Mai 1 2013 em Opinião/Reflexão poradmin
Tenho 34 anos, e na condição de cabo-verdiano, Salense, nascido em Espargos portanto cidadão deste país manifesto todo o meu respeito e admiração, especialmente pelos contributos humildemente cedidos por V.Excia a esta terra que a todos nos viu nascer.
Compartilho integralmente do seu sentimento patriótico que deve expressar e encarnar os sonhos e a esperança de todo o povo destas ilhas.
Por essa razão e por acreditar que é possível construir um futuro melhor para nós e para as gerações futuras, que ouso escrever-lhe estas linhas.
Sr. Presidente, a Democracia define-se como um regime de governação em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos – com o povo. Directa ou indirectamente, por meio de representantes eleitos.
Tecnicamente, adoptamos o regime da Democracia Representativa. Elegemos os nossos representantes que por sua vez decidem por nós o que é o melhor para o país.
Não quero ensinar o pai-nosso ao vigário, apenas para realçar que seria de facto o regime ideal, que, com alguma abertura de espírito e vontade de fazer o bem comum poderíamos evoluir para uma democracia semidirecta onde o povo participaria nas decisões de maior importância através de referendos e outras formas de participação directa.
Sr. Presidente, a aptidão “podrinheira” (Palavra inventada pelo “velhinho” – contracção das palavras poder e dinheiro) implantou no nosso país uma “tribocracia”, que pôs este país de joelhos e nos catapultou para o mais baixo escalão da moral em toda a história de Cabo Verde.
Os partidos se converteram em TRIBOS, tal qual as tribos africanas que se digladiam entre si alimentando um ódio de morte. Por estas bandas vamos arrastando para esse bacanal pútrido e fétido uma juventude promissora, com capacidades que vão se distorcendo á imagem dos seus suseranos e vão fechando os olhos à oportunidade de fazer a diferença, vendendo por “tuta e meia” o seu futuro, os seus projectos e a oportunidade de ver reconhecido as suas qualidades sem baixar a cabeça, sem lamber botas nem traseiros.
Transformou-nos num país onde partidos e dirigentes que empreenderam contra o seu próprio povo, perseguições, torturas, assassinatos, prisões arbitrárias, são coroados e idolatrados, num país onde a oposição rende-se a resultados eleitorais fraudulentos, um país onde órgãos de soberania são controlados pelos partidos políticos, a comunicação social rende homenagem aos governantes, onde a função pública é assaltada pelos familiares e amigos dos que são eleitos e pagos para nos dirigir, falta energia e água, o desemprego é alarmante, as estatísticas são produzidas de acordo com as necessidades do governo, onde os governantes mentem descaradamente e recorrem a expedientes para elevar os “maridos – que afinal ainda não eram”, a altos cargos da função publica, denuncias e suspeitas de corrupção activa são ignorados pela Procuradoria-Geral da república, ex-ministro e ex-candidato a presidente da república chefia e supervisiona situações altamente duvidosas nas obras publicas é premiado com alto cargo numa das maiores empresas do país, em vez de investigado e julgado, suspeitos de corrupção são deputados nacionais e se escondem vergonhosamente atrás da imunidade para não irem a julgamento.
Transformou-nos num país onde o Governo é absoluto, controla tudo e todos, instrumentaliza até as sondagens e desavergonhadamente se auto condecora e aos seus lacaios. Um Governo que já nem se quer se esforça para disfarçar as suas reais características ideológicas, e, de orçamento em orçamento vai castrando a autonomia privada sob o amparo da “prudência e ambição” e perpetrando o estado enquanto maior investidor e consequentemente o maior empregador do país.
Com isso, vai refinando as técnicas de compra de consciência com sofisticados esquemas que se constituem em bolsas de estudo, na transformação das empresas do estado e da função pública em autênticas incubadoras de apoiantes, nas associações que são autênticas máquinas de recrutamento político e ainda, com acesso a informação relevante os governantes e compadrios detêm participação em empresas de sectores chave do país e naquelas que prestam serviço ao estado.
Enquanto o partido do governo nos mantêm prostrados, o ineficiente MPD, o maior partido da oposição ainda não percebeu que em mais de uma década é altura de mudar de atitude e de comportamento, ainda não percebeu que não será possível contornar a máquina demolidora do PAICV. Não com esta postura omissa, de suposta lisura e correcção que cada vez mais se vai compondo numa tremenda falta de imaginação.
