A primeira vertente diz respeito à moralização do Estado e da política. A segunda significa um hábil teste aos limites da intervenção dos juízes na esfera política, já esboçada durante os mandatos de Lula e Dilma. A grande maioria dos brasileiros exigia o afastamento de Cunha — tal como os de Dilma e do seu vice e provável sucessor, Michel Temer. Foi portanto uma decisão popular. Mas a coincidência entre o voto do Congresso contra Dilma e a rápida depuração do seu "inimigo", agora acusado de constituir uma ameaça à "credibilidade da câmara", faz sorrir os cépticos.
Daniel Vargas, professor de Direito e antigo colaborador no segundo governo de Lula, lançou um alerta numa entrevista ao El País. "O meu receio é que as pessoas passem a enxergar, a partir dessa decisão, que a interferência do Judiciário é um remédio, quando, na verdade, mais parece um sintoma da doença. O facto de o STF se ter transformado no grande protagonista das decisões políticas, e muitas vezes também económicas, indicia apenas como a democracia brasileira sangra cada vez mais. (...) Não conseguimos mais apresentar um caminho sem uma intervenção judicial."

A votação no Senado

A justiça tem as suas "linhas vermelhas" seja no combate à corrupção ou no respeito dos outros poderes. Na Itália das Mãos Limpas, o excesso de zelo dos magistrados levou à sua derrota e à emergência de Berlusconi, o símbolo da corrupção política. Hoje, no Brasil, surgem interrogações sobre o futuro rumo da Operação Lava-Jato após o impeachment, que passou a concentrar todas as atenções. Os analistas admitem que a operação possa ser acelerada, mas temem que possa vir a ser obstruída pelo Congresso ou pelo Governo, a partir do momento em que deixa de estar debaixo dos holofotes (BBC Brasil, 19 de Abril).
O poder judicial pode ser tentado, nas palavras de Vargas, a passar de "árbitro pontual" a "maestro", num clima de "verdadeira caça à política" e de desvalorização da autoridade do voto. A responsabilidade maior cabe ao sistema e aos históricos hábitos políticos brasileiros.
O modelo do "presidencialismo de coalizão", em que o Presidente concentra enormes poderes que, à falta de maioria parlamentar, não pode exercer sem alianças bastardas, com pequenos ou grandes partidos ideologicamente distantes, é um clássico obstáculo à governabilidade. Impõe negociatas e é um convite ao suborno de deputados — caso do Mensalão.
Dilma falhou o mandato, cometeu erros crassos, tornou-se impopular, mas não foi acusada de corrupção. Passou a ser detestada na rua e acossada no parlamento, perdendo todas as condições para governar. Por isso a oposição pôde abrir o processo de destituição. Mas o insólito, como frisou Moisés Naim, ex-director da Foreign Policy, é que "todos os que a poderiam substituir depois deste processo estão contaminados, são tão tóxicos como ela".
Não é apenas o Congresso que tem uma maioria de deputados suspeitos ou acusados de corrupção e outros delitos. Também o Senado, que representa por excelência a elite política. Segundo a ONG transparência Brasil, 58% dos 81 senadores que vão votar o afastamento de Dilma têm também acusações de "improbidade administrativa ou de corrupção passiva". Que credibilidade têm?
O drama maior do Brasil não é sequer a corrupção. É que nenhum dos campos em que a política se polarizou tem poder para dar uma resposta política à crise em que o Brasil se afunda. É um país paralisado. E não serão os juízes que o dinamizarão.



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