Nasrallah oficializou a entrada do grupo xiita libanês num conflito que já mudou de natureza. O equilíbrio no Médio Oriente está cada vez mais volátil.
O líder do movimento xxita libanês Hezbollah, Hassan Nasrallah, oficializou este sábado a participação desta milícia na guerra na Síria. “Vamos continuar até ao fim do caminho, aceitamos esta responsabilidade e aceitamos os sacrifícios e as consequências desta tomada de posição".
"Seremos nós a trazer a vitória, se deus quiser", acrescentou num discurso que dedicou à Síria e que proferiu num local secreto onde o Hezbollah assinalou o aniversário da retirada de Israel do Líbano.
Quando a guerra começou, em 2011, o líder do Hezbollah divulgou mensagens de apoio ao Presidente sírio, Bashar al-Assad, que pertence ao ramo xiita dos alauitas. As mensagens foram-se tornando mais transparentes e justificavam a entrada em território sírio com a necessidade de proteger os lugares santos xiitas das vinganças sunitas.
Na semana passada, a televisão do Hezbollah mostrou reportagens sobre os seus homens que combatem em Qusair, junto à fronteira libanesa. E, sublinha uma reportagem publicada na sexta-feira no Guardian online, já não há quem oculte o lugar onde morreram os 400 novos enterrados do cemitério dos mártires do Hezbollah, no sul de Beirute.
Perante a possibilidade de o Hezbollah progredir em território sírio - e de a guerra entrar no Líbano -, o Presidente libanês, Michel Sleimane, lembrou a missão “nobre” da “Resistência [o Hezbollah]”, a luta contra Israel. “Para nós, a ameaça vem de todas as direcções. E atrás de tudo está a mão de Israel”, disse ao Guardian um homem que estava a chorar um morto no cemitério.
As palavras de Nasrallah só oficializaram o que já era um dado adquirido. E que se trata de uma mudança de paradigma para a milícia xiita libanesa, até aqui comprometida apenas com uma guerra e um inimigo, Israel.
Este sábado, o Governo sírio e o Hezbollah começaram uma grande ofensiva destinada a conquistar a cidade de Qusair, nas mãos do exército da oposição mas cercada. “Nunca vi um dia como hoje desde que esta batalha começou. Os bombardeamentos são muito violentos. Até parece que o objectivo é arrasar a cidade”, disse à Reuters, por skype, o opositor Malek Ammar.
Qusair é uma cidade estratégica para o Presidente sírio, Bashar al-Assad, e para a milícia xiita libanesa. Estando colada ao Líbano, situa-se numa das extremidades do corredor alauita da Síria, que vai dali até Damasco e depois segue por Latakia e Tartus, ao longo da costa mediterrânica.
É ao longo desta “estrada” que circulam as armas que os sírios enviam para o Hezbollah (enfeudado no Vale de Becca), que a milícia libanesa mantém armazéns ou que se refugiam os líderes quando precisam.
“O facto de o Hezbollah ter assumido ostensivamente esta mudança de papel altera a natureza do conflito na Síria”, disse ao jornalista do Guardian no Líbano um especialista do International Crisis Group, Peter Harling.
A guerra síria começou em 2011, depois dos protestos populares contra Assad — não pediam o fim do regime, apenas mudanças democráticas — se transformarem em violência
De um lado combate o Governo (tem apoios, do Irão, por exemplo, apesar de o ministério da Defesa iraniano, general Ahmad Vahidi, citado pela AFP, dito ontem que nunca foram enviadas armas e que "nunca" o irão fazer), do outro um exército da oposição e muitos grupos de interesses distintos que agem por conta das suas agendas — há jihadistas e sunitas radicais, por exemplo.
A propósito desta proliferação de grupos de armados, escreveu-se que o conflito na Síria se tornava mais sectário a cada dia que passava.
As declarações de Peter Harling sugerem que essa transformação se deu na semana passada, quando a liderança do Hezbollah começou a assumir a participação activa do grupo na guerra, ao lado do governo alauita de Assad (na Síria, o poder político está nas mãos desta minoria xiita e a maioria da população é sunita).
“O Hezbollah pode sugar Israel para dentro desta guerra”. E Israel pode sugar o Irão... “A guerra mudou e cada vez tem mais camadas, disse Harling.
Este sábado, o Governo de Israel, presidido pelo conservador Benjamin Netanyahu, enviou uma carta às Nações Unidas acusando a Síria de provocar um conflito generalizado. Os acidentes para fora das fronteiras sírias são cada vez mais frequentes e de 20 para 21 de Maio soldados israelitas nos Montes Golã responderam, segundo Telavive, a várias salvas de fogo disparadas da Síria.
"A comunidade internacional tem que exigir contas ao governo sírio" que violou o acordo de cessar-fogo de 1974 e não vai abdicar de "exercer o seu direiro à auto-defesa", diz o documento.
A "comunidade internacional", porém, não parece estar a conseguir agir nas frentes em que está envolvida na questão síria. Também este sábado representanets da oposição síria disseram que o excesso de diplomacia não está a ajudar.
A guerra de influência das potências regionais provocou um impasse na reunião em que a Coligação Nacional Síria (o principal grupo de oposição que tem o apoio do Ocidente) deve decidir se vai ou não à conferência de paz de Genebra, que a Rússia e os Estados Unidos querem realizar em Junho.
A oposição está reunida desde quinta-feira em Istambul, na Turquia, para decidir se participa e o que levará para as negociações.
Mas segundo participantes que falaram sob anonimato à AFP, não se consegue concentrar. Deram exemplos do que se passa: a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos querem incluir 30 novos membros na Coligação Nacional para reduzir a influência da Irmandade Muçulmana, a Turquia, o Qatar e a França querem a Coligação como está; os Estados Unidos e a Arábia Saudita têm uma atitude intervencionista e ameaçam retirar o apoio económico. “É escandaloso. Esta rivalidade pode matar a oposição.”
A reunião de Genebra seria o primeiro momento em que a oposição e o governo de Damasco se sentariam frente a frente para começarem a discutir um plano de paz.
O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez saber na sexta-feira estar convencido de que Assad enviará a Genebra representantes. Porém, o que parece estar em causa agora é a realização do encontro.
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