Sr. Presidente, Estado de Direito? – Não existe tal coisa, neste momento, em Cabo Verde não se consegue descortinar o que é isso. A legislação tem sido constantemente ajustada conforme os interesses em vigor e beneficiam pequenos grupos sobejamente identificados que insistem, no exercício do poder Publico, em enriquecer através de atitudes e gestos de subserviência e práticas corruptas fazendo da coisa publica solo fértil para beneficiar interesses privados.
Sr. Presidente, os cabo-verdianos não estão unidos, as tribos não se suportam. O País está dividido, os J’s se converteram numa segunda geração de gladiadores irresponsáveis e envaidecidos, que vão perpetuando os erros dos seniores com ideias e pensamentos típicos, tendenciosos e retrógradas, enquanto se vai formando uma fila interminável com o único objectivo de sucederem-se uns aos outros na cadeira do poder. Veja-se como exemplo a corrida desenfreada aos órgãos de ambos os partidos com correligionários a comerem-se uns aos outros sem dó nem piedade. É a corrida desenfreada ao poder, um nojento e horripilante vale tudo que contagiou até os independentes que juraram combater a corrupção e juraram colocar o povo de novo no comando das operações.
Sr. Presidente, recuso-me a ter que escolher, não serei obrigado a integrar a tribo do PAICV nem a tribo do MPD e muito menos a tribo dos supostos independentes que sucumbiram ao doce mel do poder e aos poucos vão deixando cair as máscaras que os diferenciavam do monstro que anteriormente combatemos com convicção suprema. Recuso-me a render a este sistema esclavagista, humilhante e indigno. Enquanto cidadãos deste país temos a obrigação de fazer a diferença e a obrigação de legar aos nossos filhos e netos um país justo e igualitário, a obrigação de repudiar as práticas que diminuem o carácter do ser humano e temos a obrigação moral de procurar cada vez mais elevar os valores éticos que engrandecem o individuo nomeadamente a idoneidade e a coragem.
Temos que ter a coragem de assumir o que está errado, a coragem de apontar os erros e exigir que aquilo que é de pertença pública não seja vilipendiado e usurpado em benefício de minorias velhacas e espertalhonas que teimam em ignorar que é preciso elevar o comportamento e as atitudes e não os discursos.
Sr. Presidente, aqueles que nos deveriam representar na Assembleia da República e portanto nos defender, passam o tempo a falar da década de 90 por um lado, por outro fala-se da década de 70 a 80, prestam homenagem e serviço ao seu partido, em detrimento do povo que deveriam representar. O presente está fechado a sete chaves, o Estado da Nação (que bem pode passar a ser chamado de “Os Ficheiros Secretos”) continua sendo sistematicamente ocultado, o futuro, em consequência é imponderável.
O Sr. Presidente configura-se na última réstia de esperança num país que cuida do seu povo, que ainda poderá seguir o caminho da justiça, e da luta constante para o bem comum. Prova disso foi que apesar da descarada atitude do PAICV em querer controlar também a Presidência da República, este viu negado a sua pretensão de regredir este país à década de 70/80.
O facto, Sr. Presidente, é que os atentados à democracia, ao Estado de Direito são muitos e vão se enraizando aos poucos e, tal como disse um articulista do jornal Liberal, “… o medo entranhado na alma, como percevejo em prega de colchão, dos largos anos do fascismo e do partido e pensamento únicos…” vem toldando a voz dos cidadãos que preferem alinhar e aguardar uma oportunidade de também sentar à mesa dos “melhores”.
Sr. Presidente, por mais dinheiro que haja disponível, não será possível comprar todos os cabo-verdianos. Por isso há vozes que se levantam, movimentos que se criam. Este “terreno” está fértil, e precisa ser semeado o quanto antes, é preciso potencializar estes levantes e encará-los como sinais claros da decadência para a qual rumamos.
