30/5/2013 18:44
Por Rui Martins, de Genebra
Por Rui Martins, de Genebra
O avião Embraer da Azul decolou e com um toque de dedo acendi a telinha de tevê, para me ocupar na hora e vinte do meu vôo Brasília-São Paulo. E ainda sem ter feito qualquer escolha, ali surgiu Gilberto Gil ao lado de um maestro.
Lembrei-me imediatamente do CD comprado, na noite anterior, num shopping nas Americanas, ainda lacrado, mostrando o cantor-compositor baiano, ex-ministro da Cultura, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, numa gravação ao vivo com acompanhamento de cordas.
Rapidamente pedi fones de ouvido e tive direito a uma antecipação da escuta do meu CD como um bonus especial – o vídeo era exclusivo da empresa aérea Azul que, pelo jeito, transportara todos os músicos, não sei de onde para onde. Era o ensaio, provavelmente o final, com Gil de sandálias e roupa descontraída, antes da cena final, de rigor, no Municipal.
Violão do Gil entre violinos, violoncelos, contrabaixos, violas mas também flautas, clarinetas, trompa, trompete e trombones. Imagens destinadas a dar uma terceira dimensão ao som do CD, tão logo eu chegasse no meu interiorano destino.
Gil é poeta profundo que joga com as palavras com maestria. Mas é também lembrança minha do Ponto de Encontro, na Galeria Metrópole, na avenida São Luiz, quando estava ainda para acontecer ou já acontecia o tropicalismo, a música colorida num fundo de chumbo verde-oliva.
O avião continuava no seu cruzeiro e eu escutava agora uma novidade para mim, no original francês – La Renaissance Africaine. Não o Renascimento grego-romano pagão na Europa do século XV , cansada do medievalismo católico, mas o renascimento da civilização negra africana, berço da humanidade.
Um renascimento que invade sutilmente o planeta, lhe transmite sua tintura e marcará de maneira indelével nossa humanidade de amanhã.
É a diáspora africana, canta Gil no seu francês de sotaque baiano, do mais antigo continente com “suas mulheres de outra beleza, uma beleza negro-noite… o homem cheio de dignidade…é o espírito da África libertada, a novidade que prospera”.
É o renascimento mas é igualmente a revanche de uma África tantos anos excluída e relegada, rejeitada e escravizada. Uma África que agora se impõe nos EUA, se alastra pela Europa e assume, pouco a pouco, seu lugar de destaque no Brasil.
Mais alguns dias, e o Brasil comemorava o fim da escravidão, por tanto tempo letra morta na nossa história, pois os negros retirados das senzalas iam ser marginalizados , inferiorizados, humilhados ainda por mais de cem anos de semi-escravidão. De Izabel a Dilma, um longo trajeto passando pelo caboclo Lula, até, enfim, se chegar à verdadeira alforria das escravas domésticas negras da classe média branca, agora protegidas pelas leis trabalhistas.
O renascimento africano no Brasil passa também pelas cotas nas universidades e até no engenho do Itamaraty. Os negros não são os netos do Cão, filho de Noé, como acredita na sua santa ignorância o deputado presidente da Comissão de Direitos Humanos, transformada em palhaçada.
Se os cristãos criacionistas, que de Bíblia na mão justificavam a escravidão dos negros, os navios negreiros, a ainda recente segregação nos EUA e o tão próximo apartheid na África do Sul, quiserem ainda ter algum crédito, devem imaginar Adão e Eva negros, fortes, musculosos, lascivos, sensuais, correndo livres pelo Eden africano,copulando e devorando com paixão o fruto proibido e criando a raça humana.
Black não é um castigo, Black is beautiful.
(Publicado originalmente no site Direto da Redação)
(Publicado originalmente no site Direto da Redação)
Rui Martins, jornalista, escritor, líder emigrante, de Genebra.
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