Thursday, May 2, 2013

A dura experiência de ser negro entre os “valungo” na Rússia: racismo ou pura desconfiança

 

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Pensamento de: Vasco Muchanga *
A partir da Finlândia
A experiência que vou vos transmitir a seguir levoume a reflectir e concluir que África não é somente o berço da humanidade porque foi onde foram descobertos os restos ósseos dos seres humanos, mas acredito também que este é o meu berço da humanidade porque reside nela o espírito da humanidade, o reconhecimento no rosto do próximo, um ser humano igual que merece um caloroso abraço, um sorriso confortante e amoroso que nutre a convivência no seio da família e na comunidade. Como berço da humanidade, África abriu e continua a abrir o seu coração sem desconfiança e discriminação e estende os seus braços para receber cada um dos seres humanos da face da terra, não como hóspedes, mas como filhos pródigos que necessitam respirar o verdadeiro ar humano.
Mas a experiência que tive na cidade de Vyborg e Saint Petersbourg, durante a minha visita de estudo a partir da Finlândia, durante quase uma semana, fez-me concluir que ser negro entre os brancos fora de África, por exemplo na Rússia, na via pública, é um risco de vida e à segurança privada.
Num belo dia, na tarde encadescente do pôr do sol na cidade de Vyborg, saímos do hotel para a estação de comboio para ver o horário do comboio que partia no dia seguinte para a cidade de Saint Petersbourg. Éramos um grupo de cinco pessoas, sendo quatro estudantes e um professor que orientava o nosso grupo. Entre os estudantes estava eu, único negro e moçambicano, sendo os restantes finlandeses, incluindo o professor. Durante a nossa estadia na estação, fomos nos apercebendo que estávamos a ser seguidos por dois indivíduos vestidos a civil. Ao nosso movimento dentro da estação eles acompanhavam-nos e iam trocando conversa com outros dois polícias uniformizados. Quando saímos da estação, a 300 metros vimos que os dois homens vestidos a civil estavam à nossa “cola”. Continuámos no nosso compasso e quase a atravessarmos a estrada, eles, vindo mais rápidos a dois metros atrás de nós, tiraram as suas carteiras e disseram: Police! You, your passport, please! Passport, passport! Eles chegaram a nós e focalizaram a sua atenção na minha pessoa, exigindo os meus documentos, o meu passaporte. Todos do grupo ficaram pasmados, pois eles não queriam e nem perguntaram pelos passaportes das outras pessoas (meus acompanhantes), apenas o meu passaporte. O professor disse: não temos documentos connosco, apenas cópia, os originais estão no hotel na Recepção. Mostrou-lhes a cópia. O professor dizia isso porque já sabia que ao dar documentação, para ter de volta eles iriam exigir dinheiro. Mas eles não queriam cópia, queriam levar-me com eles. O professor e outros colegas teimaram contra a lei e ordem e disseram: ele não vai a nenhum sítio. Um dos polícias ficou num teatro ao telefone, como quem estivesse a comunicar-se com os seus superiores do outro lado do receptor.
Eu tomei a coragem e perguntei: por que vocês chegaram a nós e pediram apenas a minha documentação?. Eles responderam com uma outra pergunta: você fala finlandês? Eu respondi que falava inglês e estava na Finlândia a fazer troca de experiência.
Mesmo assim, insisti em querer saber por que eles queriam apenas a minha documentação, dentro de um grupo de cinco pessoas. Mas não me responderam. Tentámos entrar em contacto com os nossos anfitriões na cidade, mas estes demoraram a chegar.
Estivemos numa discussão de cerca de 15 minutos e sem devolverem os meus documentos, porque achamos estranho eles estarem a exigir somente a minha identificação.
Não sei se se trata de desconfiança ou puro racismo. Mas permaneço com a questão. Por que será que eles vieram pedir simplesmente a minha documentação, se eles viram que estávamos em grupo e seguiram-nos durante centenas de metros? A mim pareceu falta de respeito, discriminação, desconfiança, “à polícia”. Chegar num grupo de cinco pessoas e exigir apenas a documentação de uma pessoa e, curiosamente, o negro, único, negro. Aquela atitude foi para mim como se eu fosse um estranho, alguém procurado. Mas, para tal, tinham de ter algum mandado de busca.
Outro episódio de desconfiança cega voltou a se repetir no comboio, quando partíamos de Saint Petersbour para Finlândia. Estávamos ainda na parte da Rússia. Agentes da Polícia começaram a revistar os passaportes e quando chegaram ao meu grupo viram que tínhamos o bilhete e visto comum e estávamos sentados todos juntos. Mas revistaram os passaportes de todos em fracção de minutos, mas penduraram o meu passaporte por 30 minutos. O primeiro polícia pegou no meu passaporte, viu e olhou para mim, por cinco vezes, não acreditou que fosse a mesma pessoa.
Chamou uma outra pessoa; olharam e comparam o meu rosto com a foto estampada no passaporte e visto, mas não acreditaram. Veio o terceiro polícia, idem. Não ficaram convencidos. Levaram o meu passaporte. Depois de 30 minutos, voltaram e disseram apenas ok. Pensando que ainda estavam com dúvidas, mostrei-lhes o meu Bilhete de Identidade de Moçambique, mas parece que o assunto já estava ultrapassado.
O engraçado é que quando atravessámos a fronteira da Rússia com a Finlândia, os agentes da Polícia Alfandegária da parte finlandesa reverificaram novamente os passaportes e vistos. Os meus colegas finlandeses disseram ao polícia finlandês o que teria sucedido com a polícia russa.
O polícia finlandês pegou no meu passaporte e visto, olhou para mim uma vez e disse: aqueles deviam não estar bem. Aqui está claro que é a mesma pessoa.
Já tinha ouvido rumores de que na Rússia há racismo, mas nunca tinha vivido uma experiência de racismo ou uma certa discriminação supostamente por causa da minha cor negra que marca diferença entre os valungo. Mas naquele momento, quando aqueles polícias civis russos concentraram a sua atenção em mim como dois leões famintos, senti-me vítima de racismo, pois eles não me apresentaram outra razão para tamanha focalização num único negro dentro de um grupo de brancos. Naquele momento, veio-me à cabeça que para essa gente parece normal um movimento migratório do Norte para o Sul. Contudo, para eles, o movimento migratório do Sul para o Norte parece impossível e intolerável. Mas eu estou convencido de que essa discriminação, desconfiança de negros por brancos na terra dos valungo vai acabar.
Para tal, não vejo outra forma a não ser promover mais esses contactos entre os seres humanos em diferentes cantos do mundo. Dessa forma vamos quebrar as fronteiras, reduzir a distância racial e o estranhamento de uns pelos outros, porque todos somos seres humanos. Para isso, faço das palavras de Nyerere as minhas: África deve unir-se.
Que haja respeito e consideração entre todos os seres humanos e ponhamos fim à caça entre as raças.
A dura experiência de ser negro entre os “valungo” na Rússia: racismo ou pura desconfiança
CORREIO DA MANHÃ – 02.05.2013

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