O Movimento para a Descentralização e a Regionalização de Cabo Verde está no topo das necessidades do país, e explico:
Assegurar os pilares de desenvolvimento de forma definitiva e sustentável só é possível através de um Poder Regional Democrático
A Regionalização Política e Administrativa de Cabo Verde irá forçar a revisão da nossa Constituição, a nossa política, economia etc. Só assim surgirão alterações de fundo que nos permitirão “resetar” o nosso modo de vida, os negócios, a política. Esta é a única solução que nos resta.
As regiões irão fomentar o desenvolvimento das capacidades económicas e particularidades tão díspares de ilha para ilha através da especialização que por sua vez contribuirá enquanto um instrumento de solidariedade e unidade nacional na medida em que potencializará as trocas comerciais e culturais inter-ilhas sem imposições e sem superioridades.
As regiões mais atrasadas e desfavorecidas passarão a ter autonomia para traçar os seus próprios destinos inclusive beneficiando de mais recursos do que aqueles actualmente disponibilizados.
Os difamadores da regionalização só poderão ter agenda paralela e interesses escusos, tal como alguns dos nossos actuais dirigentes que se posicionaram contra a abertura política porque “eram os próximos na linha de ascensão na carreira no seio do partido”. São apologistas da centralização e do autoritarismo, não admitem opiniões contrárias, não admitem a diversidade.
Quero com isso dizer, Sr. Presidente, que os partidos políticos têm demasiado a perder com a Regionalização, e por isso não podemos depender deles para desencalhar definitivamente este processo e atrasar mais este debate, somente irá contribuir para a acentuação da desigualdade da repartição dos recursos entre os níveis Centrais e Locais de Administração Publica, mormente quando os dirigentes locais são de cor política diversa dos dirigentes centrais.
Devo dizer que participei da mesa redonda sobre o debate da regionalização organizada pelo grupo de reflexão criado em São Vicente. Confesso que fiquei preocupado. Paradoxalmente àquilo que fomos lá fazer, o discurso dos seus membros está demasiado centralizado em São Vicente, eu que sou do Sal quase que me sentia um intruso naquele recinto.
É preciso alertar que a Regionalização não é um desígnio de São Vicente, é um desígnio de todo o país e, é nesta base que deve ser tratada, sob pena de transmitirmos um bairrismo exacerbado que irá certamente afugentar os mais cépticos, principalmente os das outras ilhas. Não podemos corrigir um erro com outro erro.
Por tudo isso Sr. Presidente, peço-lhe que assuma esta luta, que seja a Presidência da República a encetar um programa de estudo e debates sobre esta matéria, alargado a toda a sociedade cabo-verdiana.
Os problemas de Cabo Verde sempre foram discutidos ao mais “alto nível” desde que me conheço por gente. O poder de opinião é reservado àqueles que têm capacidade financeira e, naturalmente, é norteada pelo seu nível de vida e pela necessidade de criar e manter condições de continuidade dos próprios “negócios” e estilos de vida.
É isto que devemos mudar, temos que passar a discutir os problemas de Cabo Verde a um nível mais “baixo”. Devem ser encarados de forma a resolver aquilo que mais importa, resolver os problemas que assolam a maioria, O POVO. É preciso trazer o debate para o seio da população, com linguagens mais acessíveis. Não é aceitável que algo tão importante seja tratado somente nas altas esferas políticas, elitistas e intelectuais.
O pescador, o agricultor, o criador de porcos, a peixeira, precisam saber o que os irá aguardar em cada um dos cenários preconizados, seja ela de regionalização ou não.
Apesar da exposição “grosseira” dos motivos e objectivos, acredito que é matéria suficiente que justifique esta abordagem, e este, Sr. Presidente, é o meu repto, acredito que incorpora os anseios de uma grande franja da população, inclusive daqueles que não estão conscientes dos motivos que mantêm a sua vida no mais completo marasmo.
Espero sinceramente, que as suas atribuições e competências permitam acolher este desafio, caso contrário os partidos políticos devem provar o seu despreendimento ao, através da Assembleia, atribuir-lhe as respectivas competências. Acima de tudo almejo que este também seja um desígnio do Presidente, em conformidade com os motivos que nos levaram a todos a escolhê-lo enquanto nosso representante máximo.
Despeço-me aguardando ansiosamente o seu posicionamento em relação a este meu pedido.
ALDIRLEY FORTES BARROS GOMES – Cidadão Caboverdiano